O filósofo inglês Francis Bacon (1561-1626) produziu sua obra Novum Organum(1620) em um contexto histórico de predominância da visão escolástica, cujos métodos e perspectivas eram teológicos, metafísicos e dedutivos. Neste contexto, os princípios da física e da lógica aristotélica dominavam as ciências.

Bacon expõe que estas perspectivas e métodos não culminaram no desenvolvimento das ciências nem em resultados práticos úteis à vida humana por permanecerem no âmbito das investigações abstratas e por não possuírem objetivos delimitados.

Por tal motivo, o autor aponta a necessidade de um novo escopo e método para as ciências (que substituiria o Organon aristotélico), e da reformulação da noção de “ciência”, bem como do conhecimento humano. Como objetivo, tem-se o progresso científico de tal modo que resulte em novas descobertas úteis à vida humana. O novo método, isto é, o método indutivo, é calcado na síntese entre a experiência e intelecto, na observação dos fenômenos e de suas causas, e tem como meta o domínio e o conhecimento da natureza para que o poder do homem se amplie. Todavia, deve-se ter em mente que tal reformulação das bases científicas liga-se, mesmo que indiretamente, à reformulação das bases da educação.

Segundo o que é mostrado por Bacon em sua obra Nova Altântida (1624), em convergência com o que é exposto na obra Novum Organum, o projeto de uma nova ordem para o conhecimento humano baseado no conhecimento científico converge com o projeto de uma nova educação, a qual também necessitava de novos métodos, objetos e finalidade. A função da escola passa a ser, pois, a de endossar a difusão deste modo de conhecimento, o qual, se unificado de modo devido, poderia ser alcançado por todas as crianças.

A relevância do papel da pedagogia nessa ampla reconstrução da vida humana se dá também pelo fato de que os ídolos – principais responsáveis da estagnação das ciências – podem ser expurgados da mente pela educação científica. Neste breve trabalho, primeiramente, discorremos, de modo genérico, sobre o cerne do método indutivo baconiano.

E elucidado o método, visamos expor as relações que este mantém com a educação científica, isto é, com a necessidade de reformular os moldes educacionais para que se dê efetivamente o progresso científico através da expurgação dos ídolos, a difusão do verdadeiro saber científico e a emancipação intelectual humana. Apesar de o filósofo não ter se voltado ao tema de modo direto, suas concepções implicam transformações em nível pedagógico, em seus métodos e finalidades.

São dois os livros que compõe o Novum Organum e ambos são integrantes de uma obra mais extensa e não acaba, a Instauratio Magna. Os dois livros do Novum Organum tem como conteúdos pesquisas de cunho epistemológico e metodológico, e tem por ponto de partida o estado do conhecimento filosófico e científico no contexto histórico do autor. Após esse levantamento, Bacon erige uma revisão crítica e reformula o conhecimento em seus aspectos metodológicos e conteudísticos.

A nova ordenação das ciências

Desta reformulação advieram, conforme aponta Gadotti(2005): a nova ordenação das ciências, bem como a diferenciação entre razão e fé para que não se dessem preconceitos religiosos os quais atrapalham a compreensão da realidade. Assim, Bacon visava ultrapassar e substituir os paradigmas escolásticos vigentes, os quais não auxiliaram o homem a alcançar o domínio da natureza. Por este motivo, dá-se a necessidade de um novo método para a produção de conhecimento útil à humanidade, necessidade esta originada na cultura renascentista:

“Vão seria esperar-se grande aumento nas ciências pela superposição ou pelo enxerto do novo sobre o velho. É preciso que se faça uma restauração da empresa a partir do âmago de suas fundações, se não se quiser girar perpetuamente em círculos com magro e quase desprezível progresso” (BACON, 2011, p. 85).

Segundo está exposto no aforismo acima, faz-se necessária a restauração das ciências a partir de suas fundações, e a tal restauração liga-se a educação científica devido à relação que esta guarda com a emancipação intelectual humana, conforme ficará evidente ao longo de nosso trabalho.

As ideias de Bacon, sua defesa da experimentação e do método empírico indutivo, lançam as bases para a ciência moderna em sua busca pelo domínio da natureza pretendendo conseguir o bem-estar para o homem: “Para o autor do Novum Organum, a ciência é uma ferramenta para a criação de novos conhecimentos que poderão ser usados para promover avanços, bem-estar e progresso para o gênero humano” (GALVÃO, 2007, p. 37).

O objetivo de Bacon foi ampliar o poder que o homem pode exercer sobre a natureza e tal só seria conquistado através do conhecimento da natureza, das causas dos fenômenos e com a utilização do método indutivo:“Pois bem, o império do homem sobre as coisas se apoia unicamente nas artes e nas ciências. A natureza não se domina, se não obedecendo-lhe” (BACON, 2011, p. 148).

Dada a equivalência entre o poder – sobre a natureza – e o saber – acerca da natureza –, nota-se que a natureza e o experimento passaram a ocupar o locus de fundamento para as ciências, para a vida intelectual:“E toda verdadeira interpretação da natureza se cumpre com instâncias e experimentos oportunos e adequados, onde os sentidos julgam somente o experimento e o experimento julga natureza e a própria coisa” (BACON, 2011, p. 93).

O método indutivo

Assim, este novo modelo de conhecimento, o método indutivo, apresenta a seguinte estrutura: tem como ponto de partida a investigação dos particulares para que se chegue às leis mais abstratas e gerais que os expliquem, depois alcança os princípios mais gerais e, através destes, retorna aos fatos e neles intervém. Bacon descreve o método indutivo da seguinte maneira:

(…) recolhe os axiomas dos dados dos sentidos e particulares, ascendendo contínua e gradualmente até alcançar, em último lugar, os princípios de máxima generalidade. Este é o verdadeiro caminho, porém ainda não instaurado (BACON, 2011, p. 84).

Fica claro que, em Novum Organum, o filósofo centra-se na fundamentação dos princípios que sustentam o método indutivo utilizado pela filosofia natural.

A indução baconiana é composta por uma parte negativa e por outra positiva: a parte negativa tem a função de remover os obstáculos da mente os quais são entraves ao conhecimento verdadeiro, isto é, visa expurgar os ídolos da mente humana; a parte positiva constrói os modelos para a interpretação da natureza utilizando-se das tábuas de descoberta. Passemos, pois, a uma breve explicação da teoria dos ídolos.

A teoria dos ídolos

Os ídolos remetem aos erros, ilusões e enganos nos quais o intelecto humano pode incorrer:

“Os ídolos e noções falsas que ora ocupam o intelecto humano e nele se acham implantados não somente o obstruem a ponto de ser difícil o acesso da verdade, como, mesmo depois de seu pórtico logrado e descerrado, poderão ressurgir como obstáculo à própria instauração das ciências, a não ser que os homens, já precavidos contra eles, se cuidem o mais que possam” (BACON, 2011, p. 88).

Bacon diferencia quatro espécies de ídolos:

1) Ídolos da tribo: estes são equívocos causados pelas limitações inerentes à espécie humana, e a educação pode tanto combatê-los quanto perpetuá-los e ampliá-los;

2) Ídolos da caverna: são erros originados nas limitações intrínsecas do indivíduo e podem ter a educação como uma de suas causas;

3) Ídolos do mercado: são os enganos originados na imperfeição e mau uso da linguagem nas relações entre os homens, desviando o homem do acesso à verdade. Como a educação usufrui da linguagem, pode ser uma das bases para tais ídolos;

4) Ídolos do teatro: são ilusões provocadas pelas teorias ou doutrinas filosóficas e científicas, são invenções as quais encenam a verdade.

Como a educação trabalha com diversas teorias, pode ser contaminada pelos erros encontrados naquelas. Assim:

A denúncia dos ídolos é um alerta no sentido de que é preciso estar atento às reais e possíveis falhas as quais estão sujeitas aquelas mentes que se dedicam à busca do conhecimento da verdade, razão pela qual a atividade intelectual não envolve, somente, a produção do saber, mas também a constatação daquilo que não representa o autêntico saber (BATISTA, 2010, p. 179-80).

Fica, pois, evidente que a educação científica assume um papel crucial neste contexto, já que pode ou auxiliar ou atrapalhar a emancipação intelectual ao moldar o espírito humano, levando-o à falsidade e ao vício(no primeiro caso) ou para verdade e a virtude(no segundo caso). Portanto, um projeto que tenha em vista a educação científica, deve ser composto por um trabalho metódico, efetivo e sistemático para a tomada de consciência da existência dos ídolos e travar com eles uma discussão.

É a partir desta consciência que se inicia a extirpação da ignorância humana, bem como a possibilidade de reforma em todos os níveis relativos à vida do homem (sociais, políticos, culturais, econômicos etc). O mesmo projeto proposto para a reformulação das ciências bem como de seus métodos envolve a reforma na educação, dado que esta propicia a (re)construção e a difusão do conhecimento científico ao ser responsável por dissipar a ignorância e expurgar os ídolos da mente humana, abrindo, assim, a possibilidade de uma visão crítica de tudo que até então fora aceito, tomado como verdadeiro e levando o homem aos fatos particulares, às novas descobertas, ao novo método científico.

Segundo Galvão, o antigo aspecto religioso ou metafísico da educação foi substituído por um aspecto concreto. A educação como ciência passa a representar um meio que visa um fim: o domínio do homem sobre a natureza, assim como se dá na ciência baconiana.

A educação científica e o método científico de Bacon preconizam o trabalho metodológico de registro dos experimentos realizados para aprofundar, ampliar o saber humano e manterem-se no caminho do progresso, e segundo o filósofo: “A nossa disposição é de investigar a possibilidade de realmente estender os limites do poder ou da grandeza do homem e tornar mais sólidos seus fundamentos” (BACON, 2011, p. 138).

Os objetos desta perspectiva pedagógica são os fenômenos da natureza, e assim como no método indutivo científico baconiano, deve encontrar o equilíbrio entre a prática e o conhecimento: “muito se deve esperar da aliança estreita e sólida(ainda não levada a cabo) entre essas duas faculdades, a experimental e a racional” (BACON, 2011, p. 127).

O mérito de Bacon incide, como se pode notar ao longo deste breve trabalho, em suas inovações metodológicas as quais abriram caminhos para a filosofia e ciências modernas; mas também incide, mesmo que de modo indireto, na importante perspectiva de que a educação deve se atrelar ao conhecimento científico, pois este é necessário à formação e independência intelectual humana: “Se os escritos de Bacon não enfatizaram a educação propriamente dita, não há de se negar, todavia, sua contribuição para a formação da consciência crítica do homem” (GALVÃO, 2007, p. 38).

Então, fica evidente a relevância atribuída por Bacon ao estatuto do conhecimento científico como condutor da vida individual e coletiva do homem, o que também se aplica ao meio pedagógico. A educação científica pode, pois, servir como uma das bases sólidas e molas que impulsionam as mudanças no campo do saber, haja vista que é um instrumento facilitador para a (re)construção e para a disseminação do saber científico ao exercer o papel fundamental de colaborar para a eliminação dos ídolos- o que leva à emancipação da mente humana e causa profundos impactos em todos os âmbitos da vida do homem.

Referências bibliográficas:

BACON, F. Novum Organum, ou verdadeiras indicações acerca da interpretação da natureza. Disponível em: SELL, S. Discurso Filosófico II: livro didático. Palhoça: UnisulVirtual, 2011.

BATISTA, G. A. Fracis Bacon: para uma educação científica. Revista Teias, Rio de Janeiro, v. 11, n° 23, p. 163-184, set/dez. 2010.

GALVÃO, R. C. S. Francis Bacon: teoria, método e contribuições para a educação.  Revista Internacional Interdisciplinar InterThesis, Florianópolis, v. 4, n° 2, p. 32- 41, jul./dez. 2007.

Michelle Vaz é graduanda em Filosofia