Neste texto, temos por objetivo introduzir de modo genérico o método fenomenológico proposto por Edmund Husserl (1859-1938), tendo como objetos específicos a definição e descrição da epoché husserliana, bem como seus desdobramentos e consequências com relação à construção de uma nova ciência e também de uma nova filosofia.

Husserl define seu novo modo de filosofar como uma ciência relacionada ao objeto intencional, o qual deve estar despojado de sua relação com a experiência. A preocupação central da fenomenologia husserliana é de erigir uma filosofia atrelada aos dados imediatos e inegáveis para, posteriormente, utilizá-los como embasamento para a construção de teorias. Como lema, tem-se o “retorno às próprias coisas”, isto é, “buscar coisas manifestas, fenômenos tão evidentes que não possam ser negados” (REALE, 2007, p. 554).

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Edmund Gustav Albrecht Husserl

Para tanto, deve-se ter em mente a necessidade da descrição dos fenômenos que se apresentam à consciência após a realização da epoché (ou redução fenomenológica) – ato de colocar entre parênteses as nossas convicções filosóficas, resultados científicos e convicções oriundas de nossa atitude natural (que nos impõe crenças). Faz-se, então, imprescindível a suspensão de juízos sobre o que não é evidente e incontrovertido a fim de alcançar dados que se mantenham após a epoché.

Durante a epoché, o resíduo fenomenológico é encontrado: a existência da consciência é evidente de imediato. Dada a evidência da existência da consciência, a tarefa do fenomenólogo é a de descrever os modos típicos – essências eidéticas – como os fatos e as coisas apresentam-se à consciência. Assim, a fenomenologia é definida como a ciência das essências voltada à descrição e análise das mesmas:

“Essências que se tornam objeto de estudo se o pesquisador, estabelecendo-se na atitude de espectador desinteressado, liberta-se das opiniões preconcebidas e, sem se deixar envolver pela banalidade e pelo óbvio, saiba ver e consiga intuir (e descrever) aquele universal pelo qual um fato é aquilo e não outra coisa” (REALE, 2007, p. 555) .

Logo, como objeto, o fenomenólogo possui as ideias universais, as essências as quais só podem ser alcançadas através de etapas sucessivas do método fenomenológico.

Para Husserl, a consciência é intencional por ser consciência de alguma coisa que se apresenta de maneira típica. Como função desta nova ciência, temos a análise destes modos típicos, temos o questionamento acerca do que a consciência transcendental concebe como essência de um certo objeto. Ao retornar às próprias coisas, como propõe Husserl, o fenomenólogo se depara como a realidade única, a consciência transcendental (“transcendental” enquanto o que está na consciência sem depender da experiência) a qual não necessita de nada para existir e que compõe o significado das ações, das coisas, das instituições e também do sentido do mundo.

Conforme nosso autor, há dois tipos de proposições: as proposições universais e necessárias, e as proposições advindas indutivamente da experiência. As primeiras são condições para a construção de uma teoria. Visando distinguir a intuição de um dado de fato da intuição de uma essência, Husserl toma por base os dois tipos de proposição.

O conhecimento inicia-se com a experiência de fatos e nos fornece continuamente dados de fato – a ciência também os tem por objetos. O fato é visto como algo contingente, todavia, ao se apresentar à consciência, juntamente a ele, esta capta uma essência. É deste modo que o individual é anunciado à consciência através de um universal: “Quando a consciência capta um fato aqui e agora, ela capta também a essência, quid desse fato particular e contingente que é o caso particular” (REALE, 2007, p. 560).

Deste modo, a essência é concebida como modo típico de aparecer dos fenômenos. O conhecimento desta é alcançado pela intuição eidética, ou seja, é um conhecimento diferente do conhecimento do fato, já que os fatos particulares são entendidos como casos das essências eidéticas. Entretanto, deve-se deixar claro que os fatos particulares são reais e que os universais são conceitos, objetos ideais que viabilizam a classificação, a distinção e o reconhecimento dos fatos particulares apresentados à consciência. Assim, a fenomenologia tem como objetos as essências dos dados de fato intuídos pela consciência, quando são a ela apresentados. A redução eidética é, portanto, a intuição das essências.

O importante, segundo a visão de husserliana, é descrever o que se dá à consciência, o que se manifesta nela e os limites de tal manifestação, a saber, o fenômeno. Destarte, tem-se o “princípio de todos os princípios” do método fenomenológico: toda intuição que apresenta alguma coisa originariamente é fonte de conhecimento; e tudo que se apresenta originariamente na intuição deve ser tomado como se apresenta e dentro dos limites em que se apresenta. Por conseguinte, visando encontrar pontos sólidos e inquestionáveis, coisas manifestas, apodíticas e indubitáveis  é que lança a proposta do método fenomenológico: a epoché ou redução fenomenológica.

Este método consiste, em seu primeiro passo, na suspensão dos juízos com relação às nossas pré-concepções, com relação às das doutrinas filosóficas, com relação às afirmações das ciências e, por fim, com relação a atitude natural, posto que não podem ser pontos de partida indubitáveis de uma ciência rigorosa: “O método fenomenológico de Husserl propõe-se estabelecer uma base segura, liberta de pressuposições, para todas as ciências e, de modo especial, para a filosofia” (BOCHENSKI, 1968, p. 2).

Deste modo, o método consiste em mostrar e esclarecer o que é dado imediatamente à consciência – ou seja, o objeto. A finalidade da epoché é o desocultamento do significado e da finalidade do mundo primeiramente para mim e depois para todos os outros sujeitos. A única coisa que resiste indubitável à epoché é a existência da consciência – o eu transcendental, ou ainda, o resíduo fenomenológico-, assim como o cogito resiste à dúvida metódica cartesiana.

Além do mais, Husserl toma a consciência por realidade absoluta: é uma realidade nulla re indiget ad existendum. É ela que constitui o mundo. A fim de extrair todas as características relativas à experiência do objeto intencional, o fenomenólogo elabora a redução fenomenológica. É através deste princípio que a fenomenologia husserliana tenta se fundamentar como ciência rigorosa que tem por objetos as próprias coisas como são.

Um dos mais importantes estatutos que Husserl atribui à sua fenomenologia é o de reduzir qualquer aspecto da realidade objetiva e que objetifica a consciência, o que possibilita a investigação fenomenológica do cogitar e também do pensante enquanto pensante. O cogito deve, pois, ser mantido como tal, sem estar atrelado às experiências.

Conforme afirma o filósofo, nas investigações empíricas, a experiência exerce grande influência sobre nossas crenças, o que não pode se dar na investigação fenomenológica devido ao fato desta se ligar à pura reflexão. Isto implica que, na investigação fenomenológica, a experiência não possui função. Por conseguinte, o investigador atém-se somente ao fenômeno da experiência tal como é em si mesmo, o qual pode ser alcançado pela pura reflexão. A descrição fenomenológica, como se pode notar, é realizada conforme a perspectiva da primeira pessoa para garantir que o objeto da consciência seja descrito como é experienciado pelo sujeito.

Para que a descrição fenomenológica do objeto seja adequada e completa, temos o segundo passo, a saber, a redução eidética. A existência do objeto – provocada pela persuasão de nossa atitude natural – deve ser colocada entre parênteses: “Desta forma, a epoché lança seu foco apenas nos aspectos pertinentes aos nossos atos intencionais e seus conteúdos que não dependem da existência espaço-temporal de um determinado objeto representado” (FATTURI, 2011, p. 27).

É evidente que há uma dupla determinação com relação à epoché, já que se dá, em primeiro lugar a epoché localizada (ou redução eidética) e, em segundo lugar, a epoché universal (ou redução transcendental). Como notamos, na redução eidética há a suspensão de um objeto particular. Na redução transcendental (cuja base é a doutrina da intencionalidade), o fenomenólogo deve colocar entre parênteses todo o mundo, ou melhor, a existência de todos os objetos concretos externos à consciência: “Como resultado desta última redução, nada mais resta do objeto além do que é dado ao sujeito” (BOCHENSKI, 1968, p. 3-4). A redução transcendental é, pois, a aplicação do método fenomenológico ao sujeito e aos seus atos.

As vivências intencionais – vivências de um objeto – são consciência de alguma coisa e relacionam-se intencionalmente com a coisa. Ao aplicar a redução fenomenológica às vivências intencionais: Chegamos, por um lado, a captar a consciência como um puro centro de referência da intencionalidade, ao qual o objeto intencional é dado, e, por outro lado, chegamos a um objeto que, depois da redução, não tem outra existência se não a de ser dado intencionalmente a este sujeito. “Na própria vivência, considera-se o ato puro, que parece ser, simplesmente, a referência intencional da consciência pura ao objeto intencional” (BOCHENSKI, 1968, p. 4).

A atitude do mundo natural é a aceitação passiva e cativa do mundo que nos cerca, de modo que não se questiona o modo como o nosso mundo é, não se questiona nossas crenças acerca de nossa percepção do mundo. Temos por garantias nossos corpos, cultura, diversas crenças e a lógica-o que é imanente ao ser humano, já que é aceito por todos.

Diante desta atitude, a epoché é o ato de consciência no qual esta imanência não é mais aceita. O conteúdo que permanece em todo ato da experiência e que é o objeto desta nova ciência é o substrato de toda experiência (o qual não necessita de atualização), permanecendo como objeto da consciência nas experiências reais e nas alucinações: este é o noema, essência eidética. Esta é a parte transcendental da experiência perceptual, é o fundamento constante em todo ato de consciência.

A redução fenomenológica é necessária, pois, para que se alcance o noema dos fenômenos, haja vista que a redução dos conteúdos de aceitação natural do mundo e suas determinações é condição sine qua non para que o objeto intencional da consciência seja contemplado pelo sujeito: “Para alcançar seu objeto próprio, o eidos, a fenomenologia deve praticar não a dúvida cartesiana, mas a denominada epoché. Quer isto dizer que a fenomenologia ‘coloca entre parênteses’ certos elementos do dado e se desinteressa deles” (BOCHENSKI 1968, p. 3); com o objetivo de voltar-se às coisas mesmas.

Referências bibliográficas

BOCHENSKI, M. J. A fenomenologia de Edmund Husserl. Tradução: Antônio Pinto de Carvalho, in A filosofia contemporânea ocidental, Herder, 1968.

FATTURI, A. História da filosofia V: livro didático. Palhoça: UnisulVirtual,

2011.

REALE, G. História da Filosofia: Do Romantismo até nossos dias. v.3 São Paulo: Paulus, 1990.

Michelle Vaz é graduanda em Filosofia