Olá amigos!
Em 1901, Freud publicou mais uma obra que viria a se tornar mundialmente conhecida: A Psicopatologia da Vida Cotidiana. Após publicar no ano anterior (1900), A Interpretação dos Sonhos, o criador da psicanálise expande as suas teses sobre o inconsciente para englobar comportamentos do dia a dia.
Se até então ele havia comprovado a existência do inconsciente, do desejo e da repressão (ou recalque) nos sonhos e nos sintomas dos neuróticos, o seu objetivo com esta obra agora é mostrar como o inconsciente aparece em erros e falhas cotidianas, os chamados atos falhos.
Veja também – Curso os Atos Falhos Freud – A Psicopatologia da Vida Cotidiana
Definição de Ato Falho
Em português utilizamos o termo ato falho para designar erros na linguagem (escrita, fala, leitura), erros de memória (esquecimentos) e erros no comportamento (tropeçar, cair, quebrar, etc) que são formações de compromisso entre o inconsciente e o consciente. Em inglês, estes erros ficaram conhecidos como Freudian Slips.
Em alemão, a língua de certa forma traz uma unidade entre esses erros através do prefixo ver-
Erros na fala (versprechen), erros na escrita (verschreiben), erros de leitura (verlesen), erros de memória ou esquecimentos (vergessen), erros no comportamento ou ações desastradas (vergreifen).
Tais erros não são apenas erros, falhas sem significado. Se investigarmos o porquê de acontecerem, veremos que – por um outro ponto de vista – o erro é um acerto. A famosa frase do pequeno Shakespeare (Chespirito), criador do personagem Chaves, expressa muito bem:
“Foi sem querer, querendo”.
Um ato falho foi sem querer (conscientemente falando) mas também foi querendo (inconscientemente).
3 Tipos de Atos Falhos
No livro A Psicopatologia da Vida Cotidiana, estudamos 3 tipos de atos falhos, portanto:
1) Atos falhos na linguagem (fala, escrita, leitura);
2) Atos falhos de esquecimento (falha na memória);
3) Atos falhos no comportamento (cair, quebrar, derrubar, tropeçar, etc), enfim, perturbações do controle motor.
Para ficar claro, vamos exemplificar os 3 tipos abaixo.
Atos falhos na linguagem
São os atos falhos mais conhecidos. Lembro que quando estava na faculdade de psicologia, um de meus professor contou que estava indo de ônibus até a faculdade, e ouviu de uma passageira que estava sentada atrás dele:
“Isso foi um ato fálico”…
Nesta frase, vemos que a pessoa trocou a palavra falho por fálico (pênis). Um erro na fala que se, formos investigar, encontraremos um significado inconsciente para ela.
Em uma apresentação na faculdade, no primeiro período, uma aluna estava falando sobre Freud (lê-se Fróide).
Ela disse: “Foi assim que o Fraude”…
Também teríamos que investigar porque a aluna considera o Freud uma fraude, mas é obviamente um exemplo de um ato falho.
Atos falhos de esquecimento
No Psicopatologia da Vida Cotidiana, Freud dá diversos exemplos dos três tipos de atos falhos. Logo no início, ele menciona e analisa um ato falho de esquecimento que aconteceu com ele mesmo. Visitando a catedral de Orvieto, ele se esquece do nome de o pintor dos afrescos. Ele procura buscar em sua memória, os nomes que aparecem são Botticelli e Boltraffio, mas ele reconhece que ambos não são o nome correto.
Uma outra pessoa lhe informa o nome: Signorelli e ele imediatamente reconhece-o como o nome correto. Analisando o porquê do esquecimento, ele vê que na conversa anterior falavam dos costumes na Bósnia e Herzegovina. O tema relacionado era da morte e da sexualidade. As palavras Herzegovina e Herr (senhor, Signor em italiano, Signorelli ), que estavam na conversa anterior interferiram na cadeia associativa e afetaram a sua memória.
Um exemplo mais simples consiste quando esquecemos de ligar para alguém. O esquecimento é um erro, mas se formos investigar a fundo a causa do esquecimento, veremos que seria como se “uma parte” de nós não quisesse realmente ligar.
Por isso, o ato falho é um erro, mas também um acerto (do ponto de vista do desejo inconsciente).
Atos falhos no comportamento
O último tipo de ato falho (vergreifen) é traduzido para o português como equívocos na ação. Como mencionamos acima, são perturbações do controle motor que, se analisados, nos conduzem também a uma formação de compromisso entre o inconsciente e o consciente.
No capítulo VIII da Psicopatologia, Freud nos dá o seguinte exemplo:
“Em anos anteriores, quando eu visitava o paciente a domicílio com maior frequência que hoje, ocorria-me muitas vezes, ante a porta em que eu deveria bater ou tocar a campainha, tirar do bolso as chaves da minha própria casa e, logo em seguida, tornar a guardá-las, quase envergonhado. Quando considero os pacientes em cujas casas isso acontecia, sou forçado a supor que esse ato falho – apanhar minha chave em vez de tocar a campainha – tinha o sentido de uma homenagem à casa onde eu cometia esse erro. Era equivalente ao pensamento: ‘Aqui me sinto em casa’, pois só ocorria em lugares onde eu me havia afeiçoado ao doente” (É óbvio que não toco a campainha da minha própria casa).
O exemplo do Chaves do “sem querer, querendo” quando ele bate no Senhor Barriga também pode ser considerado um equívoco na ação que possui um significado. Por um lado, ele realmente não deseja ser tão desastrado, por outro, talvez queira bater de verdade no dono da vila.
Conclusão
É importante notar que, apesar das diferenças entre os três tipos de atos falhos, ele possuem uma unidade na linguagem, pois não só os atos falhos linguísticos (fala, escrita, leitura) são erros deste tipo. Quando nos esquecemos de um nome ao ter que apresentar uma pessoa ou não lembramos de enviar um email, estamos vivenciando um conflito entre um traço mnêmico (um representante da pulsão ou um significante) e, igualmente, os atos falhos comportamentais são ocasionados por uma formação de compromisso entre dois significantes, um do lado do desejo e o outro do lado da repressão.
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Olá, esse ano entro numa faculdade para o curso de psicologia, que sempre quis fazer, porém, cada vez mais pessoas dizem coisas como: “Você tem que ser calma, se vai fazer psicologia”, “Vc tem que entender, se vai fazer psicologia”… Coisas ligada a minha personalidade “forte”. Digo que isso não tem nada haver com a profissão que amo e escolhi seguir… O que essas pessoas dizem estão certos?
Freud é fróida.
Olá Aline!
Veja aqui – https://psicologiamsn20220322.mystagingwebsite.com/2013/09/perfil-profissional-psicologos-estudantes-psicologia.html
Felipe, cada vez que leio um artigo do seu blog aprendo a enxergar as coisas de uma forma diferente. Sei que a psicologia e a psicanálise são áreas complexas porém, e na mesma proporção, são muito interessantes. Acho tudo isso instigante!
A forma tranquila que você passa a mensagem é muito bacana! Parabéns pela didática. Estou organizando o meu tempo para fazer os cursos a partir de fevereiro. Abs,
Obrigado Raquel!
Eu estou tendo alguns problemas com nomes de pessoas, na ocasião, confundi o nome do meu namorado, com o nome de dois outros rapazes que meu namorado sabe que já tive relação afetiva. Seria isso considerado um ato falho? E porque me vem a mente somente o nome de pessoas que já tive relacionamento?
Sim Bruna, seria considerado um ato falho. No nosso Curso, na lição 3, vemos o seguinte:
“O mecanismo do esquecimento de nomes (mais corretamente, de os nomes escaparem da memória, serem temporariamente esquecidos) consiste em que a pretendida reprodução do nome sofre a interferência de uma cadeia de pensamentos estranha, não consciente no momento. Entre o nome assim perturbado e o complexo perturbador existe uma conexão preexistente; ou essa conexão se estabelece, quase sempre de maneiras aparentemente artificiais, através de associações superficiais (externas). Entre os complexos perturbadores, os mais eficazes mostram ser os auto-referentes (ou seja, os complexos pessoal, familiar e profissional). (FREUD)
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Olá Felipe! Gostei muito do seu vídeo que me fez relembrar as aulas de psicanálise da faculdade. Gostaria de comentar um ocorrido da minha vida e que me suscitou ser um ato falho, mas não tenho certeza se foi mesmo. Um dia combinei com uma amiga de fazer uma caminhada e ela me buscou de carro em casa. Quando chegamos ao parque, eu saí do carro e bati a porta do mesmo, só que não fechou. Bati com pouca força. Então abri de novo a porta e pra bater com mais força. O problema é que nesta segunda tentativa eu coloquei a mão esquerda na beira da porta e juro, não vi que fiz isso! A porta quase quebrou meu dedo mindinho, pois prensou o dedo. Então fiquei pensando por que não bati a porta pra fecha-la na primeira vez e por que fui enfiar a mão na porta? Aparentemente um acidente bobo, mas parece que foi “premeditado”…rs. Fiquei totalmente sem entender o que aconteceu. Nessa época, lembro que eu passava por uma fase meio turbulenta na análise (fiz psicanálise por 3 anos e meio), e até hoje não sei o significado daquele “acidente”. Levei para a análise na sessão que se seguiu, mas falei uma vez e nunca mais lembrei de falar sobre isso com a analista. Este seria um ato falho no comportamento?
Olá Patricia,
Existem os atos falhos que são chamados por Freud de equívocos na ação (capítulo VIII do Psicopatologia da Vida Cotidiana). É um pouco difícil às vezes distinguir se é um erro ou um ato falho. Nem sempre um erro, evidentemente, é um ato falho. Mas quando o erro é um acerto sob o ponto de vista do inconsciente, digamos assim, então trata-se de um ato falho sim.
Por exemplo, logo no começo do Psicopatologia, Freud cita o caso de um ato falho de esquecimento no qual um homem esquece o nome de uma livraria. O nome da livraria – muito famosa – era muito próxima do nome de um cidade que ele tinha visitado há pouco tempo com uma mulher que estava gostando muito dele (ele nem tanto). Poucos dias antes de se esquecer do nome da livraria (e da cidade) ele tinha quebrado uma lembrança dada por ela, um souvenir. O fato de ter quebrado a lembrancinha da cidade foi um ato falho, porque ele estava inseguro se queria levar o relacionamento adiante e, deste modo, quebrando o objeto ele estava querendo “esquecer” dela.
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Olá, Felipe. Ingressei há pouco na graduação em Psicologia. Buscando algumas informações, por acaso e curiosidade encontrei seu texto. Gostei do seu estilo fluido e inteligível (coisas às vezes raras no meio psi…). Parabéns!
Olá Fernando!
Fico muito feliz que tenha gostado!
Olá Felipe, incrível como o seu jeito de explicar o conteúdo clareia e soluciona as minhas dúvidas, já venho a um bom tempo acompanhando este site e o acho excelente e estou recomendando a todos meus colegas. Neste momento me encontrava em uma dúvida que estava me deixando angustiado e qual minha professora de Introdução ao estudo do Inconsciente explicava porém não o suficiente para eu entender, acessei o site e consegui solucionar todas as dúvidas acumuladas que eu tinha. Então só queria agradecer e elogiar pelo excelente trabalho desenvolvido e que continue sempre melhorando.
Obrigado Augusto!
Fico muito feliz que esteja gostando do nosso trabalho! :)
Professor como perceber os atos falhos de uma criança de 9 anos?
Olá Angelica
Em tese não há diferença entre os atos falhos de uma criança e de um adulto. Talvez, a diferença consista em que a defesa (a censura ou o recalque) sejam menores na criança.
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Olá. Gostaria de saber se a seguinte situação compreende um ato falho, e, em caso afirmativo, o que esse ato significa sobre o inconsciente do agente.
Uma conhecida minha odeia um professor, e vive se queixando dele, pela complexidade de suas atividades e pela má qualidade das aulas. Todos os colegas de classe não gostam do professor pelos mesmos motivos. Um certo dia, no entanto, enquanto realiza um trabalho de casa proposto pelo referido professor – um trabalho complexo, diga-se de passagem, que a fez até chorar em determinados momentos -, ela diz “eu amo ele”, no lugar de “eu odeio ele”. Vale ressaltar que já houve até um episódio que essa conhecida se sentiu humilhada em sala de aula, quando o aludido professor a tratou de maneira “grosseira”.
Olá João,
Pode ser tanto um erro sem significado como um ato falho. A pessoa teria que associar o significado de “eu amo ele” para que fosse possível analisar o sentido, ok? Uma palavra é como um sonho, no caso dos atos falhos. A palavra é o conteúdo manifesto. Para chegarmos ao conteúdo latente, ao significado real, teríamos que analisar.
Mas é comum erros na linguagem que envolvem os contrários também, sem que sejam necessariamente atos falhos.
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Felipe, faço psicologia e só queria compreender melhor como faço para discernir um erro qualquer de um ato falho. Já que não são todos que tem um sentido oculto por trás desse lapso..
Olá Jhony!
A edição que tenho apresenta um bom resumo no capítulo XII, Determinismo, crença no acaso e superstições, logo no início.
“A conclusão geral que emerge das diversas considerações anteriores pode ser formulada nos seguintes termos: certas insuficiências de nosso funcionamento psíquico – cujas características comuns precisaremos logo adiante – e certos desempenhos aparentemente inintencionais, revelam, quando a eles se aplicam os métodos da investigação psicanalítica, ter motivos válidos e ser determinados por motivos desconhecidos pela consciência”
Para ser incluído na classe dos fenômenos assim explicáveis, o ato falho psíquico tem de satisfazer as seguintes condições:
a) não pode exceder certas dimensões fixadas pro nossa avaliação e caracterizadas pela expressão ‘dentro dos limites do normal’.
b) Deve ter o caráter de uma perturbação momentânea e temporária. É preciso que tenham excetuado antes a mesma função de maneira mais correta ou que nos acreditemos capazes de realizá-la mais corretamente em qualquer ocasião. Ao seremos corrigidos por outra pessoa, devemos reconhecer de imediato a exatidão da correção e a inexatidão do nosso próprio processo psíquico.
c) Quando chegamos a perceber o ato falho, não devemos sentir em nós mesmos nenhuma motivação para ele, mas antes ficar tentados a explica-lo pela desatenção ou ainda como uma casualidade. (FREUD, p. 243).
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Por exemplo quando vc troca um nome que tem o mesmo som e são nomes parecidos entra nesse mesmo exemplo que vc deu como nome que não são distintos? No caso paulo e thiago mais o qie eu quero saber quando trocamos nomes que tem o mesmo som. Por exemplo.
Quando o som é parecido pode ser apenas um erro ou, dependendo do caso, também um ato falho.
Muito interessante o texto explanado, as distinções e com os exemplos ficou muito mais fácil de entender, muito didático. Parabéns pelas ideias e o texto publicado.