“Ruim não é ter trabalho, ruim é ter que trabalhar”. Esta interessante frase é do personagem Sr. Madrugada, do programa do Chaves. Será que é possível gostar de trabalhar?

Sr. Madruga, personagem do programa Chaves diz Ruim não é ter trabalho, ruim é ter que trabalhar

Neste texto e no próximo, sobre o Ócio Criativo, falarei sobre o trabalho – como era, com foi e como está sendo hoje. E como a psicologia entende o trabalho.

A nossa cultura brasileira, formada de uma junção incrível de experiências coletivas passadas (pense na África, na cultura europeia portuguesa, na cultura dos índios de mais de mil tribos diferentes e depois na imigração de italianos, japoneses, alemães…) apresenta uma característica comum com a cultura mexicana, de onde provém o programa do pequeno Shakespeare, Chesperito, do México – o autor e personagem que interpreta o Chaves.

A semelhança entre a cultura mexicana e a brasileira é uma certa ideia de que trabalhar não é algo positivo. É algo que dá trabalho, algo que seria melhor que não existisse. O pior ainda é “ter que trabalhar”.

A palavra trabalho vem de tripalho, que era um instrumento de tortura medieval. Não é a toa a associação cultural com sofrimento. Mas foi justamente na Idade Média que surgiu uma nova concepção de trabalho que moldou e molda o nosso mundo contemporâneo.

Com a Reforma Protestante, iniciada por Lutero, Calvino, Zwinglio e outros, o trabalho é ressignificado. Devemos ser servidores do próximo, trabalhar para a melhoria da sociedade, os frutos do trabalho são dádivas divinas.

Isso rompe totalmente com a noção anterior, predominantemente católica, de que o trabalho era um castigo, uma interpretação corriqueira do Gênesis, em que Deus diz que o homem deverá se sustentar com o suor do seu rosto. Ou seja, o trabalho é suor, sofrimento e luta.

Como estava dizendo, a Reforma muda totalmente esta visão do trabalho como sendo igual a sofrimento. É necessário trabalhar e também é bom receber as dádivas do trabalho. Este novo modelo, este novo paradigma contribui para o surgimento do capitalismo, como aponta o sociólogo Max Weber, no livro “A ética protestante e o espírito do capitalismo” – livro que vale a pena ler.

Hoje em dia, nesse mundo extremamente rápido e tecnólogico, mesmo no Brasil podemos ver como estas concepções se misturaram. Existem lugares e Estados brasileiros em que o trabalho é valorizado. As pessoas trabalham muitas horas por dia e muitas horas por semana, quase não descansam – a não ser nos feriados e férias.

Em outras regiões ainda predomina mais a ideia de que o trabalho é um fardo, um peso, um problema. Interessante notar também que a palavra trabalho está presente na escola. Dizemos que temos que fazer um trabalho de escola. (Normalmente, nota-se um certo desânimo dos alunos para fazer o trabalho).

A questão é que o mundo mudou muito nos últimos cem anos. Se pudéssemos fazer uma viagem no tempo e fossemos parar em 1900 veríamos a diferença. Na época, a maior parte da população vivia no campo, trabalhando com agricultura.

Você consegue imaginar um mundo sem telefone fixo, tv, rádio, computador, internet, celular, tablets, sem carros, aviões?

Esse era o mundo há cem anos atrás!

De forma que nos últimos anos, ganhamos muito em tecnologia e conforto. E nas últimas décadas surgiu uma nova concepção de trabalho.

Não mais o trabalho difícil e cansativo que deveria ser tolerado para sobrevivermos. Não mais o trabalho como dádiva e submissão à vontade de Deus. O trabalho como criatividade.

Uma boa parcela da população mundial já trabalha com serviços, com criação, com criatividade. Por isso mesmo, vou escrever sobre o Ócio Criativo logo mais.