“Quanto mais tentarmos evitar a realidade básica de que a vida humana envolve dor, mais nós teremos que lutar contra a dor quando ela aparecer, o que vai criar ainda mais sofrimento” (Russ Harris).
Olá amigos!
Uma das mais recentes e inovadoras abordagens da psicologia é chamada de Terapia de Aceitação e Compromisso. Em inglês, Acceptance and Commitment Therapy ou, simplesmente, ACT. Criada pelo psicólogo americano Steven Hays e desenvolvida por outros como Kelly Wilson e Kirk Stroshal, a ACT vem se desenvolvendo no mundo.
Um dos maiores divulgadores é Russ Harris, médico australiano e autor de alguns dos melhores livros para começarmos a entender mais sobre esta nova linha. Neste texto, utilizarei o livro de Harris, The Happiness Trap – a armadilha da felicidade – para compartilhar com vocês 4 mitos sobre a felicidade que, paradoxalmente, nos impedem de sermos mais felizes.
Definição de felicidade
Existem duas definições básicas para felicidade:
- Felicidade é um sentimento: um sentimento de prazer, gratificação, contentamento.
- Felicidade é ter uma vida significativa, ou seja, ter um sentido para viver, fazendo o que realmente importa em nossos corações, indo em busca de objetivos que consideramos válidos e importantes.
Em inglês, a palavra hapiness é totalmente ligada, em seu campo semântico, com happy. Assim como aqui, em português, usamos felicidade e ser feliz ou estar feliz. Porém, em inglês, happy também possui a conotação de alegria. De toda forma, nas duas línguas encontramos o significado da palavra felicidade como uma sensação momentânea e como um sentido maior para a existência. Por exemplo, “eu estou feliz, alegre, agora” ou “eu sou feliz porque eu faço o que eu amo, porque eu tenho a sorte de conviver com minha família, etc”.
Entretanto, é muito comum a confusão dos dois significados. Uma vida feliz, significativa – no segundo sentido – não será uma vida alegre o tempo todo. Uma vida significativa, uma vida de alguém que busca realizar-se, é uma vida que também conterá outros, senão todos, sentimentos. Se vamos em busca dos nossos sonhos, se queremos contribuir com a sociedade em que vivemos, certamente sentiremos tristeza, dor, descontentamento, raiva, e o que for porque a felicidade genuína não se trata de ter somente momentos agradáveis.
Creio que isso ficará mais claro ao vermos os 4 mitos da felicidade:
Mito 1: E viveram felizes para sempre
Contos de fada, filmes de Hollywood, romances frequentemente apresentam o que chamamos de final feliz: “e viveram felizes para sempre”. Há, neste tipo de pensamento, um pressuposto de que os seres humanos são naturalmente felizes. Nasceram já felizes ou, superando esta ou aquela dificuldade, serão felizes sem fazer nada.
Ora, se olharmos as estatísticas dos transtornos mentais, veremos que outro quadro se apresenta. 30% das pessoas apresentam um tipo de transtorno mental ao longo de sua vida. 10% da população adulta mundial está, hoje, diagnosticada com depressão. 25% das pessoas passam por fases de ter um determinado tipo de adição com drogas ou álcool. 50% das pessoas pensaram pelo menos uma vez, seriamente, em suicídio e 10% chegam a tentar.
Com este quadro, vemos que as coisas não estão muito fáceis. Mas, na verdade, apesar de todo o nosso desenvolvimento tecnológico (Harris diz que certamente uma pessoa de classe média vive melhor do que um rei do século passado), nós herdamos uma estrutura cerebral que, em sua evolução como espécie, teve que lidar com muitos perigos e ameaças. Consequentemente, quem sobreviveu e passou os seus genes para os seus descendentes, foram aqueles que melhor conseguiram prever problemas e dificuldades.
Esse é um argumento central na ACT. De certa forma, não é natural ser feliz no sentido 1. É normal ter um sistema de alerta, de luta e fuga, que prevê situações desagradáveis o tempo todo para se proteger. Porém, embora este sistema em nossos cérebros seja eficaz para perigos externos, é inadequado para lidar com os “perigos internos”, ou seja, com pensamento, sentimentos e sensações negativas.
Mito 2: Se você não é feliz, você tem um problema
Na psicologia e na psiquiatria, na medicina em geral, e, por derivação, na sociedade e cultura ocidental existe a compreensão de que o sofrimento é anormal. Afinal, qualquer dor é tratada com um analgésico ou droga mais forte. Mas não só no corpo. Especialmente o sofrimento psíquico é tido como um mal funcionamento do cérebro, como se diz, “falta um parafuso na cabeça” (senso comum) ou “falta a produção de uma substância química” (psiquiatria).
Para a ACT, passar por sofrimentos, físicos ou psíquicos, é algo absolutamente normal. Se você sofre uma decepção, é natural sofrer por ter passado por este processo. Contudo, isso não significa que não podemos aprender a lidar melhor com a dor, seja ela qual for. Este é o objetivo da ACT.
Mito 3: Para criar uma vida significativa, é preciso fugir de sentimentos negativos
Se pensamos que uma dor qualquer, por menor que seja, é anormal, nós faremos de tudo para evitá-la. Ao procurar evitar, sofreremos mais. Se aprendermos a lidar com o sofrimento e se compreendermos que passaremos por todo tipo de sensação e sentimento ao longo de uma vida – uma vida significativa – então conseguiremos entender o processo e conseguiremos lidar de uma forma mais adequada com o que acontecer.
Penso que o melhor exemplo de querer evitar um sentimento negativo está nos vícios de substâncias. Uma pessoa que usa uma droga, ainda que não saiba, tem a ideia da felicidade com o sentido 1. Emoções agradáveis que devem durar. Como o efeito de uma droga – prescrita ou não por um médico – é temporária, cria-se o ciclo do vício. “Não quero sentir como estou me sentindo… logo vou tomar isso, aquilo, aquilo outro….”
Mito 4: Você deve ser capaz de controlar o que pensa e sente
O quarto mito é de que deveríamos ser capazes de controlar o nosso estado psíquico. Se praticarmos meditação, Mindfulness, ou se procurarmos observar por alguns instantes os nosso próximos pensamentos, veremos que os pensamentos surgem a despeito do nosso querer. É preciso aceitar o fato de que temos muito menos controle sobre os nossos pensamentos e sentimentos do que gostaríamos.
A chave está em saber que, no que tange às nossas ações, é diferente. Podemos controlar as nossas ações e são as nossas ações que nos conduzirão a uma vida significativa e feliz (no sentido 2).
Conclusão
Estes quatro mitos compõe a base do que Russ Harris chama de a armadilha da felicidade. É muito comum observamos no consultório como as pessoas freqüentemente expressam estes quatro mitos. Por exemplo, um paciente pode dizer que, apesar de observar melhoras importantes em sua vida, não se sente o tempo todo feliz (alegre) e, portanto, crê que a terapia não está dando certo. Outro paciente pode achar que por ter este ou aquele pensamento negativo não está bem. Ou por estar sofrendo por uma perda, está doente.
Em outros textos continuaremos falando sobre a ACT.
Dúvidas, sugestões, comentários, por favor, escreva abaixo!
Gostei muito desse texto principalmente por essa explicação […] A chave está em saber que, no que tange às nossas ações, é diferente. Podemos controlar as nossas ações e são as nossas ações que nos conduzirão a uma vida significativa e feliz (no sentido 2). Prof. Felipe de Souza
Bom dia professor!
ACT ao meu ver se parece muito com o ensinamento deixado por São Francisco de Assis quando ele nos brinda com a chamada “A PERFEITA ALEGRIA”
Um grande abraço.
Sergio
Bom dia, Felipe!
Achei interessante essa nova abordagem, gostaria de saber mais sobre o assunto, sabe onde posso achar material?
te aguardo!
Abç,
Telma
Olá Felipe! Ótimo texto! Ótima reflexão! Continue postando sobre esta teoria. Gostei bastante e quero me aprofundar! Grande abraço!
Bom… faz 1 ano e pouco que pedi, mas pedirei novamente. Você poderia fazer um artigo falando sobre esquizofrenia paranoide? (Eu sei que eu poderia ler sobre isso apenas jogando no google, mas gostaria muito de ler um texto sobre o assunto aqui, gosto do jeito que explicam, fala sobre e tudo mais) Desde já, obrigada!
Felipe, seus textos são muito importantes p mim, sou estudante de psicologia e amo o q faço.Muito obrigada, Jacqueline.
Obrigado pelo texto Felipe, a ACT é minha linha teórica favorita em psicologia, e é sempre bom ler sobre.
Dr. Felipe de Souza, como uma mulher que tem sintomas psíquicos seríssimos, que desenvolveu o último estágio da dor humana, a depressão, pode-se livrar desse mal? Esta mulher já passou por diversos psicólogos clínicos, faz tratamento de anti-depressivos e tem altos e baixos, existem momentos de sua vida que está tranquila, tudo anda num caminho sem grandes preocupações, entretanto quando se depara com uma barreira na sua vida, logo se desespera, é autossabotadora de sua saúde emocional. Não tem controle sobre o que pensa e sente. Estou falando de minha irmã. Eu me preocupo com ela, por ser tão jovem e viver tão preocupada, tão triste com sua vida. Existe alguma possibilidade de ajuda num caso extremo como esse?
Aguardo ansiosamente por sua resposta,
Att.
Olá Mateus,
Sim, a depressão é uma doença clínica muito estudada, mas não existe um total consenso sobre as suas causas e, portanto, sobre a forma de tratamento mais eficaz. Geralmente, indica-se a terapia cognitivo-comportamental e, se preciso, o tratamento medicamentoso. A média de remissão dos sintomas é de 6 meses a 2 anos. Dependendo da pessoa, pode haver recaídas, devido a estressores. (Por isso a terapia é de extrema utilidade, para aprender a lidar com os estressores).
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Olá Professor,
É normal que uma pessoa com sintomas de depressão tente esconder ao máximo de pessoas próximas que não está bem e conseguir esconder isso?
Estou passando por uma situação em que meu namorado está nesse estado e a única pessoa que ele se abriu fui eu e ele me contou que fingi para todo mundo que está bem, mas que não consegue ser feliz. Depois dessa conversa ele pediu um “tempo” no namoro e disse que quer ficar sozinho, agora me trata como uma pessoa desconhecida e não quer conversar comigo.
Estou realmente preocupada, porque ele continua fingindo para as pessoas próximas e continua no mesmo estado depressivo pro trás.
Obrigado pela atenção !
Olá Mariane,
Sim, é possível e acontece com certa frequência até. Existem também tipos de depressão. Há um tempo atrás, falava-se em transtorno depressivo maior (mais “agressivo e visível”) e distimia (“mais leve, crônico”). A distimia é menos perceptível, até para a própria pessoa.
Nós temos um Curso sobre Depressão, em vídeo, se lhe interessar:
https://psicologiamsn20220322.mystagingwebsite.com/produto/psicologia-cognitiva-da-depressao-causas-e-tratamentos
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Oi Beth!
Veja aqui:
https://psicologiamsn20220322.mystagingwebsite.com/2015/10/esquizofrenia-paranoide-no-dsm-5.html
Telma,
Existem alguns livros publicados em português e também cursos sobre.
http://www.brasilmindfulness.com
Caro Felipe,sou um leitor voraz desse canal,entretanto venho observando uma certa tendência de “ocidentalização” de algumas filosofias orientais,mas especificamente o Budismo.De uns tempos pra cá aqui no Brasil,começa a virar moda a palavra “MINDFULNESS”,praticamente está se transformando em um substituto dos livros de auto-ajuda que já conhecemos ou lemos como “best-sellers”,e agora lendo esse artigo sobre ACT,considerada como a mais recente e inovadora abordagem da psicologia.Agora se observarmos mais atentamente não é exatamente oque Buda já falava há mais de 2500 anos passado sobre a ORIGEM DO SOFRIMENTO CONTIDOS NAS 4 NOBRES VERDADES??Onde ele mostra a causa do sofrimento e logo em seguida dá o “remédio” no caminho óctuplo???E Mindfulness???Não é a antiquissima meditação Vipassana também ensinada por ele ???Oque me intriga é por que escolher essa realidade??Quando se fala nisso ,se transforma em um grande “Tabu”…HÁ mais nós não estamos falando sobre religião,que fique bem claro!!!Vejo vários profissionais da saúde tentando se explicar…será que agora o termo Budismo ficou feio e obsoleto e o nome “Mindfulness” fica mais bonito e agradável para o grande público,ou por que não dizer,até melhor comercialmente,por abranger um público que não quer saber de religião????Gostaria caro amigo ,por gentileza se daria pra vc falar um pouco mais sobre isso em um artigo???Seria o primeiro a ler!
Sempre grato,
JJacob
Jjacob,
A sua pergunta é muito boa e muito pertinente. E suscita vários outras perguntas (ou respostas).
1) O budismo é uma religião?
Depende do conceito de religião. Se pensarmos em religião como religare (etimologia defendida por Santo Agostinho), o budismo não poderia ser considerado uma religião, já que não há religação com um ser transcendente. Na verdade, nem existe um eu para se ligar…
2) Mindfulness vem ou não do budismo
Depende do conceito de Mindfulness. Mindfulness é um estado psicológico de atenção plena ao momento presente, com abertura e aceitação. Um estado psicológico não é budista, certo? Faz parte da possibilidade humana estar atento ao presente. Porém, também falamos de MIndfulness como técnicas para atingir este estado. Na medida em que o budismo apontou técnicas meditativas e apontou a importância deste estado para o bem-estar, é natural certa associação.
Veja mais aqui – https://www.youtube.com/watch?v=0QgDXzV6OOc
Vídeo de um colega formado em Mindfulness
3) Diferença de Mindfulness e budismo (e tradições)
Apesar de que existem dúvidas se podemos ou não considerar o budismo uma religião, é natural que consideremos uma religião pelas crenças que não podem ser comprovadas, como, por exemplo, reencarnação, karma, etc. Dai chegamos à principal distinção.
Para praticar Mindfulness, e estar atento ao momento presente, não precisamos acreditar em karma, reencarnação, na iluminação do Buda, etc. Sabendo que estar atento ao momento presente traz benefícios físicos e mentais, podemos aprender e treinar como ficar mais neste estado sem ter que adotar todas aquelas crenças.
A Yoga é uma boa analogia. Existem estúdios e academias que dão aulas de Yoga. A ideia é promover o bem estar físico, o alongamento, controle da respiração. Para praticar e ter os benefícios não é preciso acreditar nos iogues da Índia…
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Caro Felipe,
Antes de mais nada,obrigado por responder ,vc é muito educado e gentil,
Como vc falou…tudo é muito relativo,depende de cada situação e da ótica(percepções e experiências) do observador,de quem tá vendo.Sendo assim ,tenho o conceito de religião como a tentativa de “re”-unir aquilo que um dia foi dividido,ou seja “re-união” de algo que um dia esteve reunido,mas não daquele “euzinho”(ego)e sim do “EU” em estado latente em cada um de nós!e não de dogmas e fundamentalismos estéreis que nos levam ha mais “des-uniões”,enfim…Mindfulness vêm ou não do Budismo?Caro Felipe…como foi muito bem colocado por vc…a PLENA ATENÇAO (MINDFULNESS)não é propriedade do Budismo e nunca foi,é um estado inerente a todo ser humano ,pois é algo latente em cada um de nós.Agora,talvez tenha muita influência do Budismo??Acredito que sim!Gautama o “Budha”histórico,era um exímio professor,e deixou uma didática fantástica,explicando passo-a passo o como se livrar do sofrimento e ser feliz(a verdadeira felicidade)ou “Nibbana”(mais conhecido como Nirvana aqui no ocidente)Vejo que todas essas metodologias aqui apresentadas atualmente pela psicologia moderna,a maioria têm uma profunda influência da metodologia deixada por esse Budha.Agora,aonde elas se diferenciam??acho que aí é que existe uma sutil e fundamental diferença.Quando Mindfulness pega a metodologia,ela entra direto na concentração(no budismo chamado de SAMADHI)onde o foco muitas das vezes é na respiração,pra depois fazer o escaneamento (PANNA no budismo)onde se passa a perceber as sensações,conexões mentais,etc..Aonde elas(Budismo e mindfulness)se diferenciam??No primeiro aspecto da metodoolgia budista chamado de “SILA” (A base da casa)onde SAMADHI E PANNA é construído.Lhe confesso que logo no começo tive uma rejeição a SILA(pensamento,palavra,ação e meio de vida correto)e que é representado para o leigo em 05 preceitos:Nao roubar,não matar,a fala incorreta,evitar abuso sexual,evitar se entorpecer com drogas.Achava um pouco tipo,os 10 mandamentos bíblicos,e tive um pouco de reação negativa inicialmente…até que um dia percebi que se eu n tivesse esses 05 simples cuidados ,minha concentração não iria se aprofundar,pensei:Como posso ter concentração drogado???como posso ter concentração se roubei ou peguei algo que n era meu???como posso ter paz ou concentração se estou tendo um caso com a mulher de um amigo???como posso ter paz e uma mente tranquila se matei alguém e a polícia tá atrás de mim????Passei a perceber assim a importância dos tais “05 preceitos”antes de qualquer coisa!!Então vejo com um certo cuidado e co reservas como determinadas empresas(pessoas)estão difundindo Mindfulness,passando por cima (ou talvez ignorando conscientemente)esse básico príncípio?(como falei no nosso 1 e-mail)talvez não seja comercialmente falando interessante falar de moralidade(SILA)por talvez espantar muita gente,como um dia me espantou…!então é isso…lembrando que é somente uma opinião e uma experiência pessoal,e gostaria assim de abrir essa discussão de uma maneira benéfica pra todos!!
muito grato,
JJacob