“A linguagem criou a palavra solidão para expressar a dor de estar sozinho. E criou a palavra solitude para expressar a glória de estar sozinho” (Tillich)
Olá amigos!
Durante o meu doutorado, tive a oportunidade de estudar a obra de Paul Tillich. Tillich é considerado um dos mais importantes teólogos do século XX e suas definições de fé e sentido último – apesar de polêmicas – são muito interessantes para quem estuda psicologia da religião.
Ontem estava pesquisando alguns temas para escrever aqui para o site e encontrei esta magnífica citação do teólogo alemão no livro The Eternal Now, O Eterno Agora:
“A linguagem (…) criou a palavra solidão para expressão a dor de estar sozinho. E criou a palavra solitude para expressar a glória de estar sozinho”. Em inglês: “Language… has created the word ‘loneliness’ to express the pain of being alone. And it has created the word ‘solitude’ to express the glory of being alone”.
Etimologicamente, em português, tanto solidão quanto solitude vem do latim solitudine. No nosso cotidiano, passamos a usar sempre a palavra solidão e vemos muito pouco o uso da palavra solitude. Em inglês, a diferença entre solidão (loneliness) e solitude destaca melhor o conceito que Tillich está procurando descrever. Em alemão, igual diferença está presente nas palavras Einsamkeit (solidão – loneliness) e Alleinsein (literalmente, ser sozinho, solitude).
Temos que fazer estas diferenças, porque estar e ficar e ser sozinho ou sozinha não quer dizer necessariamente que será desagradável, certo?
Em muitos sentidos, encontramos verdade no ditado que diz: “Antes só do que mal acompanhado”.
Solidão – A dor de estar sozinho
A avaliação do que é agradável e do que é desagradável é sempre um julgamento de valor. E os julgamentos de valor são sempre muito individuais e também relativos a um momento específico do tempo. No final das contas, podemos dizer que vamos avaliar algo como agradável ou desagradável de acordo com o nosso desejo.
Por exemplo, imagine que você está caminhando pela praia e começa a chover. Se você não estivesse desejando a chuva, o momento seria avaliado como desagradável. Mas, se por um segundo você apenas sentir o que está acontecendo, e até desejar a chuva, a cena se transforma de desagradável para agradável.
Uma pessoa sozinha que deseja encontrar um relacionamento, possui um desejo – o desejo de ter a companhia de alguém. Deste modo, a solidão será facilmente ligada a uma ideia desagradável. Como quem diz: “Estou sem ninguém. Eu desejo estar com alguém. Logo, a solidão é ruim”.
Solitude – A glória de estar sozinho
Porém, o fato estar sozinho não precisa, de maneira necessária, ser associado a algo ruim. Podemos ficar sozinhos para colocar a cabeça no lugar, por os pensamentos em ordem, pensar na vida, apreciar uma paisagem, dançar sozinho no escuro…
De acordo com o dicionário Michaelis, a palavra solitude é um palavra de uso poético. A poética, por sua vez, remete tanto à produção de algo novo como à apreciação e criação da beleza. Ou seja, a solitude permite o tempo e o espaço e o silêncio para fazer o útil ou o belo. Também permite não fazer nada. Também permite desenvolver a espiritualidade, encontrar-se enquanto uma pessoa diferente dos demais e se aceitar como se é – independentemente da aprovação do outro (o problema sobre o qual conversamos no texto anterior – Dependência Emocional).
Uma característica presente na solitude e que não vemos uma referência frequente é a chance de ficar em silêncio. Afinal, a linguagem serve para nos comunicar. E, se estamos sozinhos, não precisamos nos comunicar. Portanto, a solitude torna viável o silêncio. E o silêncio quase sempre traz calma, tranquilidade e paz.
Conclusão
Este texto é um pequeno elogio ao lado positivo de estar sozinho, o que Paul Tillich chamou de solitude. Para uma sociedade extrovertida como a nossa, estar sozinho (e querer estar sozinho) é erroneamente associado com um problema. Como as pessoas que veem alguém ir no cinema desacompanhado e riem da solidão alheia.
Porém, o que há de mais delicioso na solitude é a liberdade. Quando estamos em uma relação, é inevitável ceder um pouco ali e um pouco aqui. Estou falando de todo e qualquer tipo de relação. Às vezes não queremos ir numa pizzaria, preferiríamos ter ido ver um filme, porém, cedemos para satisfazer a vontade de um amigo, de um parente, do cônjuge, do colega de trabalho.
Mas porque não ir ou fazer o que queremos, depois, sozinhos? Nada impede e é esta a sensação de liberdade, de poder ir e vir, e não precisar da aprovação de ninguém, da concordância de ninguém, ter espaço para ficar em silêncio e não ter quer ficar conversando sobre isto ou aquilo. A solitude é, portanto, uma oportunidade. Uma oportunidade de liberdade e de silêncio.
É importante não confundir a solitude com o isolamento total. Como dizia ironicamente Balzac, a solitude é ótima desde que você tenha alguém para contar que a solitude é ótima. Quer dizer, é difícil imaginar uma vida sem ter pessoas ao nosso redor. Contudo, porque não ter momentos maravilhosos consigo mesmo?
Este é ponto. O ponto que complementa o texto sobre dependência emocional. Assim, solitude é ser capaz de ser independente. Ainda que a independência dure uma tarde, um dia, uma viagem ou vinte minutos no chuveiro.
Para concluir, uma outra citação de um grande pensador: “Um homem pode ser ele mesmo apenas se está sozinho; e se ele não ama a solitude, ele não vai amar a liberdade; pois é apenas quando ele está sozinho que pode ser verdadeiramente livre” (Schopenhauer).
Veja também – Psicologia da Solidão – Introversão e Extroversão
Olá Prof. Felipe, Tudo bem? Como sempre nos presenteando com belos ensinamentos. Muito interessante esse olhar. Gostei desse trecho “Ou seja, a solitude permite o tempo e o espaço e o silêncio para fazer o útil ou o belo. Também permite não fazer nada. Também permite desenvolver a espiritualidade, encontrar-se enquanto uma pessoa diferente dos demais e se aceitar como se é – independentemente da aprovação do outro”. Muito bom!
Muito bem definido! Parabéns mais uma vez :)
Como sempre escrevendo graciosamente bem, amei o tema. Serei uma psicóloga tão boa quanto você. Você dá animo as pessoas que querem fazer psicologia ( incentivo, motivação), seus inúmeros conselhos e dicas, realmente obrigado!
Eu amei esse comentário! Muito bom mesmo! É sempre bom abrir meus e-mails e ter coisas boas para ler..rsrsrs
“Um homem pode ser ele mesmo apenas se está sozinho; e se ele não ama a solitude, ele não vai amar a liberdade; pois é apenas quando ele está sozinho que pode ser verdadeiramente livre” (Schopenhauer).
Excelente texto! Na verdade, eu nem sabia que havia a palavra solitude… acabei de aprender. Já comentei no texto sobre introversão e extroversão que gosto de ter momentos sozinha. Esse texto expressa bem o que sinto, pois isso não quer dizer isolamento. São momentos em que preciso ficar sozinha. Acho uma maravilhosa, p. ex., olhar vitrine no shopping sozinha, é tão bom, não sinto obrigação de entrar ou posso entrar e olhar com calma, gosto de fazer compras sozinha. Mas também adoro uma festa com amigos… uma viagem com a galera, e um cinema só comigo.
Olá Raquel,
Obrigado querida!
Seria interessante se fizéssemos mais este exercício de solitude: menos internet, menos TV, menos leitura… e um pouco mais consigo mesmo, não é?
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Olá Beatriz!
Obrigado querida!
Como já disse algumas vezes aqui, escrever é sempre também um processo solitário, ou melhor, de solitude. E é ótimo poder conversar depois e saber o que todos acharam! ;)
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Olá Rosi!
Schopenhauer é fantástico!
Infelizmente não tive muito tempo ainda para estudá-lo a fundo, mas existem livros dele que são relativamente simples como “A arte de escrever” e “A arte de ser feliz”.
Veja também este vídeo – http://videos.blog.br/schopenhauer-e-o-amor-um-guia-para-felicidade/
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Com relação ao seu comentário (Seria interessante se fizéssemos mais este exercício de solitude: menos internet, menos TV, menos leitura… e um pouco mais consigo mesmo, não é?) Sem dúvida! Já estou praticando. Abs,
Olá, adoro seus textos, gostaria de primeiramente lhe parabenizar pelo excelente trabalho e lhe sugerir que faça um texto na sua opinião com as melhores citações observadas por você durante seus estudos em Psicologia! Obrigado.
Olá Dennifer!
Obrigado!
Farei com certeza sim! Em breve!
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Olá Aline!
Obrigado!
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Olá Ana!
É uma palavra muito rara em português mesmo.
Fico muito feliz que tenha gostado do texto!
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Parabéns pelo belíssimo texto, escrito de forma clara, sucinta e bastante compreensível. Amei a citação de Schopenhauer!!! Eu já tinha sido apresentada à essa palavrinha doce: solitude, mas acredito que a grande maioria das pessoas, só conhecem a tão amarga “solidão”. Sucesso e adorei conhecer o seu trabalho!!! Abçs!!!
Olá Felipe!
Texto ótimo, parabéns!
A princípio eu estranhei bastante, me estranhei, parece que não tinha ainda me visto. Só vivendo a vida na correria, cheia de auto-cobranças e cobranças alheias…de repente, estou vivendo minha vida e é exatamente assim: tenho tempo, espaço e prazer em fazer o que gosto ou fazer nada; às vezes até a música atrapalha meu silêncio – percebo e desligo-a…
Solitude = liberdade. Vou ler Schopenhauer.
Abraço,
Malu
Olá Luciene!
É verdade!
A maioria das pessoas só deve conhecer mesmo a solidão…
Obrigado pelo carinho!
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Olá Malu,
Penso que é muito importante valorizar o silêncio. Temos sempre que redescobri-lo.
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Ola Felipe? Meu filho caçula, tinha oito anos à época, estava muito quieto sentado na cama pensativo e me saiu com essa:
(Eu) -Oi Dan, que cara de solidão é essa?
(Ele) -Não é solidão pai, é solitude…
(Eu) -Ahn??? Qual então é a diferença?
(Ele) -Solidão é se sentir só ( mesmo cercado de muita gente…) e solitude é estar sozinho comigo mesmo…
(Eu) -Cara, onde você aprendeu isso???
(Ele) -Andei pensando…
rsrsrrsrsrsrs Grande abraço.
Muito bacana Moisés! As crianças são mesmo incríveis! :)
Ola Felipe! Meu nome é Jania, gostaria de saber mais sobre “solidão e solitude,” qual livro você indicaria?
Oi Jania,
Pior que não tenho nenhum livro pra te indicar sobre esse assunto.
Me deparei com a palavra, achei estranha, ou que estivesse errada, pesquisei e achei você.
Descobri que estava em pleno momento de solitude rs.
Seu texto completou o momento, didático, completo e muito bem escrito.
Parabéns.