Perder uma pessoa querida é provavelmente uma das dores mais fortes que alguém pode ter ao longo de sua vida. Todos nós somos seres que dão significado à vida através das ligações que fazemos, ligações estas que, na psicologia, chamamos de vínculos. Quando um vínculo é partido, na morte ou no rompimento de uma relação amorosa ou de amizade, uma parte do sentido atribuído anteriormente se perde. Por isso, não raro ouvimos falar, após uma perda, que “a vida perdeu o sentido”.
Freud associou o luto à melancolia (hoje utilizamos o termo depressão). A diferença entre a depressão e o luto, segundo o pai da psicanálise, é que no luto não encontramos a autorrecriminação. Para ele, na melancolia – ou depressão – a pessoa tem todos os sintomas de uma pessoa em luto, e uma característica a mais, portanto, a autorrecriminação, ou seja, a pessoa recrimina a si mesma.
Assim, desde o início do século com os trabalhos do Freud, vemos que o luto esteve de certa forma ligada ao conceito de depressão. Como sabemos, a depressão é um transtorno mental. Dada a proximidade entre o luto e a depressão, seria o luto também um transtorno mental?
O DSM-IV e o DSM-5
A questão sobre luto no DSM-IV e no DSM-5 foi nos colocada por uma querida aluna do nosso Curso sobre o DSM-5. Para quem não conhece, o DSM é o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, criado há algumas décadas para unificar a terminologia sobre as doenças mentais pela APA, Associação Psiquiátrica Americana.
Veja – Curso DSM-5: introdução e principais modificações
Devido à hegemonia dos Estados Unidos, o DSM se consolidou como uma referência para o diagnóstico dos transtornos mentais em todo o mundo. Entretanto, com o tempo, diversas críticas foram feitas.
No início do nosso século, iniciou-se, então, um trabalho de reformulação de diversos transtornos, já a partir do DSM-IV e depois com o DSM-IV-R (revisado). Uma destas modificações foi justamente sobre o luto.
Na versão atual, DSM-5, publicada pela primeira vez em 2013 (em inglês) e em português (2014), há a recomendação para o clínico – psicólogo ou psiquiatra – não eliminar a possibilidade de diagnosticar uma pessoa que acaba de perder uma pessoa próxima com transtorno depressivo maior. Como disse acima, há uma profunda relação entre os sintomas da depressão e o luto. Razão pela qual uma pessoa em luto pode estar em depressão.
Em outras palavras, até o DSM-5, havia uma separação nítida entre o luto e a depressão. Havia uma regra que excluía o diagnóstico de depressão para uma pessoa em luto. Porém, apesar de diversas críticas, os autores do DSM decidiram retirar esta regra. E, portanto, muitos jornais noticiaram que um pai, por exemplo, que acabou de perder o seu filho há poucos meses poderia ser rotulado como “mentalmente insano”.
A ideia dos autores, ao retirar esta regra de exclusão, é justificada pelo fato de que um quadro depressivo pode ter diversas causas, inclusive a perda de uma pessoa próxima, de um animal de estimação ou de um emprego ou posse. Na verdade, a depressão pode ter tantas causas que ainda é uma grande questão dizer exatamente qual é a causa da depressão.
Por isso, o que esta ausência no novo manual tenta trazer é a possibilidade do reconhecimento de um quadro depressivo, durante o processo de luto, para que esta pessoa possa vir a ter acesso aos cuidados de um profissional capacitado.
Evidente que o luto é bastante determinado por fatores culturais. O DSM não deixa de reconhecer a determinação cultural. A preocupação dos autores vai na direção da não-negação do tratamento para quem vier a precisar, ainda que a possível causa do estado depressivo seja o luto.
A questão do tempo do luto
Na medida em que o luto pode ser a causa de um quadro depressivo (transtorno depressivo maior) e, na medida em que o diagnóstico para o transtorno depressivo maior inclui em um dos seus critérios o tempo de no mínimo duas semanas para a presença dos sintomas, existe a possibilidade de que uma pessoa seja diagnosticada como depressiva após duas semanas do acontecimento da perda.
Entretanto, é extremamente raro que uma pessoa em luto procure ajuda em tão pouco tempo, a não ser em casos muitos graves, que envolvam tentativas de suicídio ou psicose.
De toda forma, o tempo mínimo é questionável. Uma pergunta mais complexa é o tempo máximo que seria “natural” para uma pessoa ficar de luto. Alguns autores mencionam períodos que vão de seis meses a dois anos. Porém, estes números são incertos.
Uma questão que seria melhor de fazermos é a diferença entre o que uma pessoa vivencia em luto e o que vivencia em uma depressão.
Sentimentos na depressão e no luto
Uma diferença fundamental reside nas emoções. Uma pessoa em luto certamente sente dores e tristezas profundas, mas tais sentimentos são contrabalanceados com momentos em que a lembrança da pessoa querida é mais forte e, paradoxalmente, traz sentimentos de alegria e contentamento. Ou seja, a pessoa vivencia altos e baixos. Por um lado, chora a ausência e, por outro, ao se lembrar da presença, ri e até agradece a possibilidade de ter tido a oportunidade de conviver com aquela pessoa tão especial.
Já uma pessoa com depressão provavelmente não terá estes altos e baixos. Sua vivência tenderá a ser muito mais para “baixo”, para a tristeza, para a dor, para a falta de sentido ou vontade de fazer as coisas.
Além disso, os autores do DSM concordam com Freud quando este diz que o paciente deprimido, em geral, apresenta sentimentos de baixa autoestima.
Conclusão
A grande mudança entre o DSM-IV e o DSM-5 consiste na exclusão na regra que dizia que uma pessoa em luto não deveria ser diagnosticada como tendo transtorno depressivo maior. Esta mudança, embora tenha sido e ainda seja criticada, possui a vantagem de mostrar para os clínicos que um paciente em luto pode estar vivenciado um quadro depressivo que pode, inclusive, ser grave.
A ideia central é que este paciente que esteja passando por um luto e uma depressão – concomitantemente – possa ser atendido com o tratamento adequado.
Gostei muito de todos os textos que até hoje li. Inclusive, gostei muiito desse texto que explica a diferença entre depressão e luto, que para mim, ainda não estava muito claro. Muiiito obrigada Dr. Felipe, e que possas sempre nos ajudar postando, compartilhando conosco seus conhecimentos!!
Att: Ivanice Pivetta
QUERIDO FELIPE.
Como é bom esbarrarmos com profissionais que eliminam os esteriótipos arraigados na maioria de profissionais e estudantes. Nada como conhecer para se apoderar de críticas ou ideologias.
Texto extremamente pertinente e esclarecedor. Para quem quiser conhecer e/ou se aprofundar mais, indico sem dúvidas, o curso DSM V.
Abraços,
Val
Todos os textos que li foram ótimos, mas esse é sem dúvida o melhor. Amei!
MUITO BOM O TEXTO, ADOREI, PARABENS!!
Professor Felipe bom dia. a minha mãe esta assim alguns anos desde que a sua filha minha irmã morreu la se vão 6 anos, a minha mãe a três anos que esta com esta depressão . o que aconselha fazer. bernardeth
Olá Bernadeth!
Neste caso, um tratamento com psicólogo e/ou psiquiatra pode ajudar, ok?
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Obrigado Val e amigos!
Fico muito feliz que o texto tenha sido útil!
Há muitos estudos em psicologia que não conheço e este é mais um do DSM. Mas o curioso é o fato da ligação entre luto e depressão. Trabalhar a mente para as perdas na vida pode ajudar quem tem tendências depressivas.
Obrigado pelos esclarecimentos, mas continuamos ligados! Felicidades a todos e ao Prof Felipe!.
Excelentes suas colocações ,sempre nos ajudando e esclarecendo as dúvidas.Realmente nos alerta para atender as pessoas que estejam passando por uma situação de perda com a maior atenção à individualidade de cada caso .Grata e parabéns pela dedicação.com que compartilha seus estudos .
Professor Felipe de Sousa , Tudo bem? querido , gosto muito das suas matérias ! na medida do possível leio todas .
Querido existe algum lugar em SP que tem curso de psicanalista gratuito ? eu estudo psicologia e psicanalise com vc ,
porém quero fazer psicanalise . Obrigada por tudo Deus abençoe sua vida grandemente .
Hellen Ribeiro
Olá Hellen!
Obrigado!
Creio que será muito difícil encontrar um curso de psicanálise que seja gratuito. Talvez apenas fazendo um mestrado, ok?
De resto, as outras opções, em institutos de psicanálise e em cursos de pós-graduação lato sensu serão pagos.
Atenciosamente,
Felipe de Souza