O livro Terapia Comportamental para Transtorno da Personalidade Bordeline, de Marsha Linehan, apresenta muitos avanços e inovações na condução de terapia com pacientes diagnosticados como borderlines. Neste texto, em particular, gostaria de comentar algumas passagens do livro que tratam de um dos aspectos deste transtorno – mas que não se limitam a ele – que é o conceito de parassuicídio.
O conceito de parassuicídio
A palavra parassuicídio foi definida por Kreitman em 1977, com o objetivo de clarear comportamentos que são geralmente confundidos com o suicídio ou com tentativas de suicídio.
“Kreitman introduziu o termo parassuicídio como rótulo para:
- comportamento automutilante intencional e não fatal que resulta em lesão tissular, doença ou risco de morte;
- qualquer ingestão de drogas ou outras substâncias não prescritas ou além da prescrição, com a clara intenção de causar dano corporal ou a morte.
O parassuicídio, conforme definido por Kreitman, inclui tentativas de suicídio reais e ferimentos contra si mesmo (incluindo automutilação e queimaduras) com pouca ou sem intenção de causar morte. Ele não envolve tomar drogas não prescritas para se dopar, para ter uma noite normal de sono ou para se automedicar.
Também é diferente de:
- suicídio, quando ocorre a morte intencional autoinfligido;
- ameaças de suicídio, quando o indivíduo diz que vai se matar ou se machucar, mas não age segundo a afirmação;
- comportamentos quase suicidas, quando o indivíduo se coloca em risco, mas não completa o ato (p. ex., pendurar-se de uma ponte ou colocar pílulas na boca, mas não engolir) e;
- ideação suicida (LINEHAN, p. 26).
Parassuicídio e manipulação
Segundo Linehan, apesar de o termo parassuicídio se aproximar, em certo sentido, de tentativa de suicídio e suicídio, a ideia é tornar mais evidente uma classe de comportamentos normalmente taxados de manipulação, ou seja, como se o indivíduo, ao se machucar, estivesse querendo manipular o meio em que está. Razão pela qual parassuicídio poderia tirar este rótulo (de pessoa manipuladora) para um paciente que precisa de ajuda e evitaria a culpabilização.
Além do fato de que o parassuicídio descreveria também motivações diferentes da mera manipulação, como a procura por reduzir a ansiedade.
E, embora o problema da automutilação seja controverso no que tange às causas, pesquisas indicam algumas características típicas do paciente (que podem ser diagnosticas, mas nem sempre, com o transtorno bordeline).
O quadro emocional
“O quadro emocional dos indivíduos parassuicidas é de desregulação emocional aversiva e crônica. Eles parecem mais raivosos, hostis e irritáveis do que indivíduos psiquiátricos não suicidas ou não psiquiátricos, e mais deprimidos do que aqueles que morreram por suicídio” (LINEHAN, p. 27).
Mais a frente, Linehan continua:
“A desregulação interpessoal é evidenciada por relacionamentos caracterizados por hostilidade, exigências e conflitos. Em relação aos outros, os indivíduos parassuicidas tem sistemas de apoio social fracos. Quando interrogados, relatam que as situações interpessoais são seus principais problemas na vida. Os padrões de desregulação comportamental, com o abuso de substâncias, promiscuidade sexual e atos parassuicidas anteriores são frequentes. Geralmente, é pouco provável que esses indivíduos tenham as habilidades cognitivas necessárias para lidar efetivamente com seus estresses emocionais, interpessoais comportamentais” (LINEHAN, p. 27).
Parassuicídio e Transtorno Borderline
Não entraremos em detalhes aqui sobre as características e tratamentos para o Transtorno Borderline. Mas cabem algumas palavras sobre a relação com o parassuicídio.
De acordo com Marsha Linehan, é bastante comum que pacientes parasuicidas crônicos preencham os critérios para o Transtorno Borderline: “No meu ponto de vista, esses indivíduos preenchem os critérios para TPB de um modo singular. Eles parecem mais deprimidos do que seria de se esperar… e também apresentam supercontrole e inibição da raiva, que não são discutidos no DSM-IV” (LINEHAN, p. 28).
Conclusão
Neste breve texto, procuramos descrever um conceito pouco familiar entre os profissionais da saúde mental, o parassuicídio. Para gravarmos o que este conceito propõe, devemos nos lembrar de uma classe de comportamentos de automutilação que não necessariamente possuem a intenção definida de ser uma tentativa de suicídio visando causar a própria morte.
Ou seja, o comportamento ocorre, não raro com uma frequência relativamente alta, mas não se trata de uma real tentativa de suicídio. Linehan critica a utilização da palavra manipulação (consciente ou até mesmo inconsciente), já que não se deve confundir a função do comportamento com a intenção.
Apesar de o parassuicídio não se confundir com uma tentativa real de suicídio, trata-se de um comportamento que exige tratamento psicológico e psiquiátrico.
E qual seria a diferença entre o parasuicídio e a automutilação? Ou é apenas uma troca de termos?
Ficar arrancando a própria sobrancelha e cabelos também seria parassuicídio?
Ana, a utilização de termos na psicologia e psiquiatria muitas vezes vai depender do autor, ok? Por exemplo, o conceito de símbolo, que varia muito de quem o está utilizando e em qual obra.
Mary, penso que este tipo de comportamento se aproxima mais do diagnóstico de tricotilomania.
E se o comportamento vai além da automatização, como tomar remédios do tratamento em excesso e vai parar no hospital?
Não consegue se suicidar,mas não seria uma tentativa de suicídio e não uma manipulação?
Tentar cortar os pulsos, está sempre ligado ao borderline?
Sei que não é psiquiatra, mas gostaria de ouvir sua opinião.
Inclusive porque vejo muita semelhança e confusão, nos diagnósticos entre borderline e bipolar.
Obrigada Felipe
Olá Cláudia,
Um único comportamento não está necessariamente ligado a um transtorno. Para uma avaliação diagnóstica é preciso, evidentemente, fazer a avaliação como um todo, ok?
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Boa noite Felipe,
Poderia me informar se psicólogos fazem essa avaliação do transtorno ou somente psiquiatra?
Parabenizo pelo seu trabalho,
Fazem sim Claudia, mas nem sempre o profissional vai necessariamente conhecer ou ser um super especialista em um tipo de transtorno. De toda forma, o melhor profissional não é aquele que sabe tudo de tudo e sim aquele que tem humildade suficiente para indicar um profissional mais capacitado se for o caso.
por favor, gostaria de tirar algumas duvidas, mais por e mail pode ser?obrigada
Meu email é psicologiamsn@gmail.com
Boa noite Felipe. Sou psicóloga Clinica e cheguei ao seu site pesquisando a respeito da ameaça ao suicídio como manipulação. Você teria como me indicar algum livro a respeito?
Olá Laila!
Veja o livro de Aaron Beck e colaboradores sobre pacientes suicidas. Da Artmed.