Como se sabe, a concepção kantiana da lógica não se afasta totalmente do psicologismo. Devido à importância dessa concepção, ela deve ser considerada tanto em si mesma quanto em seus impactos na visão de Charles S. Peirce acerca da definição da lógica. Temos por objetivo, neste breve texto, expor a concepção kantiana da lógica, bem como suas críticas ao psicologismo e, posteriormente, apontar as críticas feitas por Peirce àquela.

Kant teve suas ressalvas com relação à filosofia humeana e esse mesmo problema remete àquele sobre o psicologismo na lógica. Para Hume, em seu Tratado da Natureza Humana, a finalidade da lógica é explicar os princípios e as operações da faculdade do raciocínio e também o de explicar a natureza das ideias humanas. Em contrapartida, Kant concebe a lógica como não sendo derivada nem da psicologia nem de outra ciência empírica. De acordo com o filósofo prussiano, a lógica tem como função determinar como o pensamento deve ser em todas as suas aplicações. Percebe-se que se mostram os dois critérios kantianos: o critério da necessidade e da universalidade. É por esses critérios que Kant refuta a redução da lógica à psicologia, posto que a lógica é tida por ele como uma ciência racional segundo a forma, é o conhecimento que a razão e o intelecto possuem de si mesmos. Assim, o intelecto se conhece como objeto e como sujeito concomitantemente, pois os conceitos e as ideias utilizadas pelo intelecto e pela razão para a autoanálise são aqueles mesmos utilizados no conhecimento do mundo exterior. Cabe, pois, à lógica prescrever como ele deveria ser.

A lógica é concebida por Kant como uma doutrina normativa embasada em princípios a priori. Desses princípios, todas as regras e todas as provas destas regras podem derivar. A ideia de cálculo formal autossuficiente já circunda a visão kantiana. Esta ideia se faz fundamental para questionamento e crítica ao psicologismo. Em suma, a lógica para Kant é uma teoria normativa útil à crítica para a avaliação de todo uso do intelecto e da razão em geral, é uma ciência a priori das leis necessárias do pensamento com relação a todos objetos em geral. As generalizações a posteriori são contidas. A lógica é uma ciência do uso correto da razão e do intelecto segundo princípios a priori, de modo objetivo.

A refutação kantiana quanto ao psicologismo encontra seu fundamento na definição do conceito de lógica, pois neste há a visão normativa que o autor tem acerca da função da lógica e, devido a essa visão, Kant nega o psicologismo empirista e descritivista. Não obstante, o autor concebe a lógica como ciência das leis necessárias e universais da forma do pensamento, não se ligando à matéria do pensamento – conteúdo, significado.

Peirce também criticava o psicologismo na lógica desde 1865. Cassiano Terra Rodrigues (2013) aponta a crítica do norte-americano como a primeira que aborda o problema da lógica em âmbito semiótico, ou seja, no âmbito da linguagem formal. Peirce também é considerado o primeiro filósofo a superar o modelo mentalista de representação advindo da filosofia moderna. Em uma aula em Harvard, Peirce perpassa algumas definições de lógica ao longo da história da filosofia. A mais criticada por ele foi a definição de Stuart Mill de que a lógica é uma ciência das operações do entendimento. Para Peirce, a lógica não se relaciona com as operações do entendimento, atos da mente ou fatos do intelecto. A visão kantiana de lógica é adotada por ele e há um avanço com relação à mesma, posto que Kant não exclui totalmente a ideia de que as formas lógicas mostram conteúdos mentais. O autor aponta que a maioria dos lógicos apoia a distinção kantiana da ciência das leis necessárias do Entendimento e da Razão da ciência da pura Forma do pensamento em geral. Na primeira classificação, nota-se um certo fundo psicológico, na segunda, não. A primeira ciência possui duas faculdades, a saber, a Razão e o Entendimento; já a segunda toma o pensamento como objetos com formas. Peirce interpreta a visão psicológica exposta por Kant como aquela que só é realizada em pensamento e fica também evidente que a linguagem é essencial ao pensamento. A visão que não é psicológica diz que as formas são formas de todos os símbolos internos ou externos, e as formas só existem devido ao pensamento possível. O filósofo norte-americano afirma que a forma lógica já se encontra compreendida no símbolo. Em contrapartida, os psicologistas afirmam que a mesma só se realiza após o entendimento do símbolo.

Para Peirce, a definição que Kant elabora para a lógica não ultrapassa totalmente o psicologismo por conceber os símbolos como expressão ou produtos da ação mental, já que o pensar se inicia de maneira subjetiva para este. Após isso, considera-se o modo como os símbolos são relacionados e utilizados para expor o pensamento. Esses símbolos são objetos da lógica.

A concepção psicológica kantiana é aderida por Peirce e tem a direção do processo alterada, pois a lógica tem como objeto os próprios símbolos, independente dos sujeitos e do entendimento dos mesmos. O autor coloca que o caráter lógico pertence à forma – pertencente ao pensamento que a interpreta e também ao objeto a que ela pertence. A forma independe do modo como o sujeito pensa e determina-se pelo sujeito (Eu) e pelo objeto (Isso). Na lógica, não há distinção entre pensamento e símbolos, já que analisa os símbolos como objetos suscetíveis de serem compreendidos e pensados como objetos de um possível pensamento. O pensamento é tomado como um símbolo e a lógica a ele se aplica conforme ele é um símbolo.

Para o filósofo norte-americano, o significado encontra-se em palavras e também em outras representações materiais mesmo sem o entendimento e imaginação do sujeito. Assim, qualquer pensamento pode ser compreendido e estudado logicamente por estar expresso em alguma linguagem, isto é, se manifesta em alguma forma significativa. Fica claro, pois, que não há a obrigação da lógica ter início com o estudo de processos mentais internos e subjetivos. A análise lógica deve estudar os símbolos. Partindo desse ponto, pode-se alcançar o pensamento veiculado pelos símbolos e priorizar a possibilidade de compreensão, haja vista que esta possibilidade e também a de entendimento se dão pela forma do símbolo, posto que é ela que oportuniza a interpretação e o entendimento por servir de ligação entre as coisas e estruturar os pensamentos em função do que nos é apresentado no símbolo. Peirce toma a forma como a possibilidade de estruturar os pensamentos visando a correspondência desses com os fatos, visando que o pensamento represente o fato.

Pode-se concluir que, para Peirce, a lógica trata de representações mentais e materiais, aborda as condições necessárias para que alguma coisa seja uma representação. Ficam, pois, evidenciados os pontos de convergências e divergências entre o pensamento kantiano e peirceano e o modo como Peirce supera a visão psicológica ainda presente na concepção de Kant acerca da lógica.

Michelle Vaz é graduanda em Filosofia