Segundo pesquisas, o suicídio está mais fortemente correlacionado à ausência de esperança do que à depressão.
Olá amigos!
Existe uma confusão muito comum, mesmo entre profissionais da área da saúde, que reúne o suicídio com depressão. Neste texto, procuraremos mostrar que a depressão não necessariamente se relaciona com o suicídio ou tentativa de suicídio. Veremos a definição da psicologia cognitivo-comportamental segundo a qual o suicídio se origina a partir da ausência de esperança – a desesperança.
Depressão e suicídio
A associação entre depressão e suicídio parece óbvia. Por que razão alguém tentaria tirar a sua própria vida ou tiraria de fato se não estivesse profundamente deprimida?
Bem, evidentemente, a depressão pode estar presente e pode ser associada aos casos de suicídio. O DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais da Associação Psiquiátrica Americana), lista como um dos sintomas do transtorno depressivo maior o seguinte:
– Pensamentos recorrentes de morte (não somente medo de morrer), ideação suicida recorrente sem um plano específico, uma tentativa de suicídio ou plano específico para cometer suicídio.
Porém, este é apenas um dos sintomas que podem estar presentes em um paciente com depressão. Tais pensamentos podem muito bem não estar presentes em certos casos.
E, por outro lado, a evidência empírica colhida por Aaron Beck e colaboradores (no livro Terapia Cognitivo Comportamental para pacientes suicidas) mostra que o fator fundamental que deve ser observado em pacientes com risco de cometerem suicídio é a ausência de esperança:
“Como terapeutas, bem como pesquisadores, estávamos ansiosos por encontrar meios de reduzir os riscos de suicídio em nossos pacientes. No início do meu trabalho, tornei-me consciente do papel central da desesperança, ou expectativas negativas para o futuro, em meus pacientes depressivos suicidas.
Observei que quanto maior a desesperança, maior o desejo desses pacientes de se matarem. Também descobri que se abordasse com sucesso a desesperança na terapia, seus desejos suicidas pareciam se dissipar” (BECK, p. 12).
Para avaliar esta relação entre suicídio e desesperança, Beck desenvolve uma forma de medir a intensidade da desesperança. É a Escala da Desesperança de Beck (BHS – Beck Hopelesness Scale).
Utilizando a escala, a descoberta a que os pesquisadores chegaram, portanto, é que a desesperança se relaciona mais fortemente com o suicídio do que a depressão:
“Um estudo de validação descobriu que a desesperança era responsável por 76% das associações entre depressão e intenção suicida em 384 pacientes que foram hospitalizados por tentativa de suicídio.
Quando foram estudados pacientes que haviam sido hospitalizados por depressão ou risco de suicídio em vez de por uma recente tentativa de suicídio, descobrimos que a desesperança, e não a depressão em si, era uma determinante da intenção suicida.
A desesperança também se correlacionava mais fortemente com a intenção suicida do que com a depressão entre indivíduos que tentaram o suicídio e foram diagnosticados como dependentes de álcool e entre indivíduos que haviam feito tentativa de suicídio e foram diagnosticadas como dependentes de drogas” (BECK, p. 12).
O que é desesperança
Dada a forte correlação, convém explicar em mais detalhes o que é a desesperança. Em síntese, podemos compreender a desesperança como um olhar que vê o futuro como terrível (talvez como continuação do presente e/ou passado), sendo a aspecto mais significativo a ideia de que as coisas simplesmente não vão melhorar.
Segundo Beck: “em seu nível mais fundamental, a desesperança é uma cognição; é uma crença de que o futuro é sombrio, que seus problemas nunca se resolverão” (BECK, p. 56).
Os autores também distinguem entre desesperança de estado e desesperança de traço:
“Um estado de desesperança é o grau de desesperança que á ativado em qualquer dado momento (por exemplo, imediatamente antes de uma tentativa de suicídio), enquanto o traço de desesperança é o grau no qual o indivíduo possui expectativas negativas estáveis para o futuro.
Quanto mais forte for o traço de desesperança menos adversidades serão necessárias para desencadear uma crise suicida e a experiência de um estado de desesperança. Ou seja, quando o traço de desesperança é ativado, ele interage com estressores ambientais para escalar a um estado de desesperança.
Em nosso modelo, níveis mais elevados do estado de desesperança estão associados a uma ideação suicida cada vez mais aguda” (BECK, p. 56).
Conclusão
O suicídio e as tentativas de suicídio são, de certa forma, em nossa cultura, um tema tabu. Profissionais da área de saúde, especialmente da área psi, entretanto, precisam conhecer mais a fundo o problema.
Neste texto, procuramos mostrar o ponto chave de que o suicídio está mais relacionado com a crença em um futuro pior ou igual (de que as coisas não vão melhorar), portanto, de uma ausência de esperança na mudança para melhor no que virá do que propriamente relacionado com a depressão.
Evidente que pacientes depressivos também podem ser pacientes com tendência ao suicídio. Entretanto, muitas vezes uma tentativa de suicídio é feita com outros motivos (como chamar a atenção de alguém, como o namorado que acaba de terminar o relacionamento). De forma que, nestes casos, o risco de o suicídio ser consumado é menor do que naqueles em que há a total desesperança.
Um caso recente de suicídio, do ator Robin William, mostra que a hipótese de Beck pode estar correta. Segundo fontes, Robin William já havia passado por períodos de depressão e recuperação de uso de substâncias. Entretanto, pouco antes de tirar a sua vida, ele havia sido diagnosticado com Parkinson e demência, quadros graves que o impossibilitariam de continuar fazendo o que mais amava: atuar. Portanto, a sua avaliação pessoal foi de que não havia esperança. Sem esperança, ele decidiu não continuar.
Dúvidas, sugestões, comentários, por favor, escreva abaixo.
Felipe, que interessante! E quando a depressão é eufórica ou seja (o faz de conta). Tenho uma pessoa na família com esse tipo de reação, ao invés de reclusão-timidez e introversão ela tinha euforia (muita alegria, muito sorriso, muitas ideias, hiperativa) um disfarce perfeito de estabilidade. Depois desses momentos, dormia muito e acordava ríspida com um olhar triste, melancólico e as vezes com raiva. Foram 3 anos até o 1º diagnóstico. Foi necessário muitas sessões de terapia e medicação pra ela voltar ao ritmo normal.
Esse tema merece muita reflexão. Abs,
Oi Raquel!
Sim sim!
Este tema é muito interessante. Recomendo o livro publicado pela Artmed – Terapia Cognitivo-Comportamental para pacientes suicidas.
No caso, quando há uma alteração de humor acentuada, entre o humor deprimido e a mania, pode na verdade se tratar de um caso de transtorno bipolar – que antigamente era chamado de transtorno psicótico maníaco-depressivo. O nome anterior é mais claro: mudança da depressão para a mania (maníaco).
Mas, evidentemente, tem que ser feita uma avaliação detalhada do paciente para se saber se se trata de uma quadro depressivo ou se o episódio depressivo é, depois ou antes, alternado com episódios maníacos ou hipomaníacas (existem dois tipos de transtorno bipolar).
Atenciosamente,
Felipe de Souza
O mais importante: As sessões de psicoterapia nos faz enxergar essas alterações e com isso, vem a aceitação e a compreensão. Abs,
Muito bom, seu texto,esclarecedor,
objetivo.
Boa noite professor Felipe! como sempre, seus textos são maravilhosos!!
professor sou estudante do primeiro período de psicologia, e estou fazendo um estudo para uma apresentação de um seminário. Nele eu tenho que falar as contribuições de winnicott na psicanalise e/ou na psicologia e tao… estou tendo muita dificuldade!!
bom professor; como seus textos são tão claros , esclarecedores e de fácil entendimento, então, a humilde ideia de te pedir ajuda! você pode me ajudar?!!! aguardo preparadamente e anciosa para qualquer resposta. obrigada.
Olá Ruth!
Infelizmente eu não conheço muito de Winnicott para te ajudar.
Mas penso que você pode afirmar que a sua contribuição foi muito importante no atendimento infantil.
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Não consigo conceber um quadro de depressão em que não haja desesperança. Todos os sintomas característicos da depressão decorrem precisamente da ausência de possibilidades de ser, ou seja, meu futuro está inviabilizado e por isso o mundo se torna sombrio. É a morte em vida. O sujeito que ainda vislumbra alguma possibilidade de ser (ainda tem alguma esperança), pode estar profundamente triste no momento, mas não está em depressão.
Paulo, creio que é uma questão dos termos e conceitos usados. No texto, utilizei as ideias de Aaron Beck, um dos maiores especialistas em depressão e criador da psicologia cognitiva. E ele utiliza esta terminologia.
Felipe, é lamentável que você seja mais um dos que acredita que as diferenças entre as teses que procuram compreender os fenômenos psicológicos sejam apenas uma questão de retórica.
Paulo, quando estudamos qualquer uma das ciências humanas, descobrimos que as mesmas palavras não significam a mesma coisa. Simbólico para Lacan não tem nada a ver com simbólico para Jung por exemplo… A palavra que um autor usa não necessariamente possui o mesmo sentido do senso comum.