Quando me formei na Faculdade de Psicologia, fui trabalhar em um asilo. Foi uma experiência importante para mim. Em geral, não gostamos de pensar que ficaremos velhos, de que o corpo está agora envelhecendo e que o tempo, ao passar, transforma o nosso modo de ser. 


Existe, evidentemente, fatores objetivos que permitem-nos falar de velhice ou processo de envelhecimento. Deste, o campo da medicina e suas especialidades produziu (e continua a produzir) conhecimentos, notadamente a gerontologia e a geriatria.

De forma que o envelhecer pode ser substantivado no conceito de velhice. Tomando por base o livro publicado por Simone de Beauvoir em 1970, A Velhice, que ressalta tanto o angulo da objetividade – da medicina e da antropologia – nomeando-o de visão da exterioridade, como o da subjetividade, nomeado por ela de interioridade, podemos perceber como a velhice é complexa. 

Percebida em sua exterioridade, fatores sócio-economicos são de suma importância no modo através do qual os sujeitos experienciarão o processo. Por exemplo, a vida na terceira idade é muito diferente para um rico empresário europeu e para um ancião que viva nas primevas tribos da Polinésia. 

Além de tais diferenças, comparadas as vivencias dentro de uma mesma cultura, fácil é perceber que o campo da subjetividade, da singularidade individual determina em muito as vivencias da senescência.

Do mesmo modo em que os outros períodos da vida, o processo de envelhecimento é experienciado de forma individual por cada um, juntamente com as condições sócio-econômicas e histórico-culturais. À partir destas condições o sujeito estabelece suas relações e suas vivências. Dada uma mesma cultura e classe social à dois indivíduos, o envelhecimento será com certeza um processo sentido de forma singular por cada um deles.

Em algumas famílias, a falta de recursos e a miséria advinda desta falta, o idoso pode ser tido por um fardo. De forma que, nesses casos, a única saída encontrada é o asilo. No entanto, na maior parte das vezes, o idoso é uma fonte de renda, seja por continuar trabalhando, seja por sua aposentadoria ou recursos acumulados ao longo da vida.

Portanto, constitui-se para a sociedade e para o Estado não um peso a atrapalhar, antes um ser que se mantém produtivo. Se este não é o caso, como é muito difundida na ideia de aposentadoria, as contribuições mensais dadas à previdência social são suficientes para se considerar a importância da produção passada. 

Engana-se portanto, quem acredita que a “improdutividade” na velhice seja um problema para o Estado, o problema é da desorganização deste Estado ao não conseguir (ou conseguir mal) retribuir as contribuições de anos dadas pelo idoso para que tivesse ao final possibilidades de levar a aposentadoria de forma tranquila.

A gerontologia e a geriatria, através de suas pesquisas nos fazem concluir que a capacidade de retenção de novos fatos e conhecimentos realmente é menor na velhice do que antes desta. No entanto, esta perda de capacidade não se mostra universal. 

Testes psicológicos atestam que o uso da memoria, da atenção, da razão ao longo da existência são mais fundamentais do que o processo de degenerescência biológica. Assim, segundo Beauvoir, um intelectual submetido à baterias de testes psicológicos pode-se sair melhor do que um adulto (embora provavelmente possa levar mais tempo para concluir a tarefa). Este não é o caso daquela parte da população que não exercitou as habilidades mentais. Desta forma, quanto menos escolaridade, maior a perda da capacidade de retenção de novas aprendizagens.

O conceito de personalidade em psicologia procura explicitar a estabilidade emocional e mental de cada individuo já que, em tese, existe uma constância (relativa) de reações e comportamentos. Desenvolvida ao longo das décadas da vida, a personalidade com seus valores, hábitos, manias e desejos, corresponde a traços que realmente são difíceis de mudar. 

Os conhecimentos adquiridos podem levar à produção de representações coletivas do velho sábio, que é respeitado e admirado, ou do velho gagá, tao atrelado às suas próprias ideias que se distancia da realidade. Em ambos os casos, o conceito de personalidade é útil para se entender a dificuldade e resistência à mudança. 

No existencialismo de Sarte e de Beauvoir, o conceito de liberdade, de extrema importância para a ética filosófica, nos auxilia a pensar em como o homem é livre, até a ultima instancia para fazer escolhas. Tendo, no entanto, responsabilidades perante elas, ao mesmo tempo em que sofre as consequências das escolhas feitas. 

Um exemplo disso é dado pelo fato de que, em geral, encontram-se em asilos mais homens do que mulheres abandonados por suas famílias. À parte as dificuldades financeiras e outros problemas que levam à este abandono, os homens de terceira idade foram pais que antes abandonaram ou maltrataram seus filhos, e agora, na velhice são deixados por estes em instituições asilares. 

No livro anteriormente citado de Beauvoir, a etnologia dá amplos exemplos de culturas nas quais os velhos foram antes pais que trataram mal seus filhos, sofrendo ao final, as consequências de suas atitudes e escolhas. 

Por outro lado, a antropologia também dá fartos exemplos do contrário. Culturas nas quais o cuidado e carinho dado é recebido. Podemos pensar aqui no conceito de reciprocidade elaborado por Mauss, que diz, a grosso modo, que na troca de elementos (simbólicos ou concretos) o outro retorna elementos semelhantes. 

Dados da Antropologia Cultural trazem à luz que em certas culturas, feio e velho são sinônimos. Embora a cultura ocidental não leve tão em extremo esta questão (havendo por exemplo a imagem do velho sábio, o charme dos cabelos grisalhos) a mídia realmente veicula seu padrão de beleza focado na juventude. 

O estereotipo do velho como aquele que somente gosta de bingo e baile é evidentemente equivocado. Em cada sociedade os exemplos de gostos altamente diversificados podem ser citados. 

Na difícil arte da politica nossa cultura herdou dos gregos a instituição do Senado (no principio era permitida apenas aos sujeitos com mais de sessenta anos, atualmente no Brasil, é permitida a entrada a partir dos trinta e cinco anos). Até o ponto em que a atividade se vincula ao interesse, as atividades (inclusive profissionais) estarão imersas em diversão e contentamento. 

Exemplo bastante interessante é dado pelo etnólogo frances Levi-Strauss, que professor da Sorbonne foi obrigado a deixar a cátedra por ter completado setenta anos. No semestre letivo seguinte, havia prestado vestibular, continuando na Sorbonne como aluno. Sua diversão e seu prazer é dado pelo estudo. 

Embora as respostas sexuais sejam mais lentas para o homem na velhice, o processo de envelhecer não conduz à impotência sexual. Tanto no que diz respeito ao interesse libidinal quanto à capacidade reprodutiva, o homem continua indefinidamente potente na sua sexualidade. 

A mulher, na menopausa, perde sua capacidade reprodutora. Claro que existem casos em que a mulher vivencia sua sexualidade de modo tao desagradável que uma diminuição das relações sexuais seria sentida como alivio. Na maior parte dos casos não é o que ocorre. O mito do idoso puro e casto, sem interesse no amor e na sexualidade é somente um mito. 

Como no livro “o Muro”, de Sartre, o homem é livre até face a morte. E até seus últimos instantes é livre para pensar o que quiser da morte e da vida. Portanto, a capacidade de escolher nunca é perdida, salvo casos de extremos patológicos. Até certo ponto o idoso pode depender mais dos outros, mas a vivencia tanto da autonomia quanto da co-dependência é determinada subjetivamente, ou seja, pelo individuo e somente por ele. 

Desde Hipócrates, que estabeleceu as bases para a medicina cientifica, os quadros mais comuns da patologia da velhice são estudados e documentados. Pelas próprias transformações biológicas, na velhice se adoece mais do que em outras etapas da vida. Isto pode ser comprovado pelo numero de internações em cada idade. 

Dados estatísticos nos EUA, Suécia e França – citados por Beauvoir – atestam que os idosos realmente adoecem mais, geralmente ficando por períodos mais prolongados em observação e internação. Consequentemente, mais cuidados são necessários, tanto na prevenção como na cura.

Mas o bem-viver é consequência das escolhas e atitudes que são, em ultima instancia, do campo da subjetividade, sendo, portanto, responsabilidade do individuo. Este recebe e reage ao meio em que vive. Sua forma de reação (e as consequências destas) dependem única e exclusivamente dele. Se há uma reação passiva face uma situação problemática, a ausência de reação, a passividade é do individuo. Ao não reagir (tomado aqui apenas como um exemplo, dentre muitos) a escolha cabe ao sujeito e somente a ele. Se sujeitar a um evento, ou ser o sujeito que age e produz o verbo da ação e da reação somente cabe e depende de cada um.