Sutra do Diamante

Adoração à Venerável e Sagrada Perfeição da Sabedoria!


1) Assim eu ouvi.


Certa ocasião estava o Mestre no Jardim de Anathapindaka, no Bosque de Jeta, no reino de Svrasti, em companhia de 1250 monges.


Pela manhã, o Mestre cingiu a roupa de baixo, tomou da tigela e o manto, andou pela grande cidade de Svrasti pedindo alimentos e tomou sua refeição. Finda esta, regressou de sua jornada de mendicância, guardou a tigela e o manto, lavou os pés, sentou-se de pernas cruzadas no assento a ele destinado e, com o corpo bem ereto, entrou em estado de Meditação. Então muitos monges se aproximaram do lugar onde estava o Mestre. Prostraram-se a seus pés, deram três voltas ao seu redor, da esquerda para a direita e sentaram-se a seu lado.


2)


Então o Venerável Subhuti, que estava na Assembleia, levantou-se de seu assento, lançou o manto sobre um dos ombros, colocou-se com o joelho direito em terra e, com as mãos postas, voltando para o Mestre, disse:


-Ó Mestre, que maravilha! Ó Bem-aventurado, que coisa maravilhosa! Graças ao Tathagata1, ao Venerável, ao Desperto, os que buscam o Caminho, os grandes homens estão envolvidos pela Dádiva Suprema! Que maravilha, ó Mestre! Graças ao Tathagata, ao Venerável, ao Desperto, foi dada aos que buscam o Caminho, aos grandes homens, a Suprema Missão.


– Entretanto, ó Mestre, como deverão viver, como deverão agir, como deverão manter suas mentes os moços e moças respeitáveis que seguem o Caminho dos Bodisatvas?


Interrogado desta forma, o Mestre respondeu o seguinte ao Venerável Subhuti:


– Muito bem dito, Subhuti! O Tathagata envolve os que buscam o Caminho, os grandes homens na Suprema Dádiva. O Tathagata lhes dá a Suprema Missão. Por isso ouve-me, ó Subhuti! Reflete bem! Vou dizer-te como deverão viver, como deverão agir, como deverão manter suas mentes os moços e moças respeitáveis que seguem o Caminho dos Bodisatvas.


– É meu desejo ouvi-lo, replicou Subhuti ao Mestre.


3)


Assim disse o Mestre:


– Ó Subhuti! Todos aqueles que desejam buscar o Caminho deverão compenetrar-se do seguinte:



“Eu devo guiar todos os seres viventes, os que nascem de ovos, os que nascem do ventre materno, os que nascem espontaneamente, os que tem forma e os que não tem forma, os que tem a capacidade de abstrair e os que não tem a capacidade de abstrair, os que nem tem a capacidade de abstrair, os que nem tem e nem deixam de ter a capacidade de abstrair, e todos os seres viventes imagináveis, enfim, para o estado de tranquilidade eterna e sem sofrimento. Entretanto, ainda que eu guie um número infinito de seres viventes para a Paz Eterna, na realidade nenhum deles terá sido guiado para a Paz Eterna”.

Isso porque, Subhuti, caso aquele que busca o Caminho pensar que algo tenha substância própria, não poderá mais ser considerado um Buscador do Caminho. Isso porque, Subhuti, todo aquele que tiver os pensamentos de “eu”, “existir com substância própria”, “substância própria”, “indivíduo”, etc., não pode ser mais considerado um Buscador do Caminho.

4)



Além disso, Subhuti, aquele que busca o Caminho não pode fazer dádivas a outrem estando sua mente apegada a alguma coisa. Não se deve dar nada estando com a mente apegada a algo. Não se deve dar nada estando a mente apegada à forma. Não se deve dar nada estando a mente apegada à voz, ao cheiro, ao gosto, às coisas percebidas pelo tato e às coisas percebidas pela mente.



Assim, ó Subhuti, os Buscadores do Caminho, os grandes homens, deverão fazer dádivas a outrem sem estarem apegados ao desejo de deixarem vestígios.



Isso porque, Subhuti, caso o Buscador do Caminho fizer dádivas sem se apegar a nada, seus méritos aumentarão a ponto de dificilmente poderem ser contados. O que pensas, Subhuti? O espaço que se estende para o Leste pode ser facilmente medido?



Subhuti respondeu:



– Ele é imensurável, Mestre.



O Mestre perguntou:



– E o espaço que se estende para o Sul, para o Oeste, para o Norte, para baixo, para cima e para todos os lados, pode ser medido facilmente?



– Ele é imensurável, Mestre – respondeu Subhuti.



O Mestre então disse:



– Ó Subhuti! Da mesma maneira será imensurável o mérito acumulado pelo Buscador do Caminho que fizer dádivas a outrem sem ter sua mente apegada a nada.



Ó Subhuti! Todo aquele que almeja tornar-se um Buscador do Caminho deve fazer dádivas a outrem dessa maneira, sem estar apegado ao desejo de deixar vestígios.

5)



– Ó Subhuti! O que pensas? Pode-se considerar o Tathagata como alguém dotado de características especiais?



Subhuti respondeu:



– Não, não podemos considerar o Tathagata como alguém dotado de características especiais. Isso porque, ó Mestre, o Tathagata ensinou que ser dotado de características especiais é não ser dotado de características especiais.



Ao ouvir esta resposta, o Mestre disse o seguinte ao Venerável Subhuti:



– Ó Subhuti! É mentira dizer que ele é dotado de características especiais mas não é mentira dizer que ele não é dotado de características especiais. Por isso, devemos ver o Tathagata das duas maneiras: como sendo e como não sendo dotado de características especiais.

6)



Ouvindo isso, o Venerável Subhuti perguntou ao Mestre o seguinte:



– Ó Mestre! No futuro, quando no fim do segundo período de quinhentos anos2 o ensinamento correto desaparecer, haverá alguém que considere verdadeiras as palavras de Sutras como este?



O Mestre respondeu:



– Subhuti! Não deves falar desta maneira. No futuro, quando ao fim do segundo período de quinhentos anos, o ensinamento correto desaparecer, certamente haverá alguém que considere verdadeiras as palavras de Sutras como este.



Subhuti! No futuro, quando ao fim do segundo período de quinhentos anos, o ensinamento correto desaparecer, aqueles que, buscando o Caminho, são virtuosos, observam os preceitos e são dotadas de profunda sabedoria, certamente considerarão verdadeiras as palavras de Sutras como este.



Subhuti! Esses virtuosos que buscam o Caminho não se limitarão a se aproximar de um Buda para venerá-lo e acumular boas ações junto a ele. Aproximar-se-ão de centenas de milhares de Budas para venerá-los e acumularem boas ações junto a eles. Por isso, ao ouvirem as palavras de Sutras como este, certamente hão de obter confiança sem mácula.



Subhuti! O Tathagata conhece estas pessoas com a Sabedoria do Desperto. Subhuti, o Tathagata os vê com o Olho do Desperto. Subhuti, o Tathagata os tem em sua memória. Subhuti, eles certamente hão de acumular para si méritos imensuráveis.



Isso porque, Subhuti, esses Buscadores do Caminho, esses grandes homens não tem pensamentos de “eu”, “existir com substância própria”, “substância própria” e “indivíduo”. Além disso, Subhuti, esses Buscadores da Verdade, esses grandes homens, não tem os pensamentos de “coisa com substância própria” e de “coisa sem substância própria”. Além disso, Subhuti, eles nem pensam e nem deixam de pensar.



Isso porque, Subhuti, se esses Buscadores do Caminho, se esses grandes homens tiverem o pensamento de “coisas com substância própria”, eles terão apego ao eu, aos seres vivos, à substância própria, ao indivíduo.



Qual a razão disso?



Na verdade, Subhuti, os Buscadores da Verdade, os grandes homens não podem se apegar nem à Lei nem áquilo que não é a Lei.



Por isso, o Tathagata pronunciou as seguintes palavras, com esse mesmo significado:  


“Aquele que conhece a Parábola da Jangada3 precisa abandonar até mesmo a Lei e com muito mais razão também aquilo que não é a Lei”.

7)



Novamente o Mestre dirigiu uma pergunta ao Venerável Subhuti:



– Subhuti, o que pensas? Existe alguma Lei Suprema experimentada pelo Tathagata? Existe alguma Lei Suprema ensinada pelo Tathagata?



Ao lhe formular essa pergunta, Subhuti voltou-se para o Mestre e respondeu:



– Mestre! De acordo com o que entendi de vossos ensinamentos, não existe nenhuma Lei Suprema experimentada e praticada pelo Tathagata, porque a Lei experimentada e ensinada pelo Tathagata não pode ser conhecida nem explicada em palavras. Ela nem é a Lei e nem deixa de ser a Lei, porque os Despertos se manifestam através do próprio Absoluto.

8-



O Mestre perguntou:



– Subhuti, o que pensas? Se moços e moças exemplares encherem este Universo Infinito com as sete preciosidades e ofertarem tudo isso ao Tathagata, ao Venerável, ao Desperto, acumularão eles muitos méritos?



Subhuti respondeu:



– Ó Mestre, ó Bem-aventurado! Tais moços e moças exemplares obterão com isso méritos incontáveis. Isso porque, Mestre, o Tathagata ensinou que acumular méritos é não acumular méritos. Por isso o Tathagata fala em acumular méritos.



O Mestre disse:



– Subhuti, mesmo se moços e moças exemplares encherem este Universo Infinito com as sete espécies de preciosidades e ofertarem tudo isso ao Tathagata, ao Venerável, ao Desperto, muito maiores serão os incontáveis méritos daquele que desta Lei destacar um simples verso e o ensinar meticulosamente aos outros. Isso porque, Subhuti, a Iluminação Suprema do Tathagata, do Venerável, do Iluminado, nasce daí. Isso porque, Subhuti, o Tathagata ensinou que a Lei do Desperto não é a Lei do Desperto. Por isso ela é chamada a Lei do Desperto.

9-a)



– Ó Subhuti! Aquele que entrou na correnteza da Paz Infinda poderá pensar: “eu entrei na correnteza da Paz Infinda?”



Subhuti respondeu:



– Não, Mestre. Aquele que entrou na correnteza da Paz Infinda jamais poderá pensar: – “eu penetrei na correnteza da Paz Infinda”. Isso porque, Mestre, na verdade ele não conseguiu absolutamente nada. É por isso que se diz que ele penetrou na correnteza da Paz Infinda. Ele não obteve nem a forma, nem o som, nem o cheiro, nem o gosto, nem a coisa perceptível pelo tato, nem a coisa perceptível pela mente. É por isso que se diz que ele penetrou na correnteza da Paz Infinda. Mestre, se aquele que penetrou na correnteza da Paz Infinda pensar: – “eu penetrei na correnteza da Paz Infinda” – ele terá apego ao eu, aos seres vivos, à substância própria, ao indivíduo.

9-b)



O Mestre perguntou:



– Subhuti, o que pensas? Aquele a quem só resta renascer uma vez para despertar poderá pensar: – “já cheguei ao ponto em que só me falta renascer uma só vez para despertar”?



Subhuti respondeu:



– Não, Mestre. Aquele a quem só falta renascer uma vez para despertar não poderá pensar: 
– “já cheguei ao ponto em que só me falta renascer uma vez para despertar”. Isso porque, embora digamos que lhe falta renascer apenas uma vez para despertar, na verdade não existe nada disso. Por isso é que ele é chamado aquele a quem só resta renascer uma vez para despertar.

9-c)

– Subhuti, o que pensas? Aquele que jamais renascerá poderá pensar: – “eu já cheguei à condição de jamais ter de renascer’?

Subhuti respondeu:

– Não, Mestre. Aquele que jamais renascerá nunca poderá pensar: – “eu já cheguei à condição de jamais ter de renascer”. Isso porque, Mestre, embora digamos que ele jamais renascerá, na verdade nada disso acontece. Por isso é que ele é chamado aquele que jamais renascerá.

9-d)

O Mestre perguntou:

– Subhuti, o que pensas? Aquele que é digno de veneração poderá pensar: – “eu me tornei uma pessoa digna de veneração?”

Subhuti respondeu:

– Não, Mestre. Aquele que é digno de veneração jamais poderá pensar: – “eu me tornei uma pessoa digna de veneração”. Isso porque, Mestre, não existe ninguém que possa ser uma pessoa digna de veneração. É por isso que a chamamos de pessoa digna de veneração. Mestre, caso uma pessoa digna de veneração pensar – “eu me tornei uma pessoa digna de veneração”, – ela terá apego ao eu, aos seres vivos, à substância própria, ao indivíduo.

9-e)

– Isso porque, Mestre, o Tathagata, o Venerável, o Desperto disse que eu sou “aquele que goza sozinho o estado em que não há conflitos”. Mestre, eu sou digno de veneração, eu abandonei os desejos. Mas Mestre, eu não penso que sou digno de veneração ou que abandonei os desejos. Mestre, caso eu venha a pensar que eu me tornei digno de veneração, o Tathagata não teria declarado: – ó, Subhuti, ó jovem exemplar, tu és aquele que goza sozinho o estado em que não há conflitos porque não se apega a nada. Tu és aquele que superou todos os conflitos!”

10-a)

O Mestre perguntou:

– Subhuti, o que pensas? Existirá algo que o Tathagata tenha obtido junto a Dipankara, o Venerável, o Desperto?

Subhuti respondeu:

– Não, Mestre. O Tathagata nada obteve junto a Dipankara, o Venerável, o Desperto.

10-b)

O Mestre disse:

– Subhuti! Caso algum Buscador do Caminho disser: – “eu edificarei o País Búdico” – ele terá dito uma coisa errada. Isso porque, Subhuti, o Tathagata disse que a edificação do País Búdico não é edificação. Por isso ela é chamada de edificação do País Búdico.

10-c)

– Por isso, Subhuti, os Buscadores do Caminho, os grandes homens precisam manifestar uma mente desapegada. Eles não podem manifestar uma mente apegada a alguma coisa. Não podem manifestar uma mente apegada à forma. Não podem manifestar uma mente apegada ao som, ao cheiro, ao gosto, às coisas percebidas pelo tato e às coisas percebidas pela mente. Não devem manifestar uma mente apegada a algo, mas sim uma mente desapegada, embora de acordo com as condições atuantes em cada momento.

Subhuti! Se porventura houver um homem de corpo gigantesco como o Monte Sumeru, o rei das montanhas, o que achas, Subhuti? Seu corpo é grande?

Subhuti respondeu:

– Sim, Mestre, ele é grande mesmo, é um grande corpo, ó Bem-aventurado! Isso porque, Mestre, o Tathagata disse que não há corpo. Por isso nós o chamamos corpo. Mestre, ele não é nem existente nem não existente, por isso nós o chamamos corpo.

11)

O Mestre perguntou:

– Subhuti, o que pensas? Suponhamos que existam tantos rios Ganges quantos grãos de areia existem no fundo do Rio Ganges. Será imenso o número de grãos de areia existentes nesses rios?

Subhuti respondeu:

– Mestre, havendo já um número tão grande de rios Ganges, muito maior será o de grãos de areia existentes neles.

O Mestre disse:

– Vou falar-te, Subhuti, para que entendas bem: se um homem ou mulher encher com as sete espécies de preciosidades tantos universos quanto os grãos de areia existentes no fundo desses rios e ofertar tudo isso ao Tathagata, ao Venerável, ao Desperto, o que pensas, Subhuti? Esse homem ou essa mulher terá acumulado muitos méritos com isso?

Subhuti respondeu:

– Ó Mestre! Ó Bem-aventurado! Essa mulher ou esse homem terá acumulado com isso incontáveis, imensuráveis méritos.

O Mestre disse:

– Na verdade, Subhuti, mesmo que uma mulher ou um homem encha tão grande número de universos com as sete espécies de preciosidades, e oferte tudo isso ao Tathagata, ao Venerável, ao Desperto, muito maiores serão os incontáveis, imensuráveis méritos acumulados pelo moço ou moça exemplar que desta Lei extrair um verso e o ensinar a outrem.

12)

– Além disso, Subhuti, se em alguma localidade alguém extrair desta Lei um simples verso e o ensinar e explicar a outrem, esse lugar será venerado como um santuário por todo o Universo, incluindo o mundo dos Devas4 e dos Asuras5. Se alguém então guardar de memória, ler, estudar e ensinar meticulosamente a outrem toda esta Lei, Subhuti, certamente se tornará uma pessoa dotada com a Virtude Suprema.

Subhuti! Se nessa região houver alguém honrado com o título de mestre, haverá muitos na posição de mestres esclarecidos.

13-a)

Ouvindo isso, o Venerável Subhuti perguntou o seguinte ao Mestre:

– Mestre! Como se chama esta Lei? Como guardá-la de memória?

Interrogado desta maneira, o Mestre voltou-se para o Venerável Subhuti e respondeu:

– Subhuti! Essa Lei se chama Perfeição da Sabedoria. Guarde-a de memória como tal. Isso porque, Subhuti, o Tathagata disse que a Perfeição da Sabedoria ensinada pelo Tathagata não é a Perfeição da Sabedoria. Por isso ela é chamada Perfeição da Sabedoria.

13-b)

O que pensas, Subhuti, existe alguma Lei ensinada pelo Tathagata?

Subhuti respondeu:

– Não, Mestre, não existe nenhuma Lei ensinada pelo Tathagata.

13-c)

O Mestre disse:

– Subhuti, o que pensas? É grande o número de grãos de pó espalhados por este universo infinito?

Subhuti respondeu:

– Sim, Mestre, é muito grande. É muito grande, ó Bem-aventurado! Isso porque, Mestre, o Tathagata disse que o pó ensinado pelo Tathagata não é pó. Por isso ele é chamado pó. Outra razão disso é que o Tathagata disse que o mundo ensinado pelo Tathagata não é mundo. Por isso ele é chamado mundo.

13-d)

O Mestre disse:

– O que pensas, Subhuti? O Tathagata, o Venerável, o Desperto pode ser distinguido pelos trinta e dois sinais encontráveis nos grandes homens?

Subhuti respondeu:

– Não, Mestre. O Tathagata, o Venerável, o Desperto não pode ser distinguido pelos trinta e dois sinais encontráveis nos grandes homens. Isso porque, em verdade, Mestre, o Tathagata disse que os trinta e dois sinais encontráveis nos grandes homens não são sinais. Por isso são chamados os trinta e dois sinais encontráveis nos grandes homens.

13-e)

O Mestre disse:

– Ainda, Subhuti, mesmo que uma mulher ou um homem sacrifique por dia tantos corpos quantos grãos de areia existentes no Rio Ganges, isso durante um número de dias tão grande quanto o de grãos de areia existentes no Ganges, maiores serão os incontáveis, imensuráveis méritos acumulados por aquele que retirar desta Lei um simples verso e o ensinar e pregar a outrem.

14-a)

Então o Venerável Subhuti chorou de comoção por causa da Lei. Depois de recolher as lágrimas, voltou-se para o Mestre e disse:

– Isto é uma coisa maravilhosa, Mestre, é uma coisa verdadeiramente maravilhosa, ó Bem-aventurado, o fato desta Lei ter sido pregada pelo Tathagata àqueles que se dirigem para o Caminho Supremo, para o mais elevado dos Caminhos. Também é maravilhoso o fato da Sabedoria ter brotado em mim graças a isso.

Mestre, eu antes jamais tinha ouvido uma Lei semelhante a esta. Mestre, todos aqueles Buscadores do Caminho que ouvirem a pregação deste Sutra e pensarem – “é verdade” -, certamente serão pessoas dotadas de um caráter excepcional e sublime. Isso porque pensar – “é verdade” – é pensar – “não é verdade”. Por isso o Tathagata ensinou o pensamento – “é verdade” – e o pensamento – “não é verdade”.

14-b)

Entretanto, Mestre, quando esta Lei é pregada, não me é muito difícil assimilá-la e compreendê-la. Mas no futuro, Mestre, quando no segundo período de quinhentos anos a Verdadeira Lei desaparecer, haverá pessoas que assimilem, guardem de memória, recitem, estudem e ensinem meticulosamente a outrem esta Lei? Essas pessoas certamente serão dotadas de um caráter verdadeiramente excepcional.

14-c)

– Entretanto, Mestre, nessas pessoas não brotará o pensamento de “eu”, nem o pensamento de “ser vivo”, nem o pensamento de “substância própria”, nem o pensamento de “indivíduo”. Além disso, eles nem pensarão e nem deixarão de pensar. Isso porque, Mestre, o pensamento de “eu” é não pensar e os pensamentos de “ser vivo”, “substância própria”, e “indivíduo” são também não pensar. Isso porque os Veneráveis Budas estão bastante afastados de todos os pensamentos.

14-d)

Ouvindo isso, o Mestre voltou-se para o Venerável Subhuti e disse-lhe:

– Tens razão, Subhuti. Aquele que não se assustar, que não se atemorizar, que não for tomado de terror ao ser pregado este Sutra, é pessoa de caráter excepcional. Isso porque, Subhuti, a Perfeição Suprema pregada pelo Tathagata em verdade não é Perfeição. Além disso, Subhuti, aquilo que o Tathagata ensinou ser a Perfeição Suprema está sendo ensinada por um número infinito de pessoas iluminadas. É por isso que tal coisa se chama Perfeição Suprema.

14-e)

– Além disso, Subhuti, a Perfeição da Paciência no Tathagata na verdade não é Perfeição. Isso porque, Subhuti, mesmo quando, outrora, um rei pérfido cortou partes de meu tronco e de meus membros, eu não tive os pensamentos de “eu”, de “ser vivo”, de “substância própria”, de “indivíduo” e nem pensamentos de “pensar” e “não pensar”. Isso porque, Subhuti, se naquela hora eu tivesse o pensamento de “eu”, certamente eu teria pensamentos de ódio. Se eu tivesse os pensamentos de “ser vivo”, de “substância própria”, de “indivíduo”, eu teria também pensamentos de ódio.

Isso porque, Subhuti, eu me recordo muito bem: no passado, durante quinhentas vidas, eu fui um eremita chamado “Aquele que prega a Paciência”. Naquela ocasião também eu não tinha os pensamentos de “eu”, de “ser vivo”, de “substância própria” e de “indivíduo”.

Por isso, Subhuti, os Buscadores do Caminho, os grandes homens devem por de lado todos os pensamentos e despertar para a Iluminação Suprema. Não devem manifestar uma mente apegada à forma, nem uma mente apegada ao som, ao cheiro, ao gosto, às coisas percebidas pelo tato e às coisas percebidas pela mente. Não devem manifestar uma mente apegada à Lei. Não devem manifestar uma mente apegada ao que não é a Lei. Não devem manifestar uma mente apegada a coisa alguma. Isso porque estar apegado é não estar apegado. É por isso que o Tathagata ensinou que o Buscador do Caminho deve fazer dádivas com a mente desapegada. Deve fazer dádivas com a mente desapegada da forma, do som, do cheiro, do gosto, das coisas percebidas pelo tato e das coisas percebidas pela mente.

14-f)

– Além disso, Subhuti, em verdade os Buscadores do Caminho devem fazer dádivas aos seres viventes. Isso porque, Subhuti, o pensamento de “seres viventes” não é pensamento. Foi assim que o Tathagata ensinou a respeito dos seres viventes: na verdade eles não são seres viventes. Isso porque, Subhuti, o Tathagata é aquele que diz a verdade, que expõe as coisas tais como elas são, que fala sem erro. O Tathagata é aquele que não diz mentiras.

14-g)

– Além disso, Subhuti, em verdade na Lei descoberta, indicada e pensada pelo Tathagata não existe nem verdade nem mentira. Subhuti, é como alguém que, embora dotado de olhos, nada pode ver em meio às trevas. O Buscador do Caminho apegado às coisas deve ver desse modo. Ele faz dádivas apegado às coisas.

Isso, Subhuti, é como alguém que, dotado de olhos, pode ver muitas formas quando amanhece e o sol se eleva nos céus. Assim deve ver o Buscador do Caminho desapegado das coisas. Ele faz dádivas sem estar apegado às coisas.

14-h)

– Bem, Subhuti, suponhamos que moças e moças exemplares tomaram, guardaram de memória, recitaram, entenderam e explicaram meticulosamente esta Lei. Subhuti, o Tathagata conhece as pessoas dotadas de sabedoria excepcional. Subhuti, o Tathagata as vê com os olhos de Iluminado. Subhuti, o Tathagata as retém na memória. Subhuti, essas pessoas certamente acumularam venturas imensuráveis, incontáveis.

15-a)

– Além disso, Subhuti, se todas as manhãs um homem ou uma mulher sacrificar tantos corpos quantos são os grãos de areia existentes no Ganges, se todas as tardes e noites proceder da mesma maneira e assim ficar sacrificando corpos durante um espaço de tempo ilimitado, suas incontáveis e imensuráveis venturas que assim acumularem não serão tantas quanto as daqueles que ouvirem esta Lei e não falarem mal dela. Muito maiores serão as venturas daqueles que a copiarem, estudarem, guardarem de memória, entenderem e a ensinarem meticulosamente a outrem.

15-b)

– Além disso, Subhuti, esta Lei é maravilhosa e incomparável. Subhuti, o Tathagata ensinou esta Lei aos que se dirigem ao Caminho Supremo, ao mais Alto dos Caminhos. Muitos tomarão, guardarão de memória, recitarão, entenderão e ensinarão meticulosamente a outrem esta Lei. Subhuti, o Tathagata conhece essas pessoas com a Sabedoria do Iluminado. Subhuti, o Tathagata as vê com o olho do Iluminado. Subhuti, o Tathagata as retém na memória. Essas pessoas acumularão imensuráveis venturas. Subhuti, essas pessoas por si próprias alcançarão o Despertar.

Isso porque, Subhuti, esta Lei não pode ser ouvida pelo fraco em confiança e em entendimento. Aqueles que sentem apego ao eu, aos seres vivos, à substância própria e ao indivíduo não podem ouvi-la. Aqueles que não fazem o juramento do Buscador do Caminho não podem ouvir, tomar, guardar de memória, recitar e entender esta Lei. Isso é uma coisa impossível.

15-c)

– Além disso, Subhuti, todo o recanto em que for pregado este Sutra deverá ser venerado por todo o Universo, incluindo os mundos dos Devas, homens e Asuras. Deverá ser venerado com voltas dadas da esquerda para direita. Tal recanto será semelhante a um santuário.

16-a)

Entretanto, Subhuti, mesmo os moços e moças exemplares que aprenderem, reterem de memória, recitarem, entenderem este Sutra, meditarem sobejamente sobre ele e o ensinarem meticulosamente a outrem, poderão sofrer muitos vexames. Isso porque no passado eles terão cometido ações impuras que atraíram maus resultados em consequência. Entretanto, sofrendo eles vexames no presente, terão compensado as ações impuras praticadas no passado e obterão a Iluminação do Despertar.

16-b)

– Isso porque, Subhuti, eu me recordo muito bem: há eternidades passadas existiu um Tathagata, um Venerável, um Desperto, de nome Dipankara e antes dele um número infinito de Despertos. Eu os servi e respeitei incessantemente.

Subhuti, eu jamais deixei de servir e respeitar esses Veneráveis Despertos, mas se no segundo período de quinhentos anos, quando a Verdadeira Lei desaparecer, houver alguém que tome, guarde de memória, recite, entenda e ensine meticulosamente a outrem este Sutra, em verdade, Subhuti, as venturas por mim acumuladas não chegarão à centésima, à milésima, à milionésima, à bilionésima, à trilionésima, à quadrilionésimo parte das venturas acumuladas por essas pessoas. Elas escapam ao compto, à classificação, à exemplificação e à comparação.

16-c)

– Além disso, Subhuti, se eu ensinar a respeito da venturas acumuladas por esses moças e moças exemplares, ao ouvir sua explicação as pessoas perturbar-se-ão e desnortear-se-ão. Na verdade, Subhuti, o Tathagata ensinou que esta Lei é maravilhosa. Seus frutos também hão de ser maravilhosos.

17-a)

Então o Venerável Subhuti voltou-se para o Mestre e perguntou o seguinte:

– Mestre, aquele que segue a vida dos Buscadores do Caminho de que maneira deverá viver, agir e manter sua mente?

O Mestre respondeu:

– Subhuti, aquele que segue a via dos Buscadores do Caminho deve pensar da seguinte maneira:

“Eu preciso conduzir todos os seres viventes ao estado sem mácula da Paz Eterna. Entretanto, ainda que eu conduza todos os seres viventes à Paz Eterna, na verdade ninguém terá sido conduzido à Paz Eterna”.

Isso porque, Subhuti, caso um Buscador do Caminho tiver o pensamento “seres existentes”, ele não poderá ser considerado um Buscador do Caminho. Aquele que pensar em substância própria e em indivíduo, também não pode ser considerado um Buscador do Caminho.

Isso porque, Subhuti, não existe nada a que se possa chamar uma pessoa voltada para a via dos Buscadores do Caminho.

17-b)

– Subhuti, o que pensas? Haverá algum acontecimento semelhante ao fato do Tathagata ter obtido a Iluminação Suprema, junto ao Tathagata Dipankara?

Ao ser interrogado dessa maneira, o Venerável Subhuti voltou-se para o Mestre e respondeu:

– Mestre, de acordo com meu entendimento das palavras pronunciadas pelo Mestre, não há nenhum acontecimento semelhante ao fato do Tathagata ter obtido a Iluminação Suprema junto ao Venerável e Iluminado Tathagata Dipankara.

Ouvindo isso, o Mestre voltou-se para o Venerável Subhuti e disse:

– Tens razão, Subhuti, não há nenhum acontecimento semelhante ao fato do Tathagata ter obtido a Iluminação Suprema junto ao Venerável e Iluminado Tathagata Dipankara.

Subhuti, caso houvesse alguma Lei que o Tathagata pudesse discernir, o Tathagata Dipankara não poderia ter predito o seguinte a meu respeito:

“Jovem! No futuro tu serás um Tathagata, um Venerável, um Desperto de nome Sáquia-Muni”.

Entretanto, Subhuti, não existe nenhuma Lei discernida pelo Tathagata, pelo Venerável, pelo Desperto, como sendo a Iluminação Suprema. É por isso que o Tathagata Dipankara predisse a meu respeito:

“Jovem! No futuro, tu serás um Tathagata, um Venerável, um Desperto de nome Sáquia-Muni.”

17-c)

– Isso porque, Subhuti, Tathagata é um outro nome da Verdade Última. Subhuti, Tathagata é um outro nome da verdadeira natureza da existência, a saber: “nada nasce”. Subhuti, Tathagata é um outro nome da cessação do existir. Subhuti, Tathagata é um outro nome do que, em última análise, é o não-nascer. Isso porque, Subhuti, o fato de não haver nascimento é a Verdade Última.

17-d)

– Subhuti, se alguém disser: – “O Tathagata, o Venerável, o Desperto obteve a Suprema Iluminação” -, estará dizendo uma coisa errada.

Subhuti, ele estará falando mal de mim, por estar apegado a algo não verdadeiro. Isso porque, Subhuti, não há nada semelhante ao fato do Tathagata ter obtido a Suprema Iluminação. Além disso, Subhuti, a Lei discernida e indicada pelo Tathagata não contém nem verdade e nem mentira. Por isso, o Tathagata ensina que todas as Leis são as Leis do Desperto.

Isso porque, Subhuti, o Tathagata ensinou que todas as Leias na verdade não são Leis. É por isso que falamos em “todas as leis”.

17-e)

– É como se existisse um homem de corpo gigantesco, Subhuti.

O Venerável Subhuti disse:

– Mestre, o homem que o Tathagata disse ter um corpo gigantesco, na verdade, é um homem sem corpo, disse o Tathagata. É por isso que se fala em um corpo gigantesco.

17-f)

O Mestre disse:

– Tens razão, Subhuti. Se algum Buscador do Caminho disser: – “Eu conduzirei os seres viventes à Paz Eterna” -, ele não poderá ser considerado um Buscador do Caminho. Isso porque na verdade, Subhuti, haverá algo que possa ser considerado esse Buscador do Caminho?

Subhuti respondeu:

– Não, Mestre. Não há nada que possa ser considerado como sendo esse Buscador do Caminho.

O Mestre disse:

– Subhuti, o Tathagata disse que aquilo que é chamado de ser vivo não é ser vivo. É por isso que ele é chamado de ser vivo. É por isso que o Tathagata disse que nada tem um eu, nada vive, nada tem substância própria, nada tem individualidade.

17-g)

– Subhuti, caso algum Buscador do Caminho disser: – “Eu edificarei o País Búdico” – ele também não poderá ser considerado um Buscador do Caminho. Isso porque, Subhuti, o Tathagata disse que aquilo que é chamado de edificação do País Búdico não é edificação. É por isso que ela é chamada de edificação do País Búdico.

17-h)

– Subhuti, caso um Buscador do Caminho acreditar e compreender que as coisas não tem um “eu”, o Tathagata, o Venerável, o Desperto dirá que ele é um Buscador do Caminho, um grande homem.

18-a)

O Mestre perguntou:

– O que pensas, Subhuti, o Tathagata tem olhos materiais?

Subhuti respondeu:

– Sim, Mestre, o Tathagata tem olhos materiais.

– O que pensas, Subhuti, o Tathagata tem visão sobrenatural?

– Sim, Mestre, o Tathagata tem visão sobrenatural.

– O que pensas, Subhuti, o Tathagata tem o Olho da Sabedoria?

– Sim, Mestre, o Tathagata tem o Olho da Sabedoria.

– O que pensas, Subhuti, o Tathagata tem o Olho da Lei?

– Sim, Mestre, o Tathagata tem o Olho da Lei.

– O que pensas, Subhuti, o Tathagata tem o Olho do Desperto?

– Sim, Mestre, O Tathagata em o Olho do Desperto.

18-b)

O Mestre perguntou:

– O que pensas, Subhuti, o Tathagata ensinou quanta areia existe no Rio Ganges?

Subhuti respondeu:

– Sim, Mestre, sim, Bem-aventurado, o Tathagata ensinou a respeito dessa areia.

O Mestre perguntou:

– O que pensas, Subhuti? Se houver tantos rios Ganges quantos grãos de areia no Ganges e em cada grão de areia desses rios houver um universo, serão muitos esses universos?

Subhuti respondeu:

– Sim, Mestre, sim, Bem-aventurado, serão muitos.

O Mestre disse:

– Subhuti, eu conheço todos os fluxos das mentes dos seres vivos que habitam esses universos. Isso porque o Tathagata ensinou que o fluxo da mente não é fluxo. É por isso que ele é chamado fluxo da mente.

Isso porque, Subhuti, nem a mente do passado, nem a mente do presente e nem a mente do futuro podem ser aprendidas.

19)

O que pensas, Subhuti? Se uma moça ou um moço exemplar encher este universo com as sete espécies de preciosidades e ofertar tudo isso ao Tathagata, ao Venerável, ao Desperto, esse moço ou moça exemplar acumulará muitas venturas com isso?

Subhuti respondeu:

– Sim, Mestre, muitas! Sim, Bem-aventurado, muitas!

O Mestre disse:

– Tens razão, Subhuti, tens razão! Esse moço ou essa moça exemplar acumulará muitas venturas com isso.

Isso porque, Subhuti, o Tathagata ensinou que acumular venturas é não acumular. É por isso que se fala em acumular venturas. Subhuti, se existisse algo semelhante a acumular venturas, o Tathagata não falaria em acumular venturas.

20-a)

– O que pensas, Subhuti? O Tathagata deve ser visto como aquele que conseguiu um corpo perfeito?

Subhuti respondeu:

– Não, Mestre. O Tathagata não deve ser visto como aquele que conseguiu um corpo perfeito. Isso porque, Mestre, o Tathagata ensinou que ter conseguido um corpo perfeito é não o ter. É por isso que se diz ter conseguido um corpo perfeito.

20-b)

O Mestre perguntou:

– O que pensas, Subhuti? O Tathagata deve ser visto como aquele que tem caracterísitcas especiais?

Subhuti respondeu:

– Não, Mestre. O Tathagata não deve ser visto como aquele que tem características especiais. Isso porque, Mestre, o Tathagata disse que ter características especiais é não ter características especiais. É por isso que se fala em características especiais.

21-a)

O Mestre perguntou:

– O que pensas, Subhuti? O Tathagata pode pensar algo como “eu indiquei e ensinei a Lei”?

Subhuti respondeu:

– Não, Mestre, o Tathagata não pode pensar algo como “eu indiquei e ensinei a Lei”.

O Mestre disse:

– Subhuti! Se alguém ensinar que o Tathagata indicou e ensinou a Lei, estará ensinando um erro. Ele estará apegado a algo não verdadeiro, estará falando mal de mim. Isso porque, Subhuti, fala-se muito em indicação e ensino da Lei mas nada existe que possa ser reconhecido como tal.

21-b)

Ao ouvir isso, o Venerável Subhuti voltou-se para o Mestre e perguntou:

– Mestre, no futuro, quando no segundo período de quinhentos anos o ensinamento correto desaparecer, haverá alguém que ouça uma Lei como esta e confie nela?

O Mestre respondeu:

– Subhuti! Eles nem são seres vivos e nem deixam de ser seres vivos. Isso porque, Subhuti, o Tathagata ensinou que os chamados seres vivos não são seres vivos. É por isso que são chamados seres vivos.

22)

– Subhuti, o que pensas? Haverá algum fato como o do Tathagata ter obtido a Suprema Iluminação Correta?

O Venerável Subhuti respondeu:

– Não, Mestre. Não há nenhum fato como o do Tathagata ter obtido a Suprema Iluminação Correta.

O Mestre disse:

– Tens razão, Subhuti, tens razão. Não existe aí nem pode ser admitido nem mesmo algo como um grão de pó. É por isso que se fala em Suprema Iluminação Correta.

23)

– Além disso, Subhuti, essa Lei é equânime, nela não existindo a menor discriminação. É por isso que ela é chamada a Suprema Iluminação Correta. Essa Suprema Iluminação Correta é equânime e pode ser discernida através de todas as boas Leis, graças ao fato de não ter eu, de não ter algo vivo, de não ter substância própria, de não ter individualidade. Isso porque o Tathagata ensinou que as chamadas boas Leis não são Leis. É por isso que são chamadas Leis.

24)

– Além disso, Subhuti, em verdade, mesmo que um homem ou mulher ajuntasse neste imenso universo porções das sete espécies de preciosidades tão grandes quanto o Monte Sumeru, o rei das montanhas, e ofertasse tudo isso ao Tathagata, ao Venerável, ao Desperto, seus méritos não seriam nem a centésima parte, nem poderiam ser comparados ao do moço ou moça exemplar que extraísse desta Lei da Perfeição da Sabedoria um simples verso e o pregasse a outrem.

25)

– O que achas, Subhuti? O Tathagata poderia pensar que salvou todos os seres viventes? Subhuti, em verdade não podemos pensar desta forma. Isso porque, Subhuti, não existe nenhum ser vivo que possa ter sido salvo pelo Tathagata. Além disso, Subhuti, se houvesse algum ser vivo que pudesse ter sido salvo pelo Tathagata, ainda existiria nele o apego ao eu, aos seres vivos, à substância própria, ao indivíduo. Entretanto, as pessoas ignorantes se apegam a essas coisas. Subhuti, o Tathagata disse que as pessoas ignorantes não são pessoas ignorantes. Por isso são chamadas pessoas ignorantes.

26)

– Subhuti, o que pensas? O Tathagata deve ser visto como um possuidor de características especiais?

Subhuti respondeu:

– Não, Mestre. De acordo com o que eu entendi das palavras pronunciadas pelo Mestre, não podemos considerar o Tathagata como um possuidor de características especiais.

O Mestre disse:

– Tens razão, Subhuti. Falaste certo, Subhuti. O Tathagata não pode ser considerado possuidor de características especiais. Se pudéssemos considerar o Tathagata possuidor de características especiais, o Chakravartin6 também seria um Tathagata. Por isso, não podemos considerar o Tathagata possuidor de características especiais.

O Venerável Subhuti disse o seguinte ao Mestre:

– Mestre, de acordo com a reflexão que fiz sobre o significado de vossas palavras, não se deve considerar o Tathagata possuidor de características especiais.

Então o Mestre recitou o seguinte poema:

Aquele que me vê através da forma,

Aquele que me busca através do som,

Aquele que se esforça erradamente,

Nenhum deles, em verdade, me vê.

Os iluminados devem ser vistos através da Lei,

Pois a Lei é o corpo dos Mestres,

E a essência da Lei é incognoscível.

Ninguém a saberá, por mais que o tente.

27)

– Subhuti, o que pensas? O Tathagata alcançou a Iluminação Suprema por ser dotado de características especiais? Em verdade, Subhuti, não deves ver as coisas dessa maneira. Isso porque, Subhuti, de modo nenhum o Tathagata terá alcançado a Suprema Iluminação por ser dotado de características especiais. Além disso, Subhuti, certas pessoas poderão dizer que naqueles que seguem a Via dos Buscadores do Caminho cessam e são destruídas certas leis. Entretanto, Subhuti, não se devem ver as coisas desse modo. Isso porque, naqueles que seguem a Via dos Buscadores do Caminho, nada cessa, nada é destruído.

28)

– Além disso, Subhuti, suponhamos que um moço ou moça exemplar encha tantos mundos quantos são os grãos de areia do Ganges com as sete espécies de preciosidades e oferte tudo isso ao Tathagata, ao Venerável, ao Desperto. Por outro lado, um Buscador do Caminho consegue compreender que a Lei é destituída de um eu e não está sujeita ao nascimento. Este terá alcançado muito maior número de imensuráveis e incontáveis méritos do que o primeiro. Mas na verdade, Subhuti, o Buscador do Caminho, o grande homem, não pode tomar para si os méritos acumulados.

Subhuti perguntou ao Mestre:

Mestre, o Buscador do Caminho não deve tomar para si os méritos acumulados?

O Mestre respondeu:

Subhuti, devem ser tomados para si, mas não devem ser objeto de apego. É por isso que dizemos que devem ser tomados para si.

29)

– Além disso, Subhuti, se alguém disser que o Tathagata vai, vem, permanece, senta-se ou se deita, ele não terá compreendido o sentido das palavras que pronunciei, Subhuti. Isso porque, Subhuti, o chamado Tathagata não vai a parte alguma e não vem de nenhum lugar. É por isso que ele é chamado o Tathagata, o Venerável, o Desperto.

30)

– Além disso, Subhuti, se porventura um moço ou moça exemplar, através de incontáveis esforços, reduzir a um pó comparável a aglomerados de átomos um número tão grande de mundos quanto o existente neste imenso Universo, o que pensas, Subhuti? Será elevado o número desses aglomerados de átomos?

Subhuti respondeu:

– Sim, Mestre, sim. Bem-aventurado. Muitos serão esses aglomerados de átomos. Isso porque, Mestre, caso os aglomerados de átomos tivessem existência real, o Mestre não teria falado em aglomerados de átomos. Isso porque, Mestre, o Tathagata ensinou que os aglomerados de átomos mencionados pelo Tathagata não são aglomerados. É por isso que são chamados de aglomerados de átomos.

Além disso, o Tathagata ensinou que o Universo Infinito mencionado pelo Tathagata não é Universo. É por isso que ele é chamado Universo. Isso porque, Mestre, se existisse o Universo, haveria apego à Unidade Total. Além disso, o Tathagata disse que o apego à Unidade Total mencionado pelo Tathagata não é apego. É por isso que ele é chamado apego à Unidade Total.

O Mestre disse:

– Subhuti! O apego à Unidade Total é algo inexpressável, intraduzível em palavras. Não é uma coisa e nem deixa de ser uma coisa. É algo a que se apegam as pessoas ignorantes.

31-a)

– Isso porque, Subhuti, suponhamos que alguém disse: – “O Tathagata ensinou que a compreensão do eu, a compreensão dos seres vivos, a compreensão da substância, a compreensão do indivíduo”. Subhuti, ele terá ensinado corretamente?

Subhuti respondeu:

– Não, Mestre, não, Bem-aventurado. Ele não terá ensinado corretamente. Isso porque, Mestre, o Tathagata ensinou que a compreensão do eu mencionado pelo Tathagata não é compreensão. É por isso que se fala em compreensão do eu.

31-b)

O Mestre disse:

– Subhuti! Tens razão! Aquele que segue a via dos Buscadores do Caminho precisa saber, ver e compreender todas as coisas. Além disso, precisa saber, ver e compreender até o ponto de jamais cessar de existir a ideia de coisa. Isso porque, Subhuti, o Tathagata ensina que a ideia de coisa não é ideia. É por isso que ela é chamada ideia de coisa.

32)

– Além disso, Subhuti, suponhamos que um Buscador da Verdade, um grande homem tenha enchido um número incalculável de mundos com as sete espécies de preciosidades e ofertado tudo isso aos Tathagatas, aos Veneráveis, aos Iluminados, e que por outro lado, um moço ou moça exemplar tenha extraído desta Lei da Perfeição da Sabedoria um simples verso e o tenha tomado, retido e memória, recitado, compreendido e ensinado meticulosamente a outrem. Este último terá conseguido acumular um número maior de inumeráveis, incalculáveis méritos do que o primeiro.

Mas como ensiná-la? Basta fazer de modo a não ensiná-la. É por isso que se fala em ensiná-la.

O mundo dos fenômenos

É semelhante às estrelas, a uma sombra, a uma chuva,

A uma miragem, aos orvalho, à espuma,

A um sonho, ao relâmpago,àa uma nuvem.

Vede dessa forma todas as coisas.

Assim falou o Mestre. O Venerável Subhuti alegrou-se bastante e os habitantes do mundo inteiro, monges, monjas, fiéis leigos de ambos os sexos, Devas, Asuras, Gandharvas louvaram as palavras proferidas pelo Mestre.

Aqui termina a Sagrada e Venerável Perfeição da Sabedoria, semelhante ao Diamante que corta todas as coisas.

1O mesmo que Buda. Porém é importante entender o que é dito no trecho 17) c

2Por volta do século XV.
3A Parábola da Jangada diz que: para atravessar de uma margem do rio para outra, devemos utilizar uma jangada. Mas depois de termos atravessado para a outra margem, não precisamos levar a jangada nas costas – pois ela não é mais necessária daí para frente.
4Anjos.
5Seres de alta hierarquia espiritual, por vezes apontados na tradição como sendo maus.

6Ser que, tendo as mesmas características que o Buda, governaria o mundo todo.