No famoso livro de Simone de Bevoir, A Velhice, percebemos que evitamos falar sobre o processo de envelhecimento, assim como evitamos falar sobre a morte. Evidente que todos sabem que ninguém está ficando mais novo e que, inevitavelmente, não importa o que façamos, chegará um dia que será o último dia.
Diante da morte as coisas tomam uma outra proporção. O que valorizamos e damos a maior importância no cotidiano, perde totalmente o sentido; enquanto que outros aspectos desconsiderados e deixados de lado aparecem como fundamentais.
Quando vemos na filosofia que a filosofia é a preparação para a morte, é porque o sentido da mesma, com sua busca incessante pela verdade, também é uma busca pela justiça. Como não sou filósofo, me sinto despreparado para discorrer em detalhes sobre a filosofia. Mas de tudo o que aprendi, um conceito platônico me marcou. Está na República (Πολιτεία) – justiça é fazer o que cabe a cada um.
Justiça é fazer o que cabe a cada um
Isto significa que, em sociedade, na cidade, cada um deve fazer o que lhe compete. Se eu não tenho competência para uma determinada atividade, não me compete fazê-la. Ao compreender que cada profissão tem o seu lugar e a sua importância, devemos entender também que, em virtude das diferenças individuais, não existe um caminho profissional, um caminho de vida, que valha para todos.
Por isso é extremamente furada a ideia de profissões da moda. Profissões que tem futuro. Profissões que terão mercado daqui a 5, 10 anos. Assim como seguir a determinação paterna ou familiar de ir para este ou aquele curso ou percurso.
Uma frase famosa de Jung ilustra o que estou querendo dizer: “The shoe that fits one person pinches another; there is no recipe for living that suits all cases”. Em português: “O sapato que cabe em uma pessoa fica apertado para outra; não existe receita para vida que caiba em todos os casos”.
A incompreensão destes fatores acaba levando a decisões equivocadas. E talvez a pior sensação do mundo seja olhar para trás, no dia ou momento de sua própria morte, e ver que se teve uma vida não vivida. Quer dizer, houve vida, mas não a vida verdadeira, a vida que lhe competia, a vida justa (no sentido de Platão).
E por este viés, acabamos vendo que muitas e muitas pessoas não estão levando uma vida justa. Estão fazendo o que não deveriam estar fazendo. E isto não é um julgamento de valor. É simplesmente uma constatação de que estão empregadas em empregos que não lhe cabem.
Por exemplo, uma garçonete muito simpática mas que não tem concentração alguma para anotar um pedido e traz o pedido errado 4 vezes está no lugar errado. E não é preciso ser psicólogo e ter feito mais de 1000 entrevistas de emprego para fazer esta avaliação.
E isso também acontece com cargos mais complexos ou que exigem uma formação dita superior. Estes dias ouvi o exemplo de um médico psiquiatra que avaliava os seus pacientes com um pergunta insólita: “Olhe para a minha mesa e diga se ela está organizada ou não”. A resposta do paciente não importava. Todos eram diagnosticados com transtorno obsessivo-compulsivo.
Isso mostra que este sujeito esteve 10 anos sentado em uma cadeira errada. E, para o malefício de talvez milhares de pessoas, continuará seguindo um caminho injusto (no sentido platônico novamente) porque será como um médico-mendigo. Um pobre coitado que passará a vida inteira fazendo o que não deveria fazer, o que não sabe fazer, o que não lhe compete.
Para concluir a nossa breve reflexão de hoje, gostaria de citar um pensamento do ex-presidente uruguaio, Mujica. O pensamento era mais ou menos assim: “Não há problema em querer ganhar dinheiro. Mas não se deve ganhar dinheiro com política. A política é para servir o povo. Para ganhar dinheiro, existe o comércio, a indústria”.
Conclusão
Começamos falando sobre o processo de envelhecimento – recomendo o livro da Bevoir – e da inevitabilidade da morte. Dizem que qualquer um se torna santo depois que morre. Não é verdade. Mas o que foi feito de bom, de justo e de verdadeiro fica como exemplo para aqueles que aqui continuam.
Se todos fizessem apenas e tão somente o que lhes compete (pensamos especialmente na parte profissional), teremos uma sociedade muito mais harmônica, pacífica e feliz. Pois viver uma vida injusta, uma vida que não lhe cabe, é sofrimento certo e inútil, além de um grande desperdício para a sociedade que está perdendo alguém bom em uma outra área.
In Memoriam: Marcos, que viveu uma vida justa
Muito bom o texto!
Felipe, você tem algum texto ou indicação de livro que fale do amor na visão de Jung?
Obrigada!
Olá Livia,
Sim! Existe um livro muito interessante chamado We.
Atenciosamente,
Felipe de Souza
– Professor Felipe, você saberia me dizer se existe um site como seu mas que trate de Filosofia?
Obrigada pela atenção.
Olá Maria!
Infelizmente não conheço.
Mas temos aqui no site também diversos textos de filosofia (de amigos filósofos) e que são excelentes:
https://psicologiamsn20220322.mystagingwebsite.com/?s=filosofia