Resenha: AIUB, Monica. Como ler a filosofia clínica? Prática da autonomia de pensamento. 2ª ed. São Paulo: Paulus, 2010.

Livro: Como ler a filosofia clínica

Esse livro, como a autora afirma, pretende mostrar a filosofia clínica (FC) que, ao mesmo tempo em que foi pensada por Lúcio Packter como modalidade terapêutica, é uma extensão da filosofia que em seus 2.500 anos de história que em vários momentos intentou tratar de questões existenciais. Escrito em setenta páginas com doze breves capítulos, a linguagem do livro é um convite à reflexão e uma introdução fecunda a um conteúdo complexo apresentado de modo acessível não somente aos que não conhecem a FC, mas aos que não conhecem a filosofia em si. Além disso, Aiub suscita questões que podem ser pensadas pelo leitor que não conhece a filosofia em sua aplicação em consultório. Isso porque, como o subtítulo coloca, a FC intenta estimular a autonomia de pensamento. Portanto, mais do que uma exposição de conteúdo, a proposta é fazer pensar a própria vida.

Expomos abaixo o capítulo com seu respectivo título, seguido da apresentação do conteúdo em breves palavras:

1. Filosofia e vida cotidiana: uma relação antiga

Mostra que em sua gênese, a filosofia tratava de questões existenciais e que estas se desenvolviam no diálogo. Além disso, é uma atividade que gera desconforto por movimentar questões fundamentais do homem. A FC, portanto, é um resgate dessa forma de compreender a filosofia.

2. Questões existenciais 

Os problemas que um partilhante (como em FC se chama o paciente) leva para o consultório não devem ser resolvidos com fórmulas previamente prontas. Tal como uma questão filosófica, o problema precisa ser contextualizado. Do mesmo modo que um filósofo somente deve ser compreendido em seus textos dentro do contexto, tanto do autor quanto da história da filosofia, o partilhante deve ser compreendido em sua lógica interna e em seu contexto histórico e circunstancial. Somente a partir disso é que se faz possível pensar soluções.

3. Construção de conceitos e qualidade de vida 

Na esteira de Deleuze e Guattari para os quais a filosofia é criação de conceitos, a autora toma a ideia aplicada à formação do partilhante ao longo de sua historicidade. Pensando o partilhante e sua constituição ao modo de Heráclito, vendo o homem como em constante devir ou propenso a mudanças, abre-se a possibilidade de tomar antigos conceitos ou formar novos para que se possam trabalhar os problemas pessoais, dando novas formas à sua vida.

4. O conceito de clínica

Distinguindo clínica científica da clínica médica, a autora pensa a primeira como aquela que está voltada para delimitação do problema a ser tratado, enquanto a segunda visa a totalidade do paciente. Neste horizonte está Hipócrates, pai da medicina ocidental, para o qual a doença é basicamente um desequilíbrio. A FC parte da mesma perspectiva hipocrática em vista de pensar os problemas do partilhante em sua totalidade, reconhecendo elementos como sua história e circunstância.

Nos capítulos seguintes, Aiub apresenta propriamente a FC.

5. Filosofia clínica: de onde vem a ideia?

A FC foi criada pelo gaúcho Lúcio Packter, na década de 80. Formado inicialmente em medicina, ele constatou que havia problemas no hospital que não eram diretamente relacionados à doença, mas existenciais. Motivado a ajudar as pessoas nesse aspecto, Packter lança-se a pesquisa. Chega a conhecer a filosofia prática. Mas, desenvolve um método próprio. Partindo da anamnese (oriunda da medicina), Packter reconhece gradualmente a necessidade de um mínimo de intervenção para a colheita da historicidade do outro, na qual, aplicando Exames Categoriais, Estrutura de Pensamento (EP) e Submodos, conhecerá os problemas do partilhante contextualizados e significados por quem os vivencia. Aos poucos os filósofos da história foram acessados para o desenvolvimento mais amplo de sua metodologia, tal como está estruturada hoje.

6. Como funciona a prática da filosofia clínica? 

Alguém, por motivos diversos, procura um filósofo clínico. A princípio o partilhante é motivado pelo terapeuta a dizer o que o levou ao consultório. Essa primeira queixa é denominada Assunto Imediato. Em seguida, o filósofo pedirá que o partilhante conte sua história de vida. Intervindo o mínimo possível (agendamento mínimo) no relato, a história vai sendo contada de modo que o problema seja reconhecido em seu contexto – Exames Categoriais. Então, o filósofo clínico monta a EP, ou seja, reconhece o modo como a pessoa é. Também é nos Exames Categoriais e na EP que é confirmado se o Assunto Imediato de fato corresponde com o conflito do partilhante, Assunto Último. É importante frisar que não há diagnósticos prévios. Dado que o partilhante é sempre um caso singular, os resultados serão sempre singulares.

7. Eu sou normal? Por que parece que todo mundo pensa diferente de mim?

Em FC a singularidade é um conceito central. A partir dessa concepção, não há enquadramento em normas. Portanto, não há anormalidade. Qualquer juízo de valor por parte do terapeuta acerca de qualquer comportamento do partilhante ou divergência com o meio no qual convive é suspenso. Se o partilhante manifestar necessidade de se adaptar ao meio ou de mudar de ambiente, caberá ao filósofo ajudar a pensar opções e consequências de tais possibilidades. Na formação do filósofo clínico há a devida preparação para que, em casos de distúrbios químicos ou biológicos, o partilhante seja encaminhado a um médico.

8. Exames Categoriais: Como você se posiciona no mundo?

Os Exames Categoriais são a primeira parte dos procedimentos instrumentais da FC. Devido à plasticidade de cada singularidade, é atualizado constantemente. Assunto Imediato é a queixa inicial do partilhante. Assunto Último é o que de fato levou o partilhante a buscar ajuda. Circunstância é o meio no qual se vive: social, profissional, etc. Lugar é como se sente em cada ambiente. Tempo diz respeito ao como a pessoa vive o tempo objetivo (cronológico) e o subjetivo (kairológico). Relação é a constatação de como se dá as relações do partilhante consigo, com o próximo, com as coisas, animais e todo tipo de relações possíveis. Os Exames Categoriais são fundamentais para o bom andamento do acompanhamento clínico.

9. Estrutura de Pensamento: Como você é?

A EP é basicamente o reconhecimento da estrutura da pessoa, sua constituição. A autora postula que essa estrutura não é rígida e são diversos os elementos que a constituem e que a influenciam. A EP constitui-se de 1. Como o mundo parece; 2. O que acha de si mesmo; 3. Sensorial & Abstrato; 4. Emoções; 5. Pré-juízos; 6. Termos agendados no Intelecto; 7. Termos: Universal, Particular e Singular; 8. Termos: Unívoco e Equívoco; 9. Discurso Completo e Incompleto; 10. Estruturação de Raciocínio; 11. Busca; 12. Paixões Dominantes; 13. Comportamento e Função; 14. Espacialidade: inversão, recíproca de inversão, deslocamento curto, deslocamento longo; 15. Semiose; 16. Significado; 17. Armadilha Conceitual; 18. Axiologia; 19. Tópico de Singularidade Existencial; 20. Epistemologia; 21. Expressividade; 22. Papel Existencial; 23. Ação; 24. Hipótese; 25. Experimentação; 26. Princípios de Verdade; 27. Análise de Estrutura; 28. Interseções de Estrutura de Pensamento; 29. Matemática Simbólica; 30. Autogenia. A EP possui organização e movimentos singulares que varia a cada partilhante.

10. Submodos: Como você age? O Submodo é o modo como se viabiliza o que a pessoa é (EP). São movimentos feitos pelo partilhante para resolver determinados conflitos, ou simplesmente seu modo de agir de acordo com sua EP. No caso clínico, após colheita da historicidade, Exames Categoriais e EP, o filósofo pode propor Submodos já utilizados pelo partilhante ou ensinar novos, de acordo com a necessidade. São Submodos: 1. Em direção ao termo singular; 2. Em direção ao termo universal; o 3º e 4º foi escrito errado, vou apresentá-los já corrigidos e o erro foi basicamente a repetição respectiva do 1º e 2º; 3. Em direção às sensações; 4. Em direção às ideias complexas; 5. Esquema resolutivo; 6. Em direção ao desfecho; 7. Inversão; 8. Recíproca de inversão; 9. Divisão; 10. Argumentação derivada; 11. Atalho; 12. Busca; 13. Deslocamento curto; 14. Deslocamento longo; 15. Adição; 16. Roteirizar; 17. Percepcionar; 18. Esteticidade; 19. Esteticidade seletiva; 20. Tradução; 21. Informação dirigida; 22. Vice-conceito; 23. Intuição; 24. Retroação; 25. Intencionalidade dirigida; 26. Axiologia; 27. Autogenia; 28. Epistemologia; 29. Reconstrução; 30. Análise indireta; 31. Expressividade; 32. Princípios de verdade.

11. Movimentos existenciais: o que se busca no consultório de filosofia clínica?

Alguns pensam aristotelicamente que a “finalidade do ser humano é a felicidade”, outros erasmianamente que é “ser o que se é”, outros buscam apenas “perder-se na multidão”, e assim são algumas das diversas finalidades de um partilhante na clínica. O trabalho do filósofo clínico consiste em dominar a técnica, buscar estabelecer uma qualidade na interseção e construir com o partilhante um caminho próprio, seja ele qual for. Não há resultados prévios, somente singularidade. 12. Continuando a partilha… a autora propõe, por fim, uma abertura inconclusiva, próprio das obras filosóficas. Retomando tudo o que foi dito lembra que, mais do que o domínio da técnica, o vínculo do filósofo clínico com o partilhante deve ser da amizade ao saber e ao outro e a possibilidade de trazer pra si a riqueza da FC em prol da vida.

No fim de cada capítulo a autora dispôs de um questionário que visa “tirar o leitor de seu conforto” e lançá-lo na atividade da reflexão sobre si. A resposta, evidentemente, é deixada a cargo do leitor. Como a FC ensina: cada leitor é uma singularidade e, para cada pessoa, cabe uma resposta singular.

Essa obra constitui-se como uma introdução geral à FC. Os elementos apresentados de modo acessível para um grande público faz jus a finalidade dessa abordagem terapêutica: auxiliar o partilhante em suas questões, sejam elas quais forem.

Entretanto, quando se fala em uma abordagem baseada em vinte cinco séculos de história do pensamento Ocidental, deve ficar claro que a abordagem da FC busca nas filosofias elementos que podem ser aplicados à prática clínica. Em outras palavras, quando se fala das categorias aristotélicas e kantianas, não se quer um acesso ao ser ou ao fundamento último; o mesmo se pode dizer da linguagem wittgeinsteiniana ou da filosofia da história de Dilthey; estas somente possuem validade para FC à medida que contribuem para a formulação da metodologia e na aplicação da compreensão do partilhante em sua complexidade singular a fim de auxiliar em suas questões existenciais.

Monica Aiub Monteiro é licenciada em Filosofia pela UNISANTOS, bacharel em Música pela UNESP, Pós-Graduada em Educação Brasileira pela UNISANTOS, Especializada em Filosofia Clínica pelo Instituto Packter, mestra em Filosofia pela UFSCAR e doutoranda em Filosofia na PUC-SP. Atualmente é professora de filosofia na UPM, professora titular do Curso de Especialização em Filosofia Clínica do Instituto Packter e dirige as atividades do Interseção – Instituto de Filosofia Clínica de São Paulo. É vice-presidente da APAFIC – Associação Paulista de Filosofia Clínica. É conselheira editorial da revista Filosofia, Ciência & Vida. (Fonte: Currículo Lattes).

Miguel Angelo Caruzo é bacharel (FSB-RJ) e licenciado (UCP-RJ) em filosofia, especialista em filosofia clínica (IP-RS/ITECNE-PR) e mestrando em Ciência da Religião na subárea da filosofia da religião (UFJF-MG).

Miguel Angelo Caruzo é bacharel (FSB-RJ) e licenciado (UCP-RJ) em filosofia, especialista em filosofia clínica (IP-RS/ITECNE-PR) e mestrando em Ciência da Religião na subárea da filosofia da religião (UFJF-MG).