No pensamento sociológico, as relações entre o processo educacional formal e a sociedade de classes é vista por várias perspectivas.

Na concepção de Dewey por exemplo, a educação é uma necessidade que garante a continuidade da vida humana, através da transmissão constante das experiências acumuladas pelo grupo às novas gerações, que deve cumprir a função social de produzir um ser humano “plenamente desenvolvido”. Por isso é considerado por ele uma instancia social positiva.

Dewey salienta a importância da educação que integre o desenvolvimento natural à eficiência social. Tal concepção de homem, aliada a uma concepção da educação que produz este homem, ocorreria num contexto mais amplo de definição da sociedade ideal, a sociedade democrática. Nesta sociedade a socialização seria o processo que expõe o indivíduo ao pensamento cientifico, levando-o a uma visão mais racional do mundo.

No outro extremo alguns teóricos denunciam os resultados condenáveis do processo educativo, segundo eles, a escola cumpre um papel ideologizante, ou seja, através de uma imposição sutil, leva os educandos a adquirirem uma visão de mundo compatível com a manutenção da sociedade de classes; assim, ela está a serviço dos interesses dos grupos que nesta formação social monopolizam o poder econômico, social , político e cultural.

Subjacente a essas duas formas extremas de conceber o papel social da educação escolar, encontram-se as duas tendências teóricas mais representativas do pensamento sociológico.

O funcionalismo que tem em Durkheim seu representante mais importante e como principio constitutivo a integração. E o materialismo histórico, formulado por Marx e continuado por outros, que tem como principio constitutivo o principio da contradição.

Para Durkheim, à educação cabe a função de constituir um ser social solidário em cada novo indivíduo, “ não há povo em que não exista certo número de idéias, de sentimentos e de praticas que a educação deve inculcar a todas as crianças”. De outro lado, a diversidade educacional justifica-se inteiramente numa sociedade na qual é imperativo formar indivíduos diferentes para o exercício de funções diferentes. E, no pensamento durkheimiano, o critério para destinar um educando a uma determinado tipo de educação não é a sua origem social, mas sim as suas aptidões individuais (coerência com o seu modelo orgânico de explicação do social).

A doutrina econômica dos que defendem o livre desenvolvimento dos interesses individuais, sem limitação estatal, como sistema para atingir o bem estar social e privado é o liberalismo, que tem como corolário o individualismo. Doutrina na qual se encontram as raízes profundas do pensamento educacional brasileiro.

As crenças abrangidas pelo liberalismo são de que é possível criar uma sociedade de classes na qual os indivíduos escolham voluntariamente o caminho que os leve a uma determinada posição social na vida. No ideário liberal, o conceito de liberdade traduz-se a nível político, no conceito de democracia.

Os ideais liberais passaram aos planos educacionais (o papel que a escola desempenharia na sociedade de classes) através de projetos de instrução publica que tinham como pressuposto básico a crença de que a igualdade de oportunidades seria promovida através da instrução publica gratuita, obrigatória e igualitária. Ao estado caberia assumir a divida da educação nacional controlar o ensino e instruir, garantindo a todos o direito a instrução.

A educação portanto seria a grande igualadora das condições entre os homens, o fator neutralizador das desigualdades sociais, viabilizado pelo estado.

No pensamento dos filósofos do liberalismo a ascensão social depende única e exclusivamente das capacidades individuais , e não pode haver igualdade social entre os homens porque não existe esta igualdade a nível individual, ou seja, as desigualdades sociais num regime social liberal são imputáveis às desigualdades individuais naturais.

O mito da igualdade de oportunidades, garantida pela educação financiada pelo Estado, criou raízes profundas no pensamento educacional. Esta versão da vida social encontra-se no centro das mais influentes doutrinas educacionais dos dias atuais.

Se, para Durkheim a característica fundamental das “sociedades complexas” é a solidariedade orgânica e a integração do todo social daí advinda, para Marx, esta sociedades fundam-se numa contradição: a existência do proletariado e do capitalista, dos que produzem e dos que se apropriam do resultado da produção, cujos interesses são irreconciliáveis.

Marx parte do mundo material rumo à compreensão do universo mental e cultural demonstrando que não são as idéias dos homens sobre o mundo e sobre si mesmos que determinam a maneira como agem socialmente, mas que é sua ação social que determina essas idéias. A consciência é o produto das condições reais de existência e a infra-estrutura econômica determina a dimensão cultural.

No pensamento materialista o mundo da ação não está separado do mundo das idéias, nem é por ele determinado. O homem não produz apenas objetos; ao mesmo tempo em que produz objetos ele produz relações sociais e produz idéias que justificam estas relações.

Onde regem relações de dominação a cultura não é um patrimônio comum a todos, um conjunto indiviso de normas e padrões que expressa o pensamento coletivo, mas “uma dimensão da dominação”, que toma a si o cargo de tornar inteligível a ordem real e promove-la segundo sua lógica histórica, ao cobri-la de sentido para os agentes das relações de dominação.

A classe que dispõe dos meios de produção material dispõe igualmente dos meios de produção intelectual, produzindo idéias que regulamentam a produção e a distribuição dos pensamentos de sua época.

Devido as próprias condições estruturais do sistema capitalista, a democracia, em sua acepção burguesa jamais atingiu nem poderá atingir seus ideais de igualdade, liberdade e fraternidade. Mas, a disseminação da crença nesta possibilidade afinal, aparentemente verdadeira, numa sociedade de classes, é fundamental a manutenção do sistema e aos interesses dos grupos e da classe que detêm o poder.

Neste contexto, a “indisciplina”, a “desordem” e os conflitos sociais, longe de serem sintomas de desorganização, crise ou anomia, são expressões inevitáveis de algo inerente ao sistema: a presença de contradições.

O processo de ideologização é feito pelas e nas instituições culturais entre as quais se encontra a escola. É graças a essa ação ideologizante que se reproduzem as relações de produção e é este o papel dominante da educação em uma sociedade de classes e não, como quer Durkheim, o de simplesmente introduzir os jovens no modus vivendi da sociedade.

O Aparelho de Estado é constituído pelo Aparelho Repressivo de Estado (o Governo, a Administração, o Exercito, a Polícia, os Tribunais, as Prisões) e pelos Aparelhos Ideológicos de Estado, correspondentes a uma multiciplidade de instituições sociais, não importa se de caráter publico ou privado (a Igreja, a Escola, a Família, as Comunicações Sociais e as Instituições Culturais, dentre outros) mas que possuem um denominador comum: o fato de funcionarem principalmente pela ideologia dominante, cumprindo a função de assegurar a reprodução das relações de produção. Esta analise é feita tanto por Althusser quanto por Guilhon.

A escola configura-se como um instrumento de especial importância na orquestra dos Aparelhos Ideológicos de Estado que interpretam uma mesma partitura: a da ideologia dominante. Sua importância advém do fato dela atuar diariamente sobre os indivíduos, em uma idade em que estão mais “vulneráveis” às influencias formadoras externas.

A escola, ao mesmo tempo em que ensina técnicas e conhecimentos a partir da ótica da ideologia dominante, ensina também as regras dos bons costumes ou, nas palavras de Althusser, transmite a ideologia dominante em estado puro (moral, civismo, etc).

Além de cumprir o papel de qualificador da mão-de-obra, na medida das necessidades do sistema, ( neste papel distribuir os cidadãos pelos vários tipos de atividades produtivas existentes na sociedade, através de mecanismos nada neutros ou liberais ) a escola prepara do ponto de vista de atitudes, crenças e valores, os agentes para respeitar a divisão social-tecnica do trabalho e as regras da ordem estabelecida pela dominação de classe.

Os mecanismos que reproduzem este resultado são dissimulados por uma representação ideologica universal da escola como uma instituição neutra e desprovida de ideologia.

Segundo Establet e Baudelot, é importante saber que é em aspectos mais sutis das praticas escolares que a transmissão da ideologia burguesa se faz de forma mais eficiente: através dos rituais escolares, que transmitem da mesma forma tanto os conteúdos que têm um valor de conhecimento, quanto os que têm uma função ideológica, neutralizando, assim, a sua diferença. Todos os conteúdos são ensinados como regras escolares, o que equivale a dizer que todas as práticas escolares são práticas de incultação ideológica. Isto porque, o uso produtivo de uma regra, que lhe empresta seu real valor de conhecimento, está ausente da escola e das práticas escolares. De acordo com Althusser, “os conhecimentos só são utilizados aí no quadro de problemas fictícios, fabricados no interior da própria prática escolar e tendo em vista seus objetivos: dar notas, classificar, sancionar indivíduos”.

Estamos diante da cisão entre a teoria e a prática, que tem suas origens na separação entre o trabalho manual e o intelectual. Em última instância, quer se ensine matemática, quer normas e valores morais por meio desta prática cindida, estamos transmitindo uma concepção ideológica de conhecimento, de saber e de ciência, que tem como efeito último impedir o conhecimento em seu sentido mais verdadeiro. A questão mais importante não é saber se um determinado conteúdo de ensino é ideológico ou não, pois a própria maneira como são ensinados garante sua natureza ideologizante.

A apresentação da ideologia dominante como a verdade absoluta, tem como corolário o recalcamento, a sujeição, o disfarce da ideologia proletária. Os próprios termos correntes, como “fracasso – sucesso”, “normal – anormal”, “educação”, “instrução”, devem ser considerados máscaras, pois escondem o que realmente ocorre na escola.

Torna-se inevitável concluir, pois, que o aparelho escolar é um lugar de contradição, no qual, os “defeitos” ou os “fracassos” de funcionamento são a realidade necessária de seu funcionamento, e no qual se torna imprescindível o recurso a práticas disciplinares e coercitivas de natureza repressiva.

PSICOLOGIA E IDEOLOGIA

A psicologia como ciência surge no mesmo contexto em que se desenvolve a relação escola – sociedade, contexto do desenvolvimento do capitalismo e da ideologia que o justifica.

A ideologia, para Horkheimer e Adorno, é justificação, sua existência pressupõe a experiência de uma condição social que fracassou. Todas as ciências nascem de forma a modificar, contradizer, uma ordem ou um sistema vigente, por exemplo quando Galileu impugnou a concepção aristotélico – tomista do universo, o que significou, na época, um atentado contra a ordem estabelecida. Isto não significa que a ciência seja neutra ou desinteressada, ela se constrói com bases em interesses históricos. Para Deleule, a ciência conserva sua bagagem teórica independentemente do transcurso ideológico da história, porém, suas aplicações podem , em certos casos, pôr em evidência uma tomada de partido ideológico.

Já a Psicologia, não tem esta mesma pretensão, ela surge justamente para justificar as mudanças ocorridas no fim do século XIX, quando a classe burguesa se torna dominante. Assim como afirma Deleule, longe de romper com a ideologia dominante, a Psicologia, traz a esta classe o apoio de seu aparato técnico e de seu arcabouço teórico.

Com o aparecimento de novas condições de trabalho na sociedade industrial capitalista, surge também a necessidade de se construir novos tipos de recrutamento de mão-de-obra, era preciso detectar nos indivíduos, aptidões e traços de personalidade que garantissem sua eficiência e produtividade.

A Psicologia nasce de forma a atender essa demanda, provendo conceitos “científicos” de medidas a fim de garantir a adaptação dos indivíduos à nova ordem social. Limitando-se, ao nascer, a calcar-se em métodos já estabelecidos cientificamente.

Esta “ciência”, a Psicologia, se constitui como instrumento e efeito das necessidades geradas nessa nova divisão social, que são: selecionar, orientar, adaptar e racionalizar, com a finalidade de aumentar a produtividade. Galton, Gattell e Binet desenvolveram seus primeiros trabalhos voltados para a solução de problemas referentes à melhor forma de organizar racionalmente a sociedade.

Terman juntamente com os três autores citados anteriormente, instrumentalizam a psicologia escolar com seus trabalhos. Binet, constrói um procedimento que posteriormente se torna a principal atividade dos psicólogos durante todo o século: classificar os indivíduos, principalmente crianças em idade pré-escolar e escolar primária para justificar sua distribuição em classes sociais. Assim se constitui o primeiro método da psicologia escolar: a psicometria. A escala de medida da inteligência, elaborada por Binet, vem classificar as crianças do sistema escolar francês, sendo estendida posteriormente à outros países, quanto sua capacidade metal, marcando assim, o início efetivo dos programas de mensuração da capacidade intelectual em populações escolares.

Cattell se torna fundador do “movimento dos testes” nos Estados Unidos, ele é o primeiro a utilizar a expressão “mental testes” que se refere à uma mensuração que permitia quantificar em que proporção um indivíduo possui a uma determinada função, em relação à medida do grupo. Estes testes serviram às finalidades de explicar a existência de bons e maus alunos, de dividir as crianças em normais e deficientes.

Terman, em 1912, se interessou pelos primeiros estudos de Binet, aperfeiçoou o cálculo da idade mental e construiu o teste do Quociente Intelectual (QI). Essa foi a medida das aptidões humanas que mais fez sucesso na história da Psicologia.

Após o pioneirismo destes autores, não tardou a invasão de testes verbais, não verbais ou de performance no cenário mundial, respaldados pela Psicologia e seus ideais prédeterministas. Estes testes visam a classificação, a seleção, a mensuração da adaptabilidade ou do potencial de desajustamento dos indivíduos às diversas funções (sua capacidade produtiva), a explicação do insucesso escolar, profissional e social e, acima de tudo, a continuidade da crença no mito da igualdade de oportunidades; seguindo, portanto, a lógica da racionalização, enraigada na sociedade capitalista.

A explicação que estes testes oferecem para o insucesso escolar é de que a inteligência é uma “dimensão geneticamente determinada da capacidade funcional humana e, portanto, como um atributo essencialmente fixo”, segundo Hunt (citado por Patto, 1984, p.99). Podemos exemplificar esta afirmação a partir da explicação de Terman para a dificuldade de adaptação social de um indivíduo, ele atribui essa dificuldade a um baixo QI, a uma capacidade inferior de avaliação e julgamento e a traços neuróticos mais ou menos evidentes. Enquanto que o êxito profissional de outro será atribuído a seu QI superior.

A Psicologia, a partir de então, oferece recursos que manipulam a eficiência do sujeito no sistema social, distribui aqueles que podem ser integrados ao sistema funcional de divisão de classes e permite a identificação daqueles que ficam à margem do movimento de produção desse sistema, introduzindo medidas técnicas que irão ou reintegrar esse sujeito à ordem vigente ou segrega-los de forma que não representem impecílio para o bom funcionamento do sistema.