Olá amigos!
Uma querida leitora nos pediu para escrever sobre assexualidade. Como tudo o que envolve a sexualidade humana, notamos diferenças significativas entre as pessoas. Enquanto algumas pessoas necessitam transar todos os dias ou quase todos os dias, outras pessoas podem passar a vida inteira virgens, sem terem conflito interno ou sofrimento e, mais importante, sem sentirem desejo.
A grande questão da assexualidade é, portanto, que não é necessariamente uma doença. Por exemplo, no DSM-5, o Manual Diagnóstico e Estatístico das Doenças Mentais da APA (Associação Psiquiátrica Americana), nós temos a seguinte definição de disfunções sexuais:
“As disfunções sexuais incluem ejaculação retardada, transtorno erétil, transtorno do orgasmo feminino, transtorno do interesse /excitação sexual feminino, transtorno da dor gênito-pélvica / penetração; transtorno do desejo sexual masculino hipoativo, ejaculação prematura (precoce), disfunção sexual induzida por substância /medicamento, outra disfunção sexual especificada e disfunção sexual não especificada.
As disfunções sexuais formam um grupo heterogêneo de transtornos que, em geral, se caracterizam por uma perturbação clinicamente significativa na capacidade de uma pessoa responder sexualmente ou de experimentar prazer sexual. Um mesmo indivíduo poderá ter várias disfunções sexuais ao mesmo tempo” (DSM-5, p. 421).
O que devemos frisar na definição é a frase: “se caracterizam por uma perturbação clinicamente significativa na capacidade de uma pessoa responder sexualmente ou de experimentar prazer sexual“. Entretanto, o aspecto fundamental é a pessoa apresentar um sofrimento clinicamente significativo. Como está definido em quase todo transtorno mental:
– “Os sofrimentos causam sofrimento clinicamente significativo ao indivíduo”…
Ou seja, o fundamental para o diagnóstico e/ou busca de um tratamento é o sofrimento. Evidente que em certos tipos de disfunção sexual, o sofrimento talvez seja mais do parceiro ou parceira do que da própria pessoa. Mas ainda sim, a ideia por trás continua válida. Há sofrimento e há, então, necessidade de buscar uma solução.
O que acontece com a assexualidade, em muitos casos, acaba não se encaixando nesse quadro. Existem pessoas que não sentem desejo sexual algum (por homens ou mulheres) e não sofrem com a ausência do desejo sexual. Entendemos esta ausência do desejo quando o indivíduo atinge uma certa idade.
Me lembro da biografia do fantástico diretor de cinema Luis Buñel. Ele dizia que para ele, um homem muito ativo sexualmente, foi um alívio ver o desejo cessar na terceira idade. (Claro que muitos idosos continuam ativos, o que não deve causar espanto ou representar uma anomalia).
Enfim, entendemos como de certa forma natural que o desejo cesse ou diminua com a idade, porém, temos certa dificuldade de entender a ausência desse desejo na adolescência e na fase adulta. E o critério da sexualidade ativa como normal pode dar ensejo à classificação como uma doença mental a falta do interesse. Vejamos no DSM-5:
Transtorno do Interesse / Excitação Sexual Feminino
Critérios Diagnósticos:
“A. Ausência ou redução significativa do interesse ou da excitação sexual, manifestada por pelo menos três dos seguintes:
1. Ausência ou redução do interesse pela atividade sexual.
2. Ausência ou redução dos pensamentos ou fantasias sexuais/eróticas.
3. Nenhuma iniciativa ou iniciativa reduzida de atividade sexual e, geralmente, ausência de receptividade às tentativas de iniciativa feitas pelo parceiro.
4. Ausência ou redução na excitação/prazer sexual durante a atividade sexual em quase todos ou em todos (aproximadamente 75 a 100%) os encontros sexuais (em contextos situacionais identificados ou, se generalizado, em todos os contextos).
5. Ausência ou redução do interesse/excitação sexual em resposta a quaisquer indicações sexuais ou eróticas, internas ou externas (p. ex., escritas, verbais, visuais).
6. Ausência ou redução de sensações genitais ou não genitais durante a atividade sexual em quase todos ou em todos (aproximadamente 75 a 100%) os encontros sexuais (em contextos situacionais identificados ou, se generalizado, em todos os contextos).
B. Os sintomas do Critério A persistem por um período mínimo de aproximadamente seis meses.
C. Os sintomas do Critério A causam sofrimento clinicamente significativo para a mulher.
D. A disfunção sexual não é mais bem explicada por um transtorno mental não sexual ou como consequência de uma perturbação grave do relacionamento (p. ex., violência do parceiro) ou de outros estressores importantes e não é atribuível aos efeitos de alguma substância/medicamento ou a outra condição médica.
Determinar o subtipo:
Ao longo da vida: A perturbação esteve presente desde que a mulher se tornou sexualmente ativa. Adquirido: A perturbação iniciou depois de um período de função sexual relativamente normal. Determinar o subtipo:
Generalizado: Não se limita a determinados tipos de estimulação, situações ou parceiros. Situacional: Ocorre somente com determinados tipos de estimulação, situações ou parceiros. Especificar a gravidade atual:
Leve: Evidência de sofrimento leve em relação aos sintomas do Critério A.
Moderada: Evidência de sofrimento moderado em relação aos sintomas do Critério A.
Grave: evidência de sofrimento grave ou extremo em relação aos sintomas do Critério A” (DSM-5, p. 433).
Características Associadas que Apoiam o Diagnóstico
“Com frequência, o transtorno do interesse/excitação sexual feminino está associado a problemas para experimentar o orgasmo, dor sentida durante a atividade sexual, atividade sexual pouco frequente e discrepâncias no desejo do casal. As dificuldades de relacionamento e os transtornos do humor também são frequentemente características associadas ao transtorno. Expectativas não realistas e normas sobre o nível “adequado” de interesse ou de excitação sexual, juntamente com técnicas sexuais pobres e falta de informações sobre sexualidade, podem também ser evidentes em mulheres diagnosticadas com transtorno do interesse/excitação sexual feminino. A última condição, assim como crenças normativas sobre o papel dos sexos, são fatores importantes a serem considerados” (DSM-5, p. 434).
Contudo, apesar de haver em certos casos a necessidade de classificar e diagnosticar a falta do interesse como estando relacionado a outros sintomas ou transtornos, é importante salientar o que vem escrito no DSM-5 na parte da prevalência:
“A prevalência do transtorno do interesse/excitação sexual feminino, de acordo com a definição apresentada neste Manual, é desconhecida. A prevalência de baixo desejo sexual e de problemas de excitação sexual (com e sem sofrimento associado), conforme a definição do DSM-IV ou da CID-10, pode variar substancialmente em relação a idade, ambiente cultural, duração dos sintomas e presença de sofrimento”.
Vocês devem ter notado que o transtorno é apenas feminino. E quanto aos homens?
Transtorno do Desejo Sexual Masculino Hipoativo
A. Pensamentos ou fantasias sexuais/eróticas e desejo para atividade sexual deficientes (ou ausentes) de forma persistente ou recorrente. O julgamento da deficiência é feito pelo clínico, levando em conta fatores que afetam o funcionamento sexual, tais como idade e contextos gerais e socioculturais da vida do indivíduo.
B. Os sintomas do Critério A persistem por um período mínimo de aproximadamente seis meses.
C. Os sintomas do Critério A causam sofrimento clinicamente significativo para o indivíduo.
D. A disfunção sexual não é mais bem explicada por um transtorno mental não sexual ou como conseqüência de uma perturbação grave do relacionamento ou de outros estressores importantes e não é atribuível aos efeitos de alguma substância ou medicamento ou a outra condição médica.
Determinar o subtipo:
Ao longo da vida: A perturbação esteve presente desde que o indivíduo se tornou sexualmente ativo. Adquirido: A perturbação iniciou depois de um período de função sexual relativamente normal. Determinar o subtipo:
Generalizado: Não se limita a determinados tipos de estimulação, situações ou parceiros. Situacional: Ocorre somente com determinados tipos de estimulação, situações ou parceiros. Especificar a gravidade atual:
Leve: Evidência de sofrimento leve em relação aos sintomas do Critério A.
Moderada: Evidência de sofrimento moderado em relação aos sintomas do critério A.
Grave: Evidência de sofrimento rave ou extremo em relação aos sintomas do critério A.
Conclusão
Existe um documentário muito interessante que mostra que no Japão é extremamente frequente que um casal tenha poucas relações durante os primeiros anos até terem um ou alguns filhos. Depois de 10, 20 anos, cada um vai para o seu canto e eles deixam de ter relações. O documentário se chama “O Império dos sem sexo” ou em algumas traduções “O império dos assexuados”.
Portanto, devemos levar em conta a idade em que a falta do interesse sexual ocorre. É diferente uma pessoa com 14 anos, com 34 e com 74… assim como a cultura na qual ela foi criada. Enquanto um país estimula a sexualidade, outro pode coibi-la fortemente. Mas o ponto central ainda continua sendo a presença ou ausência de sofrimento psíquico e, falando a partir das teorias psicodinâmicas, da repressão ou não do desejo.
Em outras palavras, em certos casos, notamos que o sofrimento não é clinicamente significativo não por não existir, mas sim por estar bem escondido. Porém, para o bom entendedor meia palavra basta… pois, como dizia Jung “aquilo que nos irrita nos outros pode nos trazer uma compreensão sobre nós mesmos”, vemos padres, sacerdotes, rabinos, pastores, monges que tem que ser celibatários e, assim apresentar comportamentos assexuais, projetarem o seu desejo sobre os outros.
Maria Louise Von Franz dizia que era fácil observar os padres que tinham conseguido superar os seus desejos (o que é raro) e os que não tinham. Como em uma missa o padre fala a partir de si, a sua ênfase na sexualidade e nas suas interdições era um sinal de que a sexualidade que ele reprimia em sua igreja era a sexualidade que ele ainda precisava reprimir em si.
Portanto, conclui-se que existem pessoas que são verdadeiramente sexuais, sem sofrimento, sem conflito, sem repressões. Se há sofrimento, conflito ou repressão isso pode ser tratado.
Algumas dúvidas finais sobre a assexualidade
É também preciso distinguir entre quem é celibatário e quem é assexual. Uma garota que se apaixona por um garoto mas permanece virgem até o casamento é celibatária. Não há relação sexual até que se case, porém há desejo. Uma pessoa assexual não procura relações sexuais porque não tem interesse em um sexo ou outro (embora possa fazer sexo eventualmente por uma série de motivos), ou se masturba sem pensar em nada.
Tipos de Assexualidade
Segundo o site assexualidade.org:
“A AVEN (Asexuality Visibility and Education Network) criou algumas subclassificações da assexualidade para tornar mais didática a percepção das diferentes formas com que ela se manifesta. A divisão básica se dá na forma da assexualidade romântica e arromântica, em que o assexual romântico seria aquele que pode se apaixonar e o arromântico seria o assexual que não tem interesse em relações românticas ou não sente amor romântico. Os assexuais românticos se dividiriam, ainda, em heterorromânticos, homorromânticos e birromânticos.
O sufixo “-romântico” é utilizado ao invés do “-sexual” para não confundir as subclassificações da assexualidade com as orientações sexuais tradicionais. Existiriam ainda os demissexuais, que são aqueles que se encontram entre a assexualidade e as outras orientações sexuais, sentindo atração sexual esporadicamente ou exclusivamente quando formam fortes laços afetivos e românticos com outras pessoas. Entretanto, essas classificações ainda estão em discussão na comunidade assexual brasileira, mas percebe-se que nem todos os assexuais se identificam com elas. E há um relativo consenso de que essas classificações são importantes em um plano didático, mas que não são essenciais na busca do autoconhecimento de cada assexual”.
Adorei o texto, Felipe! Mt obrigada! Gostaria de sugerir que você comentasse um pouco também sobre a maioria das mulheres que, após a vinda dos filhos, acabam desviando seu interesse no marido para os filhos. E muitas tem seu apetite sexual diminuído, o que muitas vezes pode ocasionar até mesmo a separação do casal. Porque isso acontece? O que pode ser feito para que isso não aconteça?
Olá Cristina,
Bem, temos que pensar neste caso também nas diferenças individuais. Pois os hormônios durante a gravidez e o aleitamento talvez diminuam o desejo (e talvez causem até repulsa a ter relações), porém, isso tudo varia de caso a caso e existem inclusive muitas mulheres que sentem o desejo aumentar. Mas biologicamente falando, seria esperada uma diminuição já que é preciso cuidar do recém nascido até cerca de 1, 2 anos.
Se não volta, é difícil dizer sem analisar os motivos individuais. Como os hormônios da paixão também duram nessa média (2 anos) não é raro que estejam relacionados com a diminuição do interesse pelo parceiro junto da necessidade cotidiana de cuidar do filho. Entretanto, os motivos podem ser psicológicos e extremamente individuais.
Mas mantendo o argumento do texto, o fundamental é perceber se há ou não sofrimento. Se há sofrimento, deve-se buscar ajuda.
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Ola Professor Felipe de Souza gostaria que o proximo assunto fosse sobre transtorno bipolar, compussivo, obcessivo
Felipe, que texto bacana! Esse tema que merece atenção e respeito. Abs,
Olá Angela!
Já temos alguns textos com esta temática.
É só procurar na caixa de pesquisa, ok?
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Verdade Raquel!
Olá Felipe!
Agradeço pela excelência do texto. Fala-se e divulga-se tanto a sexualidade que torna-se verdadeiramente importante vermos outros aspectos sobre o tema.
Muitas questões devem ser consideradas, como o meio, a cultura, os costumes de cada grupo social além dos fatores biológicos, como também mostrar outro olhar aos demais grupos. Também a prática sexual e a prática religiosa e seus dogmas já começam a ser revistos, bem lentamente, mas é um caminho de um longo percurso.
E de tudo que você escreveu, e ficou bem claro, é que se há sofrimento, deve-se buscar ajuda.
Obrigada mais uma vez pelos sábios esclarecimentos,
Malu
Olá Professor Felipe,gostaria muito que você me responde-se uma pergunta.Acabei de fazer 24 anos e tenho ejaculação precoce desde os 18 anos de uns tempos pra cá acabei
ficando sem nenhum interesse sexual ou sem libido(ou seja,Transtorno do Desejo Sexual Masculino Hipoativo) e o pior eu não sinto nenhum orgasmo mais,sendo que antes de eu ter ejaculação precoce era completamente normal.Há como eu voltar ao meu estado normal?
Ótimo site,continue assim.
Oi Professor Felipe de Souza onde encontrar a caixa de pesquisa?
Olá Malu!
Fico muito feliz que tenha gostado!
Acho muito interessante a frase do Lacan que diz que o sintoma é o sinto-mal. Se me sinto mal, tenho um sintoma. E um sintoma pode ser tratado.
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Olá João,
Veja aqui – https://psicologiamsn20220322.mystagingwebsite.com/2013/08/ejaculacao-precoce-problema-de-fundo-emocional.html
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Olá Aline,
Na parte superior da tela, há uma lupa do lado direito.
Ou você pode pesquisar assim:
Copie este link https://psicologiamsn20220322.mystagingwebsite.com/?s=psicologia
E substitua a palavra psicologia no final pela palavra que você quiser pesquisar. Por exemplo, posso pesquisar por Freud:
https://psicologiamsn20220322.mystagingwebsite.com/?s=freud
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Muito obrigada, Professor Felipe, pelo texto em resposta à minha pergunta. Muito interessante.
Olá Felipe !
Eu tenho uma dúvida. Tenho 18 anos, mas não consigo ter relações sexuais com meu namorado. Fico excitada, mas mal consigo deixar que ele me toque, eu não sei o que acontece, simplesmente não consigo. Poderia me responder se é algum transtorno? Acompanho seus textos, mas não consigo encontrar uma solução e/ou motivo.
Agradeço desde então porque através do seu site descobri muitas coisas sobre mim.
Adoro seu site ! ><
Olá Ellen,
Não é possível fazer uma avaliação desta forma. O ideal seria você consultar um ginecologista para ver, primeiro, se não há algum probleminha físico, ok? Se não houver, procure um profissional da psicologia em sua cidade.
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Olá professor,
Sou formanda de Psicologia e estudiosa da psicologia social e estudos de gênero, e também assexual, e gostaria de apontar algumas coisas. Existe também uma variação da assexualidade chamada Gray A (ou Área Cinza), que seriam pessoas que sentem desejo sexual esporadicamente ou pouco. Seria alguém não sexual, mas também não totalmente assexual, num espectro variável de pessoa em pessoa, e no seu artigo o senhor misturou com a Demissexualidade, que seria o desejo sexual somente por pessoas com quem há laços afetivos. Gostaria também de dar a dica de você explorar mais o lado social do sexualidade e assexualidade (na ótica dos Estudos de Gênero), que estaria mais ligado a Fenomenologia/Humanismo, assim como a definição de libido em si na visão da Psicanálise, e não só a visão médica disso. Obrigada
Olá Mariana!
Obrigado por complementar o texto!
Realmente não sou um especialista nesta área.
Caso queira escrever um texto para o site, estamos abertos, ok?
Meu email é psicologiamsn@gmail.com
Atenciosamente,
Felipe de Souza
existe algum texto que trata da castração sexual psicológica entre casais?
Ronaldo,
A psicologia pode ajudar sim no tratamento de transtornos sexuais, ok.
O tratamento pode ser feito individualmente ou como terapia de casal.
Atenciosamente,
Felipe de Souza