Começar a entender a realidade da impermanência é começar a entender um dos mistérios da vida.
Olá amigos!
Dizem que o tempo existe para que tudo não ocorra simultaneamente. Como diz James Joyce no Ulisses, pensamos o tempo através do conceito de espaço, e pensamos o espaço através do tempo (embora esta última relação seja menos comum): são espaços de tempo – como em um calendário – e tempos de espaço…
“A very short space of time through very short times of space”…
Na verdade, é extremamente complicado definir o que é o tempo. De toda forma, uma definição intelectual seria apenas uma definição intelectual. Penso que o fundamental é compreender a natureza do tempo: a impermanência, a transitoriedade das coisas, a mudança incessante.
É como uma lei natural, por exemplo, a lei da gravidade: os fenômenos mudam com o tempo. Nós mudamos, os outros mudam, as circunstâncias mudam. Mas não é engraçado (e trágico) querermos que as coisas não mudem? Querer que tudo fique perfeito quando tudo está perfeito…
E não é engraçado (e trágico) a impaciência de não compreender que quando tudo parece dar errado, que isso também vai mudar inevitavelmente?
Portanto, a impermanência pode ser vista sob dois ângulos opostos: como terrível e como maravilhosa. Terrível quando vai contra os nossos desejos de que tudo o que parece perfeito continue perfeito e maravilhosa quando possamos confiar que o tempo vai continuar andando adiante e uma situação desagradável vai passar, porque não há como não passar…
Sobre o tempo mitológico
Saturno ou Cronos era o Deus do tempo. A palavra cronos está presente em nossa cultura, por exemplo, em cronologia e crônico. Saturno, por sua vez, também deu origem a derivações no latim, como a palavra saturnino, que significa sombrio, triste, melancólico.
Saturno na astrologia (que pode ser vista como um estudo da personalidade humana – veja aqui – O que a psicologia pensa da astrologia) tem relação com tipos de personalidades que são sérias, comprometidas e constantes, que levam as coisas como uma construção contínua, que exigem esforço e disciplina. Não raro, também há o significado de saturnino – como o elemento químico chumbo.
Bem, enfim, esta referência ao antigo simbolismo astrológico ou alquímico é apenas para dizer que o Deus Tempo, antigamente, era associado com estas características: disciplina, constância, um-depois-do-outro, mas também com a cronicidade de uma doença, de uma tendência ruim, de uma dificuldade. Por isso, o Deus Saturno foi ligado ao diabo, porque o tempo também pode ser incrivelmente mau ou irremediavelmente catastrófico.
Afinal, pensar no tempo remete a pensar na morte. E pensar na morte é pensar no limite do tempo. Consequentemente, a imagem de Saturno é o Deus com uma foice. (Que também é vinculado ao Deus da Morte na imaginação dos povos). A foice liga-se igualmente à colheita do que foi plantado nas estações anteriores. E, assim, curiosamente, há o paradoxo da fertilidade, do nascimento, do fim de um crescimento e da destruição, do colher significando ceifar, em suma, do fim, do limite, do derradeiro.
Então vemos como não é a toa que o pensamento no tempo (Saturno ou Cronos) tenha levado os antigos astrólogos e alquimistas a questões pouco populares. Ora, quem quer pensar no limite do tempo que tem? Este tipo de problema, filosófico e ético, foi trazido de volta à superfície no século passado pela filosofia existencial.
Até pouco tempo atrás, era comum ouvirmos falar de alguém que estava tendo uma crise existencial, o que provavelmente queria dizer que a pessoa estava enfrentando o dilema de uma escolha difícil ou simplesmente tinha se deparado com a própria finitude.
Tranquilidade, pois isso também vai passar
Paradoxalmente, todo o pensamento sobre o tempo que conduz as associações até o tempo limite (a morte), não precisa ser necessariamente trágico. Como vimos, não há como lutar contra o fato de que existe o tempo e que, existindo o tempo, os fenômenos (e nós) mudamos.
Aquele que não muda é aquele que já morreu como nos contos e filmes em que aparece o vampiro. O vampiro, que precisa do sangue – da vitalidade dos vivos – é justamente aquele que não se transforma. Que permanece com a idade que tem e por isso não muda. O que é interessante, psicologicamente falando, nesse tipo de fantasia é que a própria vida significa uma sequência ininterrupta de pequenas mortes. No nível celular, é o que acontece:
“Se você pudesse ver seu corpo como realmente é, nunca o veria repetir-se. Noventa por cento dos átomos de nosso corpo não estavam nele há três meses. De certa forma, a configuração das células ósseas permanece a mesma; no entanto, átomos de todos os tipos atravessam livremente as paredes celulares, o que significa que adquirimos um novo esqueleto a cada três meses.
A pele se renova a cada mês; adquirimos um novo revestimento no estômago a cada quatro dias com a renovação constante da superfície que entra em contato com os alimentos a cada cinco minutos; as células do fígado se renovam de modo mais lento, mas novos átomos flutuam tranquilamente através delas, como a água no leito de um rio, fabricando um fígado a cada seis semanas. Mesmo no interior do cérebro, cujas células não são substituídas depois que morrem, o teor de carbono, nitrogênio, oxigênio, etc. é hoje inteiramente diverso de um ano atrás” (CHOPRA, p. 64).
Conclusão
Este texto não seguiu um percurso muito linear. Foi mudado com o tempo…
O que eu gostaria de dizer, aqui, é que o tempo, a mudança, a impermanência é inevitável. Mesmo o nosso corpo está em constante modificação. Algumas partes menos, outras mais. Assim como o que acontece fora do nosso corpo, nas situações que vivenciamos.
No final das contas, podemos querer lutar contra o ritmo ou até querer que o tempo não mude ou as coisas não se transformem. Só não é muito inteligente e nem traz felicidade, já que sofremos porque queremos que o que está a nossa frente mude logo (se for uma experiência negativa) ou não mude nunca (se for uma experiência positiva).
Como diz o provérbio: “não há mal que sempre dure, nem bem que se não acabe“. Começar a entender a realidade da impermanência é começar a entender um dos mistérios da vida.
Muito Lindo e completo o post, parabéns pela qualidade!! ;)
Obrigado Tiago!
Fico muito feliz que tenha gostado!
Texto maravilhoso. Li neste momento e veio a responder uma pergunta que agora pouco, neste exato tempo, lancei a Deus. A resposta foi dado no seu texto. Obrigada, parabéns!
Acho que não vou cansar de lhe parabenizar Felipe!
Muito bom o texto!
Realmente, se parássemos de viver “O Tempo” e vivêssemos no Tempo, consegue riamos da passos firmes sem se preocupar com a constante mudança. Sendo ela satisfatória ou não…
Parabéns pela produção!
Que legal Karla!
Fico feliz que o texto tenha lhe ajudado!
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Professor não sei se você se lembra quando lhe pedi um site sobre Filosofia. Pois
eu encontrei no you tube é o “FILOSOFIA HOJE”. Muito bom! Agora você tem a informação caso alguém peça.
Adorei o texto acima. Existem poucas pessoas com tanta dedicação. Parabéns.
Gosto muito de tudo o que escreve, Professor Felipe de Souza, mas este seu texto (maravilhoso texto) vou imprimi-lo, para o reler mais e mais vezes. OBRIGADA!!!
Oi Maria!
Bacana!
Não conhecia esse canal.
Também descobri recentemente esse – Filosofia em Video
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Olá Maria!
Obrigado!
Fico muito feliz que tenha gostado do texto!
Atenciosamente,
Felipe de Souza
É impressionante este texto, Filipe! Parabéns ao seu intelecto. Tenho uma questão a lhe colocar: Acabei de ser mesmo um estudante de psicologia. Este é
o meu primeiro ano de licenciatura. Na cadeira de psicologia geral travamos um debate na turma. A questão que se coloca é: Qual é a diferença entre a sabedoria e a inteligência? Gostaria que escrevesse a cerca do assunto para me esclarecer melhor…
Felipe, você escreve lindamente. Gosto de todos os seus textos. Obrigada!
Olá Natal,
É uma questão de definir a palavra e o conceito. Em geral, inteligência é definida como a capacidade de resolver um tipo de problema ou lidar bem em uma área (por exemplo, ter inteligência espacial e saber jogar futebol ou ter inteligência na matemática e conseguir resolver cálculos). Se trata de uma habilidade que pode ser desenvolvida – apesar de que também podemos falar em componentes genéticos.
A sabedoria, em geral, é definida como a capacidade de saber resolver dilemas éticos. A história que me veio agora é a de Salomão, quando tinha que decidir quem era a mãe de uma criança (duas mulheres diziam ser a mãe). Ele diz: “Cortem a criança viva pelo meio e dêem metade para cada uma destas mulheres”. A que disse que preferia entregar a vê-la morta era a mãe.
Isso é bastante sábio, quer dizer, uma pessoa que consegue agir no mundo, com ética e justiça, e resolver dificuldades práticas. A sabedoria não implica necessariamente em conhecimento teórico. Muita gente simples e humilde é sábia e muitos doutores são bastante ignorantes…
Atenciosamente,
Felipe de Souza