Olá amigos!
De tempos em tempos acontece de eu receber dúvidas e emails ligados ao mesmo tema. Nestes últimos dias tenho recebido perguntas que se referem a ofensas, xingamentos e críticas. Em resumo, como lidar com pessoas que são difíceis de conviver por sempre apresentar este tipo de comportamento?
Bem, evidentemente não existe uma resposta única para esta pergunta. Isto porque podemos até aprender a lidar melhor, de modo a não nos afetarmos (ou pelo menos não nos afetarmos tanto), mas, também não devemos ser ingênuos e aceitar passivamente. Em outras palavras, às vezes deixar de conviver – se possível – acaba sendo a estratégia mais adequada.
Palavras como sons vazios
Na filosofia existe a ideia de que as palavras seriam flatus vocis, vozes vazias, sons vazios. Se alguém te chama de um nome ofensivo ela está usando uma palavra para ofender. Como conhecemos português e, portanto, como o sentido atribuído àquele som foi aprendido, podemos nos ofender.
Agora, se alguém diz – Donaudampfschifffahrtsgesellschaftskapitaenswitwe – e você não sabe alemão, você se ofenderia? Provavelmente não, porque você não saberia o sentido daquela palavra e entender que a linguagem com seus sons é, em última instância, sons sem sentido nos ajuda a criar distanciamento.
Assim como uma palavra estrangeira não vai trazer nenhum sentimento negativo, uma palavra em português pode também ter o mesmo efeito. Porque uma palavra depreciativa ou agressiva, ao contrário do que dizem, não é como dar um soco, um murro, uma facada, um tiro.
Porque nestes casos há uma agressão do contato, enquanto que nas palavras existe uma relação muito mais subjetiva. Como aprendemos em redação, em uma comunicação temos o emissor e o receptor. E, embora o emissor tenho o poder de dizer isto ou aquilo, há um meio (que é a língua, no nosso caso, o português) e do outro lado há o receptor, quem está recebendo a mensagem ou para quem ela está sendo dirigida (o destinatário em um email ou carta, o ouvinte em uma fala, etc).
O X da questão é que não podemos – como ouvintes, como receptores – controlar o comportamento do emissor. Se eu estou ouvindo, não tem como eu querer que a pessoa fale do jeito que eu quero que ela fale. Se pararmos para pensar, veremos que é quase que uma loucura querer que a pessoa fale conforme nós falamos.
E, se embora não possamos controlar o que é dito, podemos sim controlar o modo como a mensagem é captada e recebida. Por exemplo, se eu peço uma informação quando estou em uma cidade desconhecida e a pessoa não me responde ou me responde sem nenhuma educação, o problema é dela. Eu não posso controlar o comportamento verbal dela.
Porém, a forma como eu vou reagir está sob o meu controle. Apesar de que reagimos quase que instantaneamente, existe um espaço de tempo – sempre existe! – para decidir se vamos agir também com grosseria, se vamos silenciar ou se vamos embora ou dar um abraço. Enfim, o que está sob o nosso controle é a forma como reagimos.
Quando alguém diz que uma ofensa é como uma facada, ela está dizendo uma metáfora. Como vimos, a fala é tão somente a emissão de um som por um aparelho fonador. Porém, como é impossível não entender uma língua depois que você a aprendeu, o som se transforma em sentido e o sentido é vivenciado como uma sensação corporal. E a sensação corporal, por sua vez, é sentida como agradável ou desagradável. No fim, quando reagimos, não estamos mais reagindo ao som mas sim à sensação corporal que é acima de tudo uma sensação temporária.
Alguém diz: “Você é burro” (um som)
Este som é ouvido. Se houvesse um ruído muito alto não seria e o processo seria interrompido. Mas se é ouvido, o som se transforma em uma informação mental. Burro. Burrice. Isto é uma ofensa. E, em questão de segundos, esta informação é vivenciada diretamente em sensação físicas: palpitação ou taquicardia ou náusea ou irritação ou desconforto aqui ou ali.
Segundos depois, a sensação é etiquetada como uma sensação desagradável. E, muito rapidamente, há a opção instintiva de lutar ou fugir. Lutar significa brigar, gritar, responder, querer agredir… e fugir significa correr, sair dali, passar mal e desmaiar, etc…
Som, sentido, sensação… tudo isso é muito transitório. Como surge em um momento, no momento seguinte não existe mais. Entretanto, como é típico, as pessoas tendem a reviver suas experiências. E se alguém disse “você é burro” e este dizer durou três segundos e acabou, quem ouviu consegue levar – se quiser ou sem perceber – estes três segundos como uma gravação a ser repetida centenas e centenas de vezes. E para quê?
O que foi dito, já foi dito. E é um problema e uma responsabilidade de quem disse. Não podemos controlar o dizer alheio. Mas podemos entender o processo como um todo e compreender que temos o poder de responder de um jeito ou de outro.
É como um apelido. Em uma sala de aula, um grupinho inventa um apelido para o gordinho da sala: baleia, Free Willy, bola. Se o gordinho não liga, o apelido não pega. Mas basta ficar irritado que o apelido cola por anos…talvez até pela vida toda…
Claro que em um mundo ideal as pessoas seriam mais amorosas e não fariam este tipo de brincadeira caso soubessem como isto marca. Porém, cada um de nós também tem o poder de aprender a reagir e a reagir melhor às palavras que ouvimos.
Ou seja, é necessário aprender que o poder da comunicação não está no emissor e sim no receptor. É na recepção que o sentido será sentido e vivenciado. Se não fosse assim, seríamos meros robôs a reagir conforme um comando externo.
Mas sei que é um longo processo para passar a entender de verdade o que aqui foi dito. Podemos aprender com uma série de técnicas que vão da meditação à psicoterapia ou análise. A vantagem é que somos testados com uma frequência que não gostaríamos e, portanto, temos bastante chance para aprender que as palavras são sons e que reagimos às sensações corporais. Entre o som, entre o sentido, entre a sensação e entre a reação existem espaços de escolha.
Conclusão
Tudo isso não significa ter passividade e aceitar tudo. Em alguns casos é preciso tomar medidas judiciais por dano moral, calúnia, difamação. Mas no dia a dia, nas relações com conhecidos, familiares ou amigos, temos muitas chances de reagir com mais amorosidade ao sofrimento do outro. Afinal, ninguém ofenderia, xingaria ou gritaria se não estivesse sofrendo.
Durante mais de 10 anos tive uma amizade difícil com uma pessoa muito carismática, extrovertida que agradava a todos. Essa pessoa era ótima para uma relação superficial. Mas como morávamos próximo, nos víamos com frequência e fui conhecendo seu “outro lado” agressivo, arrogante, que quando algo não a agradava, humilhava, colocava-se como superior. Eu reagia sempre. Então as coisas melhoravam por algum tempo, e as pessoas iam se afastando até que só ficou eu, confesso, por conveniência. Na última vez que fizemos um passeio, como se diz, ela foi grosseira diante de todos e eu senti que minha cota de paciência chegou ao fim. Foi como um luto, mas estou sentindo um alívio não conviver mais com essa pessoa. Tentei por muitas vezes conversar, mas o único jeito de me poupar dessa agressões foi me distanciar.
Resumindo “temos que respeitar o sofrimento alheio.”
Belo texto parabéns.
como lidar com as pessoas idosas ultrapassando conflitos
o que lhes devo dizer para que eles se sintam compreendidos
Concordo com a Maria de Carvalho Pereira. Passei pelo mesmo e acabei me afastando. Ninguem tem vocação para sofrer agressões frequentemente. O ser humano não foi feito pra isso. Abs.
Olá Augusta!
Penso que a primeira coisa é entender a fisiologia e a psicologia da velhice. Existe um livro muito bom da Simone de Beauvoir chamado A Velhice.
Em segundo lugar, acredito que o caminho é ter paciência e ouvir com atenção, lembrando que em muitas situações (especialmente de internação) é preciso muitas vezes fazer o que o idoso não deseja.
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Olá Felipe!
Estou “pelejando” para resolver esses tipos de conflitos. Sei que o problema sou eu, pois não tenho uma agressividade suficiente para resolver com as pessoas da família essas questões da forma que eu gostaria, com diálogo e com tempo tranquilo para elucidar ou chegar a um consenso de forma civilizada. Com o passar do tempo, e com o cansaço que envolvem esses tipos de situações, fui afastando-me e, atualmente, nem tenho mais sentimento amoroso nem desamoroso por eles. Muito triste essa situação, pois quando não se quer entrar na justiça contra um parente seu e ainda assim, mesmo que eu queira, em último caso, não tenho como provar para me defender…pois o fato passa-se exclusivamente na cabeça da pessoa, que ainda espalha como fofoca a todos os outros parentes e eu nem sei o porquê! O fato é que estou ficando até sem dormir, com raiva, sensação de impotência para lidar com a questão, tamanha a profunda tristeza que se me abateu. O melhor a fazer, penso eu, é declarar luto familiar, ou seja, minha família já não existe mais e fazer novos núcleos de amizade.
Abraços,
Malu
Olá Malu!
Te enviei email!
Abraços!
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Grata Felipe!
Abraços,
Malu
Prof. Felipe muito bom refletir sobre o por quê das agressões, desta forma olhamos para o agressor de outra perspectiva. Obrigada
Muito bom e importante este seu espaço! Compreender melhor a psicologia e suas coisas que tornam a nossa vida tão complexa…! Parabéns e obrigado pelo espaço! Gostei de seu texto e também achei interessante a conclusão do mesmo, na qual você diz que ninguém xingaria ninguém e tal se não estivesse ‘sofrendo’! Isso me instigou um pouco…! Você poderia dar uma rápida resumida nisso, nesse tal ‘sofriemento’… para me ajudar a compreender também tal coisa! Só para esclarecer, pois há anos eu tenho problemas com esses ‘sofredores’, que pasme, em seu ‘sofrimento’, mesmo como um ‘ser humano’ eles não me vêem com as coisas maudosas que falam! São indivíduos que se eu não posso dizer que são de má índole, eu diria que são de índoles um tanto duvidosas mesmo! Mas eu queria saber como essa lógica do xingamento ou ‘sofrimento’ se aplicaria aí! Então, você poderia me ajudar deixando uma rápida explanação a respeito?! Muito obrigado, mais uma vez parabéns pelo espaço, um ótimo domingo e sucesso!
É bem simples. Imagine alguém super feliz ou talvez alguém apaixonado. Você acha provável que essa pessoa perderia tempo xingando alguém?
é bem útil quando a gente simplesmente sai de perto do “agressor”, e eu já passei por isso. É ótimo. Resolve.
Entretanto eu tenho q resolver em mim agressões de gente da “família”. Eu tenho a infeliz tendência de “pegar” o que essas pessoas (loucas, diga-se de passagem) e ficar remoendo e imaginando o que eu vou falar da próxima.
E eu falo mesmo na próxima! Só que isso não é o fim de nada, isso continua. É uma competição. A pessoa fica bem assustada – eu assusto qdo estou no limite – e isso me dá certo prazer.
Mas…. as coisas continuam na minha cabeça… parece que eu quero mesmo é socar a pessoa até ela sumir no chão. Acho que tenho medo de imaginar que fiquei por baixo por não reagir…
Eu preciso parar de “pegar” tanto lixo…
Não importa quantas coisas erradas outra pessoa faça ou fale pra você, a unica coisa pela qual somos responsáveis é pela nossa reação.A minha reação quando a pessoa é importante para mim é falar abertamente oque eu sinto, que fico chateada com as ofensas,parte do outro se colocar no lugar e se esforçar pra mudar,quem ama respeita.