Todo dia acordo com uma sensação de sonho, um ranço de inconsciências. Se o sonho foi bom, ainda que não me lembre dele, sinto o corpo leve. Chego a sorrir sem saber o motivo, aliviada de alguma coisa que nem sei. E sigo assim disposta à alegria pelas próximas horas. Mas quando o sonho é ruim, os olhos ficam pesados, levanto arrastando meus fantasmas e os carrego dia afora, pendurados no pescoço. Sim, são fantasmas, eu não os enxergo, mas sei que estão ali. Passearam na minha noite, esfregaram culpas antigas na minha cara, enquanto se faziam passar por inocentes bolinhos sobre a mesa, ou um quadro borrado, preso na parede. Sonhos são assim, cheios de códigos secretos. Nossos fantasmas são mestres na arte do disfarce. Mudam de forma para não serem descobertos, e sabem como ninguém botar o dedo na ferida, ou satisfazer nossos mais secretos desejos.

Um mundo acontece enquanto durmo. Às vezes tenho raiva. De não entender, de não lembrar. Desses códigos quase indecifráveis, que desfilam sob meus olhos adormecidos e me fazem de boba. Minhas placas tectônicas movem-se a noite toda, eu acordo mansa ou em pleno terremoto, e nada sei do que houve. Há um burburinho dentro de mim que se cala quando acordo, e eu fico me sentindo uma criança querendo ouvir a conversa dos adultos. Paradinha, com o ouvido colado à porta dos meus pensamentos, mas nada ouço. Tudo me escapa. Aí o dia começa. Com essa porta aberta, mas em completo silêncio.Ah, um dia decifro esses mistérios. Desvendo essa historinha lero-lero que se repete em mim como um mantra, soando a ópera dramática, mas que de certo não passa de um pagode chinfrim. Desses que só sabe reclamar um desamor antigo, e que de tão ruim não sai da minha cabeça. Mas juro que um dia viro o disco. Descubro onde é que muda o raio dessa musiquinha chata e vou sonhar só sonatas de Beethoven! Sem letra nem nada pra tentar entender. Ufa, deve ser um sossego.

Kattlyn Pereira
30/setembro/2012

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