Hans-Georg Gadamer (1900-2002) foi um filósofo alemão do século XX que impactou profundamente o pensamento ocidental com a publicação de sua obra Verdade e Método (1960). Nesta obra, uma hermenêutica filosófica é elaborada pelo filósofo, mas devemos ter em mente que Martin Heidegger exerceu grande influência sobre o pensamento de Gadamer ao trazer a historicidade para as reflexões deste, isto é, por apresentar uma “hermenêutica da facticidade” que se volta à investigação das estruturas basilares da existência factual.

Temos por objetivo expor, de modo geral, a perspectiva da hermenêutica gadameriana, bem como a centralidade, definição e estatuto do conceito de “horizonte de compreensão” com relação àquela. Outros conceitos são também abordados com um pouco mais de atenção, como: linguagem, compreensão, diálogo, phronesis.

O tempo é concebido por Gadamer (sobre a influência do pensamento heideggeriano) como “horizonte de toda compreensão, todas as teorias devem converter-se inelutavelmente em formações históricas, e isso afetará o núcleo da razão” (STEIN, 1996, p. 1). A compreensão é dependente e situada segundo nossa condição histórica e o objeto é compreendido pelo seu desvelamento durante seu dar-se para nós. É neste mesmo ato que nos compreendemos.

A compreensão se dá, pois, inserida em uma situação na qual já estávamos envolvidos, a saber, o pano de fundo histórico – haja vista que a compreensão é um efeito da história. Logo, o pensamento gadameriano define o termo “horizonte de compreensão” como um representante do conjunto de conceitos e crenças que temos ou que são erigidos por nós em nosso relacionamento e entendimento do mundo: não há como nos despojarmo de nossas vivências, de nossos preconceitos e pré-compreensões, sendo este horizonte de compreensão crucial à existência humana e a interpretação e compreensão do objeto.

O conceito de “horizonte de compreensão” aponta também na direção do resgate da importância da tradição e da autoridade na compreensão do objeto, refutando a radical crítica iluminista a ambas. Nossa vivência histórica reúne compreensão e interpretação. A vivência histórica é, pois, responsável por elevar nosso horizonte de compreensão conforme estendemos a consciência sobre o que se encontra além do que já nos é familiar. Gadamer expõe que:

“O conceito de horizonte deve aqui ser retido porque ele exprime a elevada amplitude de visão que deve ter quem compreende. Adquirir um horizonte significa aprender sempre a ver além do que está próximo, demasiado próximo, não para afastar o olhar, mas para melhor ver, num conjunto mais vasto e em proporções mais justas” (GADAMER, 1997, p. 327).

horizonte-de-compreensao

O conceito de horizonte de compreensão assume o estatuto, pois, de ponto de partida para a compreensão e interpretação conforme a determinação da situação histórica. Portanto, sua função crucial na hermenêutica vincula-se a conceitos de suma importância, como o de diálogo, linguagem, compreensão e fusão de horizontes – os quais serão explicitados e relacionados posteriormente. É deste horizonte de compreensão que partimos rumo ao objeto, através de nossos preconceitos que serão checados no embate com o objeto. Este conceito se liga à facticidade do homem enquanto ser no mundo, enquanto existente e ativo na construção infindável da história.

Ao ter consciência de que seu próprio ser é afetado pela história, chega-se à consciência hermenêutica. O ato de estar consciente do efeito da história denomina-se “consciência do efeito histórico”, a qual é o autoconhecimento acarretado pela situação hermenêutica. Neste sentido, a historiografia deve ser compreendida existencialmente, como inacabada, com relação ao papel ativo do homem como participante da história e ao incessante movimento da história. O homem pertence, pois, a uma realidade histórica, a qual faz sua visão de mundo do e sua possibilidade de conhecimento partirem dos preconceitos que o circundam. Como fontes da pré-compreensão, temos elementos da autoridade e da tradição.

Quando o homem tem consciência de estar inserido neste horizonte, a compreensão mostra-se como dinâmica, por se modificar no ato de negociação entre si-mesmo e o objeto compreendido. O horizonte de compreensão nos guia com relação à práxis (por isso a hermenêutica é vista como uma guia para práxis, como será exposto mais a frente) diante do que já compreendemos e do que buscamos compreender, diz-nos o modo de agir e interpretar e compreender o objeto – o que pode ser tomado também como uma das funções deste conceito diante da hermenêutica gadameriana.

Tendo em vista que a verdade absoluta não pode ser absorvida devido ao fato de que o mundo não se revela totalmente, faz-se de suma relevância o conceito de empatia: este aponta para a necessidade da fusão de horizontes de compreensão diferentes a fim de que o conhecimento das partes envolvidas seja aumentado, e que sejam ambas as partes direcionadas a uma nova verdade, cujo nível é mais elevado, embora não definitivo.

Há, portanto, a necessidade de ir ao encontro do outro para que a compreensão seja partilhada e para que o nível de entendimento seja ampliado, de forma que seja reformatado, aprimorado, reestruturado. Destarte, a compreensão exige uma fusão de horizontes e liga-se à criação de um novo contexto de significado: é neste que a reunião entre o que antes era familiar e o que antes era estranho ocorre. Como consequência, a compreensão é concebida como um processo de mediação e de diálogo entre o que é familiar e o que é estranho. Tal processo de envolvimento de horizontes é permanente. O horizonte é, conforme define Gadamer:

 “O âmbito de visão que abarca e encerra tudo o que é visível a partir de um determinado ponto. […]. A linguagem filosófica empregou essa palavra, sobretudo desde Nietzsche e Husserl, para caracterizar a vinculação do pensamento à sua determinidade finita e para caracterizar, com isso, a lei do pregresso de ampliação do âmbito visual. Aquele que não tem um horizonte é um homem que não vê suficientemente longe e que, por conseguinte, supervaloriza o que lhe está mais próximo. Pelo contrário, ter horizontes significa não estar limitado ao que há de mais próximo, mas poder ver além disso. Aquele que tem horizontes sabe valorizar corretamente o significado de todas as coisas que caem dentro deles, segundo os padrões de próximo e distante, de grande e pequeno. A elaboração da situação hermenêutica significa então a obtenção do horizonte de questionamento correto para as questões que se colocam frente a tradição” (GADAMER, 1997, p. 452).

A compreensão e a busca pela verdade se dão conforme nossas expectativas de sentido provenientes de nossa tradição – a qual sujeita-nos e possibilita a compreensão. Nota-se também a importância da fusão de horizontes de compreensão para que haja o diálogo com o outro.

O ponto de vista dialógico assumido pelo pensador embasa-se em elementos da teoria de Aristóteles e elementos da ontologia fundamental heideggeriana. Como objetivo, tem a rejeição do relativismo e do subjetivismo.

A hermenêutica teve seu espaço de atuação alargado com a concepção gadameriana de que o ser humano é um ser interpretativo. Isto implica que a hermenêutica se fixa como expressão do ser do homem, buscando uma hermenêutica filosófica que visa fornecer um embasamento para a compreensão. As características basilares da abordagem hermenêutica gadameriana levam à conclusão de que a linguagem é um médium de toda a experiência hermenêutica do homem.

“Toda formulação de sentido que o homem realiza encontra-se circunscrita pelo mundo da linguagem” (SANTOS, 2013, p. 96). Isto se justifica pela visão da linguagem como acepção de mundo e como trazer-à-fala os entes que compõe este mundo. A linguagem é também a responsável por expressar a relação fundamental entre homem e mundo, dado que o mundo é representado na mesma.

O encontro entre eu e mundo dá-se no plano da linguagem, sendo este o modo como acontece o entendimento: neste plano linguístico, o homem pode compreender ao outro e a si mesmo. Tal compreensão tem o diálogo como forma mais adequada; o diálogo compõe-se, pois, pelo falar e pelo deixar falar, pelo perguntar e pelo responder, o que garante que o outro não seja anulado e para que também não se auto anule perante o outro. Portanto, isto implica que um acordo seja formado, ou seja, um horizonte comum.

Gadamer propõe que a sabedoria prática (phronesis) possa ser alcançada pela hermenêutica da filosofia devido ao fato de que as condições para a deliberação mais acertada do homem e a vida conforme a exigência ética da abertura e também do respeito à alteridade são atreladas à hermenêutica: interpretar melhor a realidade e chegar a uma linguagem comum com os outros.

Desta maneira, é “Somente na experiência hermenêutica de abertura contínua ao diálogo e à vivência comum que se torna possível reorientar o homem em seu agir prático, conduzindo-o à compreensão de si e do outro” (SANTOS, 2013, p. 94). É na phronesis que o filósofo embasa, portanto, suas noções de “compreensão” e de “interpretação”. Esta sabedoria prática se liga sempre ao caso particular que se tem por objeto.

Gadamer relaciona os conceitos de dialogia platônica e de sabedoria prática aristotélico para iniciar sua construção de uma hermenêutica filosófica, como será explicitado nos próximos parágrafos – nos quais também apontaremos a relevância da linguagem para a hermenêutica gadameriana como um todo.

Os alicerces da hermenêutica levam Gadamer a notar a mediação necessária da linguagem, e, concomitantemente, levam-no a concluir dois pontos centrais. O primeiro ponto refere-se à linguagem como acepção de mundo, dado que é uma função existencial do homem “enquanto ser consciente do seu estar no mundo” (SANTOS, 2013, p. 89).

O segundo ponto refere-se à afirmação de que realização hermenêutica ocorre através do encontro de linguagem ante um acordo, isto é um logos comum. Neste encontro, ocorre a máxima expressão do diálogo. É neste momento que um novo horizonte é aberto ao existente.

É notório no pensamento deste autor a preocupação com a aproximação do outro, em sua alteridade. A realização desta aproximação se dá no diálogo, e é neste, por conseguinte, que o sentido buscado é aprimorado. O filósofo aponta a postura interpretativa como um “encontrar-se”, o qual ocorre na abertura à alteridade da coisa que se pretende compreender.

Assim, a experiência hermenêutica tem melhor expressão na linguagem assumida na forma dialógica. Busca-se, pois, a construção de um espaço comum no qual o ser se manifeste e possa ser interpretado pelo homem através de seu aparato conceitual. O encontro entre o homem e os entes acontece com o vir-à-fala destes: é no espaço dialógico que se deve buscar o acordo.

A concepção da linguagem como diálogo é estruturada na lógica da pergunta-resposta. É o diálogo que confere maior liberdade aos interlocutores e uma chance maior de que o ente venha-à-fala em seu ser. Eis o acontecer dialogal:

Faz parte de toda verdadeira conversação o atender realmente ao outro, deixar valer os seus pontos de vista e pôr-se em seu lugar, e talvez não no sentido de que se queira entendê-lo como esta individualidade, mas sim no que se procura entender o que diz. O que importa que se acolha é o direito de sua opinião, pautado na coisa, através da qual podemos ambos chegar a nos pôr de acordo com relação à coisa (GADAMER, 1997, p. 561).

Compreender e escutar o outro significa, em última consequência, um encontro de dois mundos os quais visam um correto acordo cuja construção advém conforme o acontecer do diálogo. Assim, o conceito de “fusão de horizontes” é definido como encontro de dois mundos. É nesta fusão que há a realização da compreensão, já que uma linguagem comum é criada quando a compreensão se realiza.

Deve-se ter em mente que esta é a condição para a conversação e também para o acordo: a coisa que se compreende deve vir-à-fala em seu próprio ser. A fusão de horizontes deve ser alcançada para que se alcance o ser próprio da coisa compreendida. É somente através da fusão de horizontes que se cria uma linguagem comum, a qual viabiliza a compreensão, o diálogo e o acordo.

Gadamer tinha por objetivo universalizar a hermenêutica ampliando os campos para o processo de compreensão: este não pode se dar somente nos estudos ontológicos, mas também nos mais diversos âmbitos do existir humano. A justificativa para tal universalização é a de que a experiência hermenêutica, que tem a linguagem como médium, se dá onde houver um ser humano.

O termo “compreender” é definido como possibilidade de se pensar e ponderar o que é pensado pelo outro; de modo que forme um horizonte comum entre os que se encontram no diálogo, já que reside ai a possibilidade da construção de uma vivência harmoniosa e do entendimento. Ao buscar pela linguagem comum, o homem encontra a si mesmo. A hermenêutica filosófica possibilita ao homem “no uso de sua racionalidade, encontrar-se aberto ao mundo e ao outro” (SANTOS, 2013, p. 96).

Para que esta finalidade seja alcançada, a linguagem deve assumir o estatuto de mediação.   Ao utilizar-se integralmente da linguagem como diálogo, chega-se ao acordo. A expressão do mesmo na vida prática é o agir que escapa à instrumentalização e dominação do outro, é um agir que leva ao entendimento, à formação de um horizonte comum e à unidade.

A hermenêutica gadameriana efetua-se pela mediação da linguagem. Ademais, a linguagem também é o cerne da compreensão entre os homens, e é devido a isto que os homens devem encontrar a linguagem comum que viabilize o verdadeiro diálogo, que respeita a alteridade do outro durante a experiência hermenêutica.

Neste breve trabalho, visamos expor, de modo genérico, alguns pontos centrais e conceitos basilares da hermenêutica filosófica gadameriana. Expusemos principalmente os conceitos de compreensão, de horizonte de compreensão, de linguagem, diálogo, entre outros, bem como a relação destes com a nova hermenêutica proposta por Gadamer.

A reviravolta na concepção de hermenêutica ocorre devido ao fato de que as condições nas quais a compreensão acontece tornam-se objetos. Portanto, a hermenêutica visa descobrir, esclarecer o significado mais profundo e oculto do objeto: é através da hermenêutica que se compreende o homem, o mundo no qual vive, sua existência e sua história.

A hermenêutica passa a ser vista como um problema universal, ou seja, filosófico e ontológico o qual impacta a relação entre o mundo e o homem. A interpretação é própria da experiência humana. Sendo assim, Gadamer e Heidegger concebem a compreensão como totalidade e a linguagem tem papel crucial, como já vimos, por ser um médium entre o homem e o mundo. Explicitamos também o estatuto imprescindível do conceito de “horizonte de compreensão” para a hermenêutica filosófica de Gadamer.

Referências bibliográficas:

GADAMER, H.-G. Verdade e método: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Petrópolis: Vozes, 1997.

            SANTOS, J. S. A linguagem hermemêutica filosófica de Hans-Gerog Gadamer. Revista Pandora: Brasil, n° 57, Agosto de 2013, p. 83-98. Disponível em:         <http://revistapandorabrasil.com/revista_pandora/57/8.pdf>

            Acesso em:18/10/2014

  STEIN, E. A consciência da História: Gadamer e a Hermenêutica. Disponível     em:<https://pt.scribd.com/doc/61078187/A-Consciencia-da-Historia-gadamer-e-a-          hermeneutica-ernildo-stein> Acesso em: 19/10/2014.

Michelle Vaz é graduanda em Filosofia