Olá amigos!

Muitos leitores estão me pedindo já há um tempo que escrevesse sobre o Transtorno Bipolar. Sinceramente, eu não partilho deste modo de compreender a psique e suas manifestações, quer dizer, quando nós fazemos uma classificação dos sintomas psíquicos e damos um rótulo, nós podemos estar tentando entender um grupo de pessoas que possuem sofrimentos parecidos, mas também é possível que esta ordenação não seja clara ou, pior, sirva a interesses escusos de uma indústria que deseja medicar (e criar pacientes para a vida toda), quando isto não é necessário.

Por exemplo, o diagnóstico de transtorno bipolar não era feito com frequência antes de 2000. Um parente próximo à mim foi diagnosticado como psicótico maníaco depressivo. É um nome forte, pois psicose é sinônimo de loucura, e ainda coloca duas sub-classificações, a mania e a depressão. Logo por volta do ano 2000, este mesmo parente recebeu o diagnóstico reformulado, recauchutado, repaginado: agora ele tinha transtorno bipolar e, melhor, novas drogas que visavam tratar a mais nova doença criada.

O que nós temos que entender, sempre que vamos estudar psicopatologia, é que toda doença mental é inventada.

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E porque nós podemos dizer, com tranquilidade, que toda e qualquer doença mental é uma criação, uma invenção? Porque é apenas uma forma de ordenar os sintomas e dar um nome para este ordenamento. Com isso, nós vemos frequentemente novas doenças mentais, que não são novos sintomas, são apenas novas classificações para problemas psíquicos que, no fundo, sempre existiram.

Quer dizer, o meu parente teve o diagnóstico de psicose maníaca depressiva, uma classificação feita pelo psiquiatra Kraepelin no início do século XX. E hoje, a mesma pessoa tem o diagnóstico de bipolaridade. Um outro psiquiatra o diagnosticou como esquizofrênico. Em resumo: em muitos casos não é o caso da pessoa que muda, mas é o psiquiatra (que adora colocar estes rótulos nas pessoas) que muda de diagnóstico com o tempo ou, então, psiquiatras diferentes darão rótulos diferentes, e, muito convenientemente, medicamentos diferentes, e o mais comum é que deem uma amostra grátis de um medicamento recém lançado, pouco testado, e que é o mais caro, dizendo que é o melhor que já foi criado.

Por isso, é sempre importante saber esta dimensão epistemológica (da criação de uma nova classificação de doença mental), bem como saber os interesses que estão por trás desta criação. Pois a psiquiatria não é como a medicina. Primeiro, ela não possui testes laboratoriais que indiquem a necessidade do remédio X ou Y. Todo o diagnóstico e tratamento é feito tendo por base o comportamento e, frequentemente, não é nem o paciente que relata mas pessoas próximas, ou seja, estas pessoas podem não ter clareza também sobre o que está acontecendo com o paciente. Segundo, muitos diagnósticos são feitos em dez minutos, meia hora, o que é um absurdo.

Na psicanálise e na psicologia clínica, em geral, são feitas diversas entrevistas clínicas, com o paciente, antes de se fechar um diagnóstico. E, independe da abordagem, há todo um cuidado de não rotular o paciente como se ele fosse a síndrome tal ou o doente mental com o transtorno X, como se ele fosse um transtornado. Pois, no final das contas, o diagnóstico, na área psi, é útil apenas para o profissional. Para o paciente, um diagnóstico servirá apenas como um rótulo, um crachá, uma referência que na maioria das vezes será utilizado para se fechar ou para ter desculpas para não fazer as coisas ou para dizer “como eu sou um pobre coitado” e se vitimizar.

O que é muito importante ficar claro é que há a individualidade. Nenhuma pessoa é igual à outra e, portanto, nenhuma pessoa tem a sua individualidade descrita em um livro, não é mesmo? Por isso, todo o tratamento tem que ser individualizado e, para ajudar no processo de individuação, qualquer diagnóstico acaba sendo falho, por captar o geral e não o específico, por ser uma abstração que não dará conta da realidade vivida.

Pois bem, dito tudo isso, vamos falar sobre o Transtorno Bipolar como está sendo estudado no DSM-V. Para quem não sabe o DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de Doenças Mentais) é um livro de referência para a psiquiatria e, em certo sentido, para algumas psicologias. Quando eu estava na faculdade de psicologia, nós estudávamos o DSM-IV. Recentemente, foi lançado o DSM-V e o objetivo deste texto, então, é mostrar o que há de novo na ideia de bipolaridade neste livro fonte.

Vamos ver os critérios no DSM-IV e as modificações, em seguida, no DSM-V

Transtorno Bipolar no DSM-IV

No DSM-IV tínhamos:

Critérios Diagnósticos para F30.x – 296.0x para Transtorno Bipolar I, Episódio Maníaco Único
A. Presença de apenas um Episódio Maníaco e ausência de qualquer Episódio Depressivo Maior no passado.
Nota: A recorrência é definida como uma mudança na polaridade a partir da depressão ou um intervalo de pelo menos 2 meses sem sintomas maníacos.
B. O Episódio Maníaco não é melhor explicado por Transtorno Esquizoafetivo nem está sobreposto a Esquizofrenia, Transtorno Esquizofreniforme, Transtorno Delirante ou Transtorno Psicótico Sem Outra Especificação.
Especificar se:
Misto: se os sintomas satisfazem os critérios para um Episódio Misto
Especificar (para episódio atual ou mais recente):
Especificadores de Gravidade/Psicótico/de Remissão.
Com Características Catatônicas.
Com Início no Pós-Parto

 

Critérios Diagnósticos para F31.0 – 296.40 Transtorno Bipolar I, Episódio Mais Recente Hipomaníaco
A. Atualmente (ou mais recentemente) em um Episódio Hipomaníaco
B. Houve, anteriormente, pelo menos um Episódio Maníaco ou Episódio Misto
C. Os sintomas de humor causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo.
D. Os episódios de humor nos Critérios A e B não são melhor explicados por Transtorno Esquizoafetivo nem estão sobrepostos a Esquizofrenia, Transtorno Esquizofreniforme, Transtorno Delirante ou Transtorno Psicótico Sem Outra Especificação.
Especificar:
Especificadores de Curso Longitudinal (Com ou Sem Recuperação Entre Episódios).
Com Padrão Sazonal (aplica-se apenas ao padrão de Episódios Depressivos Maiores).
Com Ciclagem Rápida

 

Critérios Diagnósticos para F31.x – 296.4x Transtorno Bipolar I, Episódio Mais Recente Maníaco
A. Atualmente (ou mais recentemente) em Episódio Maníaco
B. Houve, anteriormente, pelo menos um Episódio Depressivo Maior, Episódio Maníaco ou Episódio Misto
C. Os episódios de humor nos Critérios A e B não são melhor explicados por Transtorno Esquizoafetivo nem estão sobrepostos a Esquizofrenia, Transtorno Esquizofreniforme, Transtorno Delirante ou Transtorno Psicótico Sem Outra Especificação.
Especificar (para episódio atual ou mais recente):
Especificadores de Gravidade/Psicótico/de Remissão.
Com Características Catatônicas.
Com Início no Pós-Parto
Especificar:
Especificadores de Curso Longitudinal (Com ou Sem Recuperação Entre Episódios).
Com Padrão Sazonal (aplica-se apenas ao padrão de Episódios Depressivos Maiores).
Com Ciclagem Rápida

 

Critérios Diagnósticos para F31.6 – 296.6x Transtorno Bipolar I, Episódio Mais Recente Misto
A. Atualmente (ou mais recentemente) em um Episódio Misto
B. Houve, anteriormente, pelo menos um Episódio Depressivo Maior, Episódio Maníaco ou Episódio Misto
C. Os episódios de humor nos Critérios A e B não são melhor explicados por Transtorno Esquizoafetivo nem estão sobrepostos a Esquizofrenia, Transtorno Esquizofreniforme, Transtorno Delirante ou Transtorno Psicótico Sem Outra Especificação.
Especificar (para episódio atual ou mais recente):
Especificadores de Gravidade/Psicótico/de Remissão.
Com Características Catatônicas.
Com Início no Pós-Parto
Especificar:
Especificadores de Curso Longitudinal (Com ou Sem Recuperação Entre Episódios).
Com Padrão Sazonal (aplica-se apenas ao padrão de Episódios Depressivos Maiores).
Com Ciclagem Rápida

 

Critérios Diagnósticos para F31.x – 296.5x Transtorno Bipolar I, Episódio Mais Recente Depressivo
A. Atualmente (ou mais recentemente) em um Episódio Depressivo Maior
B. Houve, anteriormente, pelo menos um Episódio Maníaco ou Episódio Misto
C. Os episódios de humor nos Critérios A e B não são melhor explicados por Transtorno Esquizoafetivo nem estão sobrepostos a Esquizofrenia, Transtorno Esquizofreniforme, Transtorno Delirante ou Transtorno Psicótico Sem Outra Especificação.
Especificar (para episódio atual ou mais recente):
Especificadores de Gravidade/Psicótico/de Remissão.
Crônico.
Com Características Catatônicas.
Com Características Melancólicas.
Com Características Atípicas.
Com Início no Pós-Parto.
Especificar:
Especificadores de Curso Longitudinal (Com ou Sem Recuperação Entre Episódios).
Com Padrão Sazonal (aplica-se apenas ao padrão de Episódios Depressivos Maiores).
Com Ciclagem Rápida.

 

Critérios Diagnósticos para F31.9 – 296.7 Transtorno Bipolar I, Episódio Inespecificado
A. Os critérios, exceto pela duração, são atualmente (ou foram mais recentemente) satisfeitos para um Episódio Maníaco, Episódio Hipomaníaco, Episódio Misto ou Episódio Depressivo Maior.
B. Houve, anteriormente, pelo menos um Episódio Maníaco ou Episódio Misto.
C. Os sintomas de humor causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou outras áreas importantes da vida do indivíduo.
D. Os sintomas de humor nos Critérios A e B não são melhor explicados por um Transtorno Esquizoafetivo nem estão sobrepostos a Esquizofrenia, Transtorno Esquizofreniforme, Transtorno Delirante ou Transtorno Psicótico Sem Outra Especificação.
E. Os sintomas de humor nos Critérios A e B não se devem aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (por ex., droga de abuso, medicamento ou outro tratamento), ou de uma condição médica geral (por ex., hipertiroidismo).
Especificar:
Especificadores de Curso Longitudinal (Com ou Sem Recuperação Entre Episódios).
Com Padrão Sazonal (aplica-se apenas ao padrão de Episódios Depressivos Maiores).
Com Ciclagem Rápida.

E havia também o chamado Bipolar II

Critérios Diagnósticos para F31.8 – 296.89 Transtorno Bipolar II
A. Presença (ou história) de um ou mais Episódios Depressivos Maiores
B. Presença (ou história) de pelo menos um Episódio Hipomaníaco
C. Jamais houve um Episódio Maníaco ou um Episódio Misto
D. Os sintomas de humor nos Critérios A e B não são melhor explicados por Transtorno Esquizoafetivo nem estão sobrepostos a Esquizofrenia, Transtorno Esquizofreniforme, Transtorno Delirante ou Transtorno Psicótico Sem Outra Especificação.
E. Os sintomas causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo.
Especificar episódio atual ou mais recente:
Hipomaníaco: se atualmente (ou mais recentemente) em um Episódio Hipomaníaco.
Depressivo: se atualmente (ou mais recentemente) em um Episódio Depressivo Maior
Especificar (para Episódio Depressivo Maior atual ou mais recente apenas se este for o tipo mais recente de episódio de humor):
Especificadores de Gravidade/Psicótico/de Remissão
Nota: Os códigos do quinto dígito especificados em Critérios para Especificadores de Gravidade / Psicótico / de Remissão para Episódio Depressivo Maior atual não podem ser usados aqui, pois o código para o Transtorno Bipolar II já usa o quinto dígito.
Crônico.
Com Características Catatônicas.
Com Características Melancólicas.
Com Características Atípicas.
Com Início no Pós-Parto
Especificar:
Especificadores de Curso Longitudinal (Com ou Sem Recuperação Entre Episódios).
Com Padrão Sazonal (aplica-se apenas ao padrão de Episódios Depressivos Maiores).
Com Ciclagem Rápida

O Transtorno Bipolar no DSM-V

Uma grande novidade (não tão novidade assim para quem conhece o pensamento por trás do DSM) do livro é contar mais doenças e mais sub-doenças. O que está por trás é a ideia de que uma maior descrição daria conta da realidade. Enfim, sem querer discutir isso, o que notamos no DSM-V é que mais doenças e mais sub-divisões nas doenças foram criadas. Para o transtorno bipolar não foi diferente.

Segundo o Jornal Internacional de Bipolaridade:

“As principais linhas de definição do DSM-V de episódios de depressão, que são relacionados ao diagnóstico de transtorno bipolar I e bipolar II são parecidos com os do DSM-IV: a presença de cinco dos nove sintomas diagnósticos com o mínimo de duração de duas semanas e uma mudança na vida prévia do paciente. Entretanto, agora é possível especificar tanto os transtornos depressivos como os transtornos bipolares com características misturadas.

De modo que no DSM-V tanto as definições de episódios de mania e hipomania foram radicalmente revisados, o que vai impactar nos dois diagnósticos de bipolaridade. As principais mudanças foram: 1) a problemática concernindo às questões centrais (critério A);  2) uma bem vinda redução do número de critérios de exclusão; 3) um vigoroso esforço de operacionalizar os sintomas específicos do transtorno bipolar, antes indistinguível nas definições de Transtorno Bipolar sem outra especificação”.

Com isso houve uma modificação no critério de inclusão e de exclusão.

Critérios de inclusão – Questões principais para a mania e depressão

O DSM-IV dizia que para se fazer o diagnóstico de bipolaridade, através do critério A, deveriam estar presentes dois ou mais sintomas de humor (euforia ou irritação). Agora, no DSM-V, “a mudança de humor deve ser acompanhada por aumento persistente da atividade ou nível de energia”. Esta novidade acaba excluindo indivíduos que tinham sido diagnosticados tendo apenas ou um dos três sintomas para o critério A e também exclui aqueles com os dois tipos de sintoma, o sintoma de irritação e o sintoma de euforia.

O próprio Jornal Internacional de Bipolaridade diz o seguinte: “Assim, por nenhum razão aparente, o DSM-V classifica alguns pacientes que tinham sido diagnosticados com episódios maniacos de transtorno bipolar I ou II como transtorno bipolar sublimiar. Esta regra não é baseada em dados, de fato, ela contradiz as evidências disponíveis”. O que este Jornal critica é que qualquer um dos três critérios (do critério A) deveriam ser válidos por si só, segundo o critério que foi estabelecido por Robins e Guze (1970) e Agnst et al (2012).

Critérios de exclusão

Uma mudança considerada relevante para os psiquiatras que utilizam o DSM diz respeito ao transtorno bipolar II. Neste novo livro, a mudança do transtorno depressivo maior em hipomania sob tratamento antidepressivo acabou se tornando um importante princípio de exclusão. Ou seja, o tratamento para depressão passa a ser uma nova doença e retira do rótulo de bipolar II aqueles que estão fazendo tratamentos medicamentosos com antidepressivos.

Outra modificação consiste na melhor definição sobre as causas do transtorno bipolar. Se determinados pacientes, em tratamento para a depressão, foram excluídos do transtorno bipolar, outros pacientes, fazendo uso de outros remédios, podem agora ser classificados como bipolares por indução de substâncias.

Estudos indicam que o transtorno bipolar II será a partir da agora diagnosticado duas vezes mais do que fora anteriormente, tendo uma prevalência aproximada do transtorno bipolar I. Este aumento seria justificado pelo fato de que a condição branda do transtorno é mais prevalente do que a condição severa ou grave, pois no longo prazo da doença, os pacientes bipolares passam mais tempo em condições brandas, especialmente depressivas, do que em sintomas mais severos (sejam depressivos ou maníacos).

E, finalmente, dois critérios de exclusão estão presentes no DSM-V: “bipolaridade causada por indução de substância ou medicamento” e “bipolaridade devido a outras condições médicas”.

Fonte: Jornal Internacional de Transtorno Bipolar. Site, em inglês, acessado em 02/2014.

Psicólogo Clínico e Online (CRP 06/145929), formado há 16 anos, Mestre (UFSJ) e Doutor (UFJF), Instrutor de Mindfulness pela Unifesp. Como Professor no site Psicologia MSN venho ministrando dezenas de Cursos de Psicologia, através de textos e Vídeos em HD. Faça como centenas de alunos e aprenda psicologia através de Cursos em Vídeo e Ebooks! Loja de Vídeos e Ebooks. Você pode também agendar uma Sessão Online, Terapia Cognitivo Comportamental, Problemas de Relacionamentos, Orientação Profissional e Coaching de Carreira , fazer o Programa de 8 Semanas de Mindfulness Online. E não se esqueça de se inscrever em nosso Canal no Youtube! - no TikTok -, e Instagram! Email - psicologiamsn@gmail.com - Agendar - Whatsapp (11) 9 8415-6913