Segundo Tanamachi e Meira (2003), para elaborar uma intervenção numa instituição escolar é preciso antes pensar o objetivo e as possibilidades do psicólogo na escola e então fazer uma análise crítica e um planejamento das ações e dos procedimentos que serão realizados nessa instituição.

Para elas, o objetivo do psicólogo deve ser o de assumir o compromisso com as questões da escola, de ser mediador no processo de elaboração das condições necessárias para a superação da queixa escolar e para o desenvolvimento da educação. A atuação do psicólogo deve visar uma multiplicidade de ações e permitir a participação de todos no processo de transformação da realidade, mas, suas potencialidades são sempre de mediação, pois a superação dos problemas depende da ação comprometida e consciente de todos os envolvidos. Não cabe, pois, ao psicólogo, resolver problemas e sim mediar a investigação, a compreensão e a superação dos obstáculos.

Elas defendem que o objeto do psicólogo em uma instituição de ensino é o encontro entre os sujeitos e a educação, e a finalidade de seu trabalho deve ser a de contribuir para a construção de um processo educacional que seja capaz de socializar o conhecimento historicamente acumulado e contribuir para formação ética e política dos sujeitos. Defendem também que o psicólogo deve contribuir para o desvelamento ideológico e combater as explicações psicologizantes que buscam re-situar os problemas educacionais como problemas dos próprios alunos.

Norteados por estes referenciais, o psicólogo poderá então analisar e realizar a proposta de intervenção. Como mediador, deverá criar espaços de reflexão e discussão dos problemas vividos pela escola, principalmente trazendo para a reflexão a história da escola, os objetivos da educação e as possibilidades de desenvolvimento e realização que a escola oferece. O psicólogo deve envolver a todos porque é a partir dos próprios sujeitos envolvidos que acontecerá qualquer mudança. O psicólogo poderá utilizar várias estratégias para isso. Desafiar as pessoas envolvidas com temas e situações geradoras de possibilidades melhores de trabalho, envolvendo alunos, pais, professores, direção e demais funcionários.

Enfim, o psicólogo deve intervir de maneira a mediatizar as relações na escola, relações dos indivíduos entre si, dos indivíduos com o conhecimento, com a educação e com a sociedade. Deve articular projetos coletivos que viabilizem processos de efetiva participação dos sujeitos na educação, dentro e fora da escola.

Uma análise institucional de uma instituição educacional pode ser feita a partir de José Augusto Guilhon e Maria Helena Souza Patto. Guilhon distingue pelo menos três elementos que estruturam a prática institucional, o objeto institucional, o âmbito de ação institucional e os atores institucionais. Dentre os diversos elementos que estruturam a prática institucional, a prática dos atores completos é a que dá existência prática institucional

Podemos pensar então no que Patto (1984) coloca sobre a relação da escola com a ideologia dominante ao cumprir a função de assegurar a reprodução das relações de produção, sendo instrumento tanto para assegurar essa ideologia quanto para aumentar a produtividade na sociedade capitalista, distribuindo os indivíduos pelos vários tipos de atividades produtivas e conseqüentemente pelas classes sociais.

O pensamento educacional brasileiro tem raízes profundas no liberalismo, doutrina que defende o livre desenvolvimento dos interesses individuais. O liberalismo é justificado pela crença na igualdade de oportunidades entre os homens e assegurado pelo Estado que assumiria a educação e garantiria a todos o direito à instrução. Através de projetos de instrução pública, que tinham como pressuposto básico a crença nessa igualdade de oportunidades, os ideais liberais passaram aos planos educacionais, definido assim o papel que a escola desempenharia na sociedade de classes.

No pensamento liberal, já que a educação é a grande igualadora das condições entre os homens, a ascensão social depende única e exclusivamente das capacidades individuais, e na pode haver igualdade social entre os homens porque não existe essa igualdade ao nível individual.

Chega-se a uma importante questão: como este pensamento se sustenta e se justifica na realidade?

Pensamento marxista denuncia que esta igualdade de oportunidades nunca foi e nunca será atingida e que a disseminação da crença nessa possibilidade, numa sociedade de classes, é fundamental à manutenção do sistema e aos interesses dos grupos e da classe dominante. Neste contexto, a “indisciplina”, “desordem”, e os conflitos sociais, longe de serem sintomas de desorganização, crise ou anomia, são expressões de algo inerente ao sistema: a presença de contradições.

De acordo com Patto (1948), para subtrair o problema das relações sociais (num regime social liberal) e, neste sentido, também da escola, o problema foi colocado para todos os efeitos na criança. Foi colocado na dimensão do sujeito do conhecimento, na dimensão da saúde do sujeito e tudo isso legitimado pela psicologia.

As falas dos profissionais que trabalham em escolas com relação aos problemas dos alunos geralmente mostram que realmente o problema é colocado no aluno, que tem dificuldades de aprendizagem, indisciplina, ou até mesmo distúrbios psicomotores. Segundo Patto (1987) a produção de diagnósticos apareceria por não se dar conta do que está falhando.

Patto (1987), utilizando-se da obra de Basaglia (1973, 1979), traz o que esse autor coloca a respeito do hospital psiquiátrico para a instituição escolar. Basaglia (1973), conclui que a simples introdução de novas técnicas na instituição pode ser nociva, já que acaba por funcionar como uma simples camuflagem dos reais problemas. Na escola a prática tão freqüente de introduzir técnicas para recuperação de alunos com “dificuldades de aprendizagem” ou teste que confirmam ser o aluno portador de deficiência, por exemplo, só confirma a versão inicial de que os problemas estão no aluno.

A psicologia escolar está presente neste processo, pelo menos de duas maneiras: confirmando através dos uso de testes e de outros instrumentos de avaliação psicológica, a incapacidade do aluno e, em sua versão mais recente, valendo-se de técnicas de manipulação da aprendizagem, da motivação e do comportamento para aumentar a eficiência do ensino. A psicologia, ao lado de outros aparatos ideológicos, atua assim perpetuando enganos e contribuindo para manutenção da ordem social existente.

Referências bibliográficas

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