Tem uma dor que é a que mais dói. A dor das coisas mortas. A dor final. Uma dor em estado bruto, que não se mistura a nenhum outro sentimento. Ela é simplesmente dor. Não há ansiedade, nem culpa, nem medo. Uma suspensão de pensamentos e elaborações. Apenas o fim, que não nos dá direito de resposta. Pedaço arrancado às brutas. Que nos deixa engasgados. E o que resta é nada mais que a missão de enterrar, de esquecer. De jogar a terra, dar as costas e seguir adiante.

Essa dor expõe o maior de todos os vazios, a maior de todas as nossas fragilidades. Nossa impotência diante do que é fatal. Diante dos vários fins que a vida vai dando ao que amamos, seja lá o que amamos. Dói quando nossos afetos morrem. Quando as amizades terminam, dói. Quando relacionamentos acabam. Dói a morte das nossas paixões, mesmo aquelas que a gente sabia que não teriam vida longa. Dói o fim dos nossos ciclos, de término tão previsíveis. Dói quando acaba o colegial, depois a faculdade, e os amigos se vão. Dói quando é preciso deixar uma casa, uma cidade, um país. Quando fazemos as malas e mudamos de direção, a vida que a gente tinha acabou de morrer.


A vida vai pontuando o fim de cada uma dessas coisas com seu dedo de foice. Não dá para fugir. Não dá para conter o curso dos acontecimentos. Viver é estar constantemente de cara com a morte. E o impasse nos é dado a cada perda: como enterrar aquilo que não queremos deixar para trás? A dor que dói mais talvez seja essa, na verdade. A dor de deixar morrer. De enterrar dentro da gente aquilo que já nos foi tirado. Jogar a última pá de terra, virar as costas e seguir em frente.


É preciso não se sentir culpado por aceitar a morte. Por ainda estar vivo e ter a possibilidade de ser feliz. É preciso perdoar a vida, e até mesmo perdoar o que partiu, pelo abandono não intencional. É preciso aceitar e entender que o tempo fará seu trabalho de restauração, e que isso não significa uma ingratidão com o que se foi. Não é uma crueldade enterrar os mortos. Cruel é seguir carregando-os vida afora.


Kattlyn Pereira

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