Formação, evolução e “loucura” dos estudantes de psicologia e psicólogos

É interessante refletir sobre como nós estudantes e psicólogos mudamos ao longo da graduação. Você certamente já deve ter se deparado com alguns discursos de pessoas falando coisas como: “nossa como você mudou depois que começou a fazer psicologia” ou então “você não poderia falar desse jeito você faz psicologia!”

Para entender melhor sobre essa “loucura” suposta de que falam, sugiro a leitura  do capitulo 12 do livro Psicodrama: teoria e prática (DIAS,1987). Me baseei nele para a escrita deste texto.

Dias (1987) mostra o que chama de formação básica de um terapeuta para obter sucesso na profissão. Ele afirma que o estudante não deve investir somente nas teorias e técnicas, mas também em sua analise pessoal profunda.

Ele deixa claro que para ser um bom profissional, é necessário algumas características que muitos jovens terapeutas ainda não possuem como experiência de vida, ter contato direto com certas vivencias para um melhor entendimento, e ter ideia de como o cliente se sente. Com essas qualidades, o terapeuta tem a capacidade de aceitação, proteção e continência com o cliente. O autor também mostra a importância da psicoterapia: quanto maior for a sua analise pessoal, mais compreensão do cliente ele terá, pois é fundamental não confundir as vivencias do cliente com as próprias.

Fica claro na leitura que o terapeuta só consegue identificar o núcleo de determinado sentimento do cliente se ele próprio já conseguiu identificar o seu núcleo. Na opinião do autor, caso contrário, consegue-se no máximo indicar e não curar.

A formação teórica, evidentemente, é importante para se ter um entendimento profundo de determinada linha de psicoterapia. Muitas vezes os terapeutas acabam conhecendo muitas teorias de várias linhas, tornando-se cultos, mas com grande dificuldade em ser coerente e eficiente.

Dias cita que o psicodrama é a abordagem fundamental para lidar com maior parte das situações. Ele conta como  depois de ter tido contato com outras linhas, acabou sistematizando e colocando uma marca pessoal em seu trabalho. Assim pode adequar as necessidades de cada cliente, conseguindo trabalhar intuitivamente.

Quando isso tudo acontece há um ciclo onde: tratando, o terapeuta se trata; ensinando, o terapeuta aprende; supervisionando, o terapeuta teoriza sua própria experiência.

Dias cita também o amadurecimento dos terapeutas: afirma que essa profissão é extremamente fascinante e ao mesmo tempo sofrida. No dia a dia o terapeuta será “bombardeado” constantemente pelos seus clientes, tendo que aceitar, proteger e dar continência.

Mesmo aquele que já fez terapia, acaba por não suportar as tensões precisando assim da ajuda de alguns colegas. Porém essa mobilização acaba por aumentar a maior parte sadia do terapeuta para agüentar tensõe. Deste modo cria-se um amadurecimento rápido e intenso.

Uma das partes mais magníficas do capítulo:

“Pois na medida em que o terapeuta entra em contato íntimo com a experiência de seu cliente, ele acaba por viver em poucos anos muitas vidas. Costumo dizer, então, em tom de brincadeira, mas que sinto com um fundo de verdade, que atualmente devo ter mais ou menos 150 anos.”

Sendo assim o terapeuta acaba se tornando bem preparado e disposto a qualquer situação da vida, deixando de lado suas ilusões e se confrontando cada vez mais com a realidade como é.

Por isso pode acabar sofrendo solidão imensa, ao conseguir identificar com mais profundidade as intenções das pessoas, e por vezes começa a ser mais franco e sincero e pode ser considerado inadequado. Passa a ouvir pessoas, passa a dar ajuda, e, conseguintemente, acaba restando pouco espaço para diálogo sem hipocrisia social. Nisso o terapeuta pode se isolar, e só conseguir manter um diálogo com outros terapeutas ou com quem já passou por algum tipo de analise.

Acredito nessa parte que não somente o terapeuta, mas o estudante de psicologia passa por esse processo durante a graduação.

E a partir desse momento, estamos presos numa armadilha onde estamos afetivamente preparados e cada vez mais aberto para a relação com as pessoas em geral, mas cada vez mais cresce a dificuldade de conversar com as mesmas. Isso pode propiciar, portanto, isolamento e rótulos como louco, maluco, indiferente, grosso, etc.

Victor cita também a loucura dos terapeutas. O terapeuta que fica durante muito tempo em seu território – protegido por suas regras e normas, onde a franqueza e sinceridade são qualidades fundamentais – acaba não conseguindo se adequar ao ambiente social mais amplo, o que pode trazer grande complicação na vida normal.

REFERENCIA:

DIAS, Victor R. C. Silva, Victor. Psicodrama: teoria e prática. São Paulo: Ágora: 1987.

Psicólogo Clínico e Organizacional (CRP 06/119079), Abordagem Junguiana. Atendimento Online e Presencial (Itapeva-SP).