O tipo psicológico que possui a atitude introvertida e a função psíquica da intuição mais desenvolvida não é facilmente acessível ou compreensível. Neste texto, falamos mais sobre este tipo. Veja também uma rara entrevista de Jung.
Olá amigos!
Recentemente eu comprei diversos livros sobre Jung e a psicologia analítica. Para quem não sabe, eu estudo as Obras Completas de Jung e o seu Livro Vermelho, em meu doutorado. Como comprei vários, especialmente biografias, cartas e entrevistas, não tinha tido tempo de ler todos. Ontem eu estava vendo o conteúdo do livro Entrevistas com Jung e as reações de Ernest Jones.
Ernest Jones foi um dos mais importantes psicanalistas. Trabalhou junto de Freud na consolidação da psicanálise e, inclusive, escreveu a primeira biografia sobre o pai da psicanálise.
Neste livro, Richard Evans entrevista tanto Jung como Jones e, portanto, podemos ler as entrevistas. Sabendo que Jung tinha dado estas entrevistas em 1957 e que elas tinham sido filmadas, procurei no Youtube e achei uma parte. O total são 4 horas de entrevista. No vídeo abaixo, você poderá ver cerca de 1 hora.
O estranho tipo psicológico introvertido intuitivo
Jung ficou conhecido internacionalmente pela sua teoria dos complexos e, igualmente, por sua teoria da personalidade, que serve de orientação para a prática clínica de psicólogos do mundo todo e, também, para a avaliação para seleção de pessoal em empresas.
Nesta construção teórica, nós temos 2 atitudes (introversão e extroversão) e 4 funções psíquicas (pensamento, sentimento, intuição e sensação). Na entrevista você verá a seguinte definição:
“A sensação diz-nos que existe alguma coisa. O pensamento, de um modo geral, diz-nos o que é essa coisa. O sentimento informa-nos se essa coisa é agradável ou não, se deve ser ou não aceita, admitida ou rejeitada. E a intuição…aqui nos deparamos com uma dificuldade porque, normalmente não sabemos como a intuição funciona”. Mais a frente ele resume: “A minha definição de intuição é uma percepção por vias ou meios inconscientes (JUNG, p. 93-94)”.
Bem, só por esta definição temos já uma certa estranheza. Podemos entender que a intuição é uma percepção. Algo nos vem à mente, uma impressão, uma imagem, uma sensação de desconforto ou motivação que nos dá a certeza sobre um objeto externo. Por exemplo, quando sabemos, quando temos certeza absoluta que algo vai dar certo ou não. Ou quando temos a impressão que vamos encontrar um velho amigo, e esbarramos com ele na próxima esquina.
Tudo isto seria ilustrativo do tipo intuitivo extrovertido. Ou, melhor dizendo, da função intuição ligada ao mundo externo (extroversão). Porém, para cada função, Jung coloca a possibilidade de ela ser tanto extrovertida quanto introvertida. Portanto, há um tipo de intuição que se volta para dentro.
E é justamente por este motivo que o tipo intuitivo introvertido (do qual o próprio Jung foi um exemplo) é um tipo raro, distante, estranho, e, na maior parte das vezes, incompreendido.
Na entrevista, Richard Evans pergunta:
– “O que seria um exemplo da diferença entre um extrovertido intuitivo e um introvertido intuitivo?”
– “Bem, o senhor escolheu um caso bastante difícil, porque um dos tipos que oferecem maiores dificuldades é, justamente, o introvertido intuitivo… Encontramos o extrovertido intuitivo em todas as espécies de banqueiros, jogadores, etc., o que é, aliás, muito compreensível. O introvertido é mais difícil porque tem intuições no tocante ao fator subjetivo, isto é, o mundo interior; e, é claro, isso é muito difícil de entender porque aquilo que ele vê sã coisas extremamente incomuns, coisas de que ele não gosta de falar, se não for um imbecil. Se o fizer, estragará o seu próprio jogo contando o que vê, porque as pessoas não entenderão isso”.
E, em seguida, depois do exemplo do caso de uma paciente introvertida intuitiva, ele diz: “Portanto, se o introvertido intuitivo dissesse o que realmente percebe, praticamente ninguém o entenderia; seria mal interpretado. Assim, tais pessoas aprendem a guardar essas coisas para si mesmas. Dificilmente as ouviremos falar dessas coisas. De certo modo, isso é uma grande desvantagem, mas, por outro lado, é muito vantajoso que essas pessoas não falem de suas experiências, tanto as interiores como as que ocorrem em suas relações humanas.
Por exemplo, podem ficar na presença de alguém que não conhecem desde o tempo de Adão e, de súbito, podem ter imagens interiores. Ora, essas imagens interiores poderão fornecer-lhes muitas informações sobre a psicologia daquela pessoa que acabaram de conhecer. Isso é um exemplo típico de casos que acontecem frequentemente.
Subitamente, elas conhecem um fragmento importante da biografia dessa pessoa e, se não guardarem as coisas para si mesmas, contarão a história. Isso é o mesmo que atirar gordura no fogo! Assim, o introvertido intuitivo tem, de certo modo, uma vida muito difícil, embora seja interessantíssima. É muito difícil ganhar a sua confiança” (JUNG, p. 99-100).
Apesar de que nesta entrevista Jung não diga que ele mesmo era um tipo introvertido intuitivo, com função secundária pensamento, ele em outros locais menciona a sua própria tipologia. Em sua autobiografia Memórias, Sonhos e Reflexões, ele conta a seguinte história:
“De minha mãe herdei o dom, nem sempre agradável, de ver homens e coisas tais como são. Naturalmente posso enganar-me redondamente quando não quero reconhecer algum detalhe, mas no fundo sempre sei do que se trata. O ‘conhecimento real’ está ligado a um instinto, à participation mystique com o outro. Poder-se-ia dizer que é o ‘olhar mais profundo’ que vê, num ato impessoal de intuição.
Só mais tarde compreendi este fato, quando ocorreu um estranho incidente: relatei sem saber a vida de um homem que eu não conhecia. Foi na festa de casamento de uma amiga da minha mulher, acerca de cuja família eu nada sabia. À mesa, diante de mim, estava sentado um senhor de meia-idade, com uma bela barba, que me fora apresentado como sendo um advogado.
A fim de responder a uma dada questão que me propusera, imaginei um caso, adornando-o de numerosos detalhes. Enquanto falava, notei que meu interlocutor ir mudando totalmente de expressão e que um silêncio estranho se fazia em torno da mesa. Surpreendido, calei-me. Graças a Deus, já estávamos na sobremesa.
Levantei-me e fui para o hall do hotel. Isolei-me num canto, acendi um charuto e tentei refletir acerca da situação. Nesse momento, um dos convivas que estivera à mesa aproximou-me de mim e me censurou:
– Como é que o senhor pode cometer uma tal indiscrição?
– Indiscrição?
– Sim, a história que contou!
– Mas eu a inventei de ponta a ponta!
Com grande espanto, soube então que contara em todos os detalhes a história do advogado que se sentara diante de mim à mesa”.
Conclusão
Antes de concluir, gostaria de salientar que a palavra estranho no título não é pejorativa. Estranho tem a mesma raiz etimológica da palavra estrangeiro. Com isto, gosto de pensar que o tipo introvertido (por si só já um pouco inacessível) e especialmente o tipo introvertido intuitivo principalmente é um estranho-estrangeiro em uma terra como a nossa, de extrovertidos.
É estranho-estrangeiro porque as pessoas não lhe compreendem. Por não ser compreendido, tende a se fechar e a ter poucos e raros amigos. Por isso, as suas intuições – que são válidas para si mas também são válidas para os outros – podem ficar caladas.
Evidentemente que o exemplo da indiscrição de Jung é apenas um exemplo de uma situação infeliz na qual um introvertido intuitivo deu com a língua nos dentes. Mas esta mesma habilidade de entender as pessoas foi com certeza útil para o psicólogo Jung, assim como as imensas pesquisas que ele realizou sobre a psique, como as pesquisas que mostram todo este processo imagético do mundo interior nos esquecidos gnósticos e alquimistas.
A entrevista abaixo, do vovô Jung aos 82 anos de idade, um suíço alemão falando em inglês, infelizmente tem as legendas em espanhol e não português. Entretanto, como a nossa língua é próxima, dá para entender:
Felipe, este texto me descreve impecavelmente. Já havia me classificado como introvertido intuitivo há algum tempo e pude compreender muitas coisas, entre elas, o porquê eu me sentia sempre tão incompreendido. Não sei se minha função secundária é de sensação, pensamento ou sentimento, para ser sincero, diria que todas se encaixam.
Eu me reconheço com conteúdos muito intrigantes, não sei bem que outra palavra utilizar, aliás, para mim, colocar as palavras certas é uma enorme dificuldade, uma vez que nunca parecem representar o que de fato penso/sinto realmente. Sempre me senti como estrangeiro, bem como diz o texto. Parei de ser tachado de louco quando compreendi que não deveria mais tentar me explicar (de verdade, nem eu mesmo me entendia e criava belas confusões mentais) porém, como estranho ainda sou bem rotulado. Quanto mais entendo e vou aprendendo a viver a partir de quem eu sou, mas excêntrico eu me vejo no mundo, porém eu me entendo agora e digo que sou quase liberto do sofrimento. Não mudaria em nada meu perfil, parece que a questão era muito mais entender o porquê sou assim e não tentar mudar (será que fui claro? Não como eu queria, rs).
Isso que Jung conta do advogado já vivi e vivo constantemente esse tipo de experiência, algumas mais intensas e outras menos, mas também encontrei explicações que me satisfizeram e me sinto bem em relação à isso. Com isso vinha muito da questão de confiar nas pessoas, que sempre foi e ainda é um desafio, pois parece que esses sentidos desconhecidos se adiantam e te alertam sobre cada um, especialmente intenções e “problemas escondidos”, às vezes espontâneo, outras vezes proposital.
Sou estudante de psicologia, ainda do 1o ano, não estudarei Jung na minha faculdade, mas em paralelo venho estudando e sendo acompanhado e até mesmo “ensinado” por uma psicóloga que me entende muito sobre quem eu sou, meu perfil, etc.
Há um livro que fala de “matriz da alma” e gostaria de lhe enviar, assim como discutir um pouco mais a respeito (acredito que vc seja desse mesmo perfil) se você tiver interesse. Diria que este livro deu um direcionamento muito rico; seu conteúdo é bastante holístico e me disseram que ele tem muito a ver com as teorias de Jung.
Não posso deixar de citar sobre as sincronicidades, pois elas são muito presentes em minha vida e acredito que este perfil é o que mais vivencia isso.
Obrigado, Felipe! Este texto até me arrepiou, rs.
Olá!
Então, este tipo é realmente um dos mais difíceis de entender e descrever. É difícil, especialmente, porque as intuição são subjetivas (introvertidas) mas, ao mesmo tempo, tocam as relações sociais e, muitas vezes, a sociedade como um todo. Por isto, só um sujeito como Jung poderia ter descrito o que chamou de inconsciente coletivo…
No Tipos Psicólogos, Jung diz também que tais intuições podem ser trabalhadas na arte (esteticamente) ou em áreas ligadas à ética (como a religião, política, educação).
Ah, será um prazer receber o livro.
Meu email pessoal é psicologiamsn@gmail.com
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Olá Dr Felipe, ótimo texto, obrigado por enviar-
Atenciosamente- Francisca Preto
Muito bom ,vi parte do video,onde podemos encontrar outras entrevistas de outros teoricos?
através da leitura da íris podemos saber qual é sua estrutura com mais clareza qual tipo psicológico vc é
Um ótimo texto, Felipe. Seu trabalho é excelente. Gostaria de saber se há algum tipo psicológico mais” complexo” de se conhecer na clínica?
Olá Francisa!
Fico feliz que esteja gostando!
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Olá Jonathan!
Veja aqui – 48 Documentários de Psicologia
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Olá Antonio,
Existe um ramo de estudo chamado iridologia. Eu, particularmente, não conheço para afirmar alguma coisa, ok?
Só sei que não há nenhuma relação com os estudos da psicologia.
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Olá Peter, obrigado!
Bem, a questão da avaliação psicológica vai depender muito da linha de atuação do profissional e do profissional.
Em geral, é um pouco mais difícil a avaliação dos introvertidos porque eles tendem a ser menos expansivos e falantes (embora isto não seja uma regra).
Atenciosamente,
Felipe de Souza
gostei… gostaria de saber se voce estudou na puc goias- goiania.
Olá Deyvidson!
Não, sou formado em psicologia pela UFSJ, tenho mestrado pela mesma e atualmente faço doutorado pela UFJF (ambas em Minas).
Estudei Jung na Pós-Graduação em Psicologia Analítica da Paeeon-Unisal em São José dos Campos (São Paulo).
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Olá Felipe, tudo bem?
Tenho uma dúvida: é possível sabermos nosso tipo psicológico dominante e a função auxiliar apenas nos observarmos por um tempo, ou através de algum teste confiável ou só um psicólogo/psicanalista pode dizer? Ou (algo que tem ocorrido ultimamente depois que comecei a ler Tipos Psicológicos) que não é importante saber isso com precisão, exceto para quem é psicólogo clínico? Pois eu vi uma entrevista em que Jung foi questionado sobre qual é o seu tipo dominante, e ele disse que era algo difícil de dizer por si próprio (no livro, você deve saber, ele também diz isso), mas que acreditava que o pensamento foi o que mais predominou na vida dele.
E também no livro, na introdução, ele disse que o ideal antes de começarmos a ler o livro era sabermos nosso tipo, pois somos compelidos a entender as coisas através do e pelo nosso tipo. Não li o livro todo, só alguns trechos até agora, mas essa questão tá martelando na minha cabeça rs.
Te agradeço desde já, abraço!
Olá Monique,
Bem, é uma excelente pergunta.
Talvez possamos conhecer o tipo predominante conhecendo o tipo inferior. Por exemplo, uma pessoa extremamente detalhista e ligada aos 5 sentidos provavelmente terá pouca função intuição. Assim, saberemos logo que é um tipo sensação.
Mas em muitos casos é complicado porque as funções podem ser relativamente próximas em valores de testes como MBTI e QUATI. Eu, que aplico o Quati, já vi casos em que os valores são praticamente idênticos para todas as funções. Isto pode ser um erro na hora de responder, mas também pode representar ou falta de autoconsciência ou, ainda, uma relativa capacidade da pessoa de exercer cada uma das funções.
Porém, o que vemos é que sim, em geral, cada pessoa tem uma atitude bem definida e uma função superior também bastante definida.
No nosso Curso tipos Psicológicos explicamos em detalhes todas estas possibilidades. O Jung é um tipo intuitivo-pensamento introvertido. Ele diz isto em algumas entrevistas.
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Prezado Professor Felipe de Souza,
Sou um mero curioso na área de psicologia e gosto muito de várias coisas que pude ler dentro das obras de Freud e de Jung. Quanto a Jung, ao qual este artigo se refere, eu me interessei muito pelas obras que tangem aos arquétipos do inconsciente coletivo e os seus tão afamados tipos psicológicos. Ao meu ver, são excelentes referências para aqueles que buscam orientação pessoal e auto-conhecimento, principalmente para mim que, segundo os conceitos de Jung, me enxergo como um tipo extrovertido, logo altamente dependente de material externo e objetivo para o norteamento da própria vida, como é o caso de livros, palestras, etc. Fazem seis anos que conclui que me encaixo no padrão de tipo psicológico intuitivo extrovertido, inclusive minha vocação profissional é condizente com o que ele brevemente relata sobre esse tipo, sendo comumente um tipo psicológico que se volta ao empreendedorismo – corrija-me se estiver enganado, professor. Pelo que sei, tal tipo é especialmente propenso a ter insights quanto à realidade objetiva, enxergando possibilidades, potenciais e futuros promissores para muitas coisas. Mas a minha pergunta, professor, é no que tange à interação entre os tipos psicológicos. Se não me engano, na referida entrevista, Jung diz que é quase via de regra que pessoas de orientação extrovertida se atraem romanticamente por pessoas de orientação introvertida; reparo que, pelo menos em meu caso, de fato isso procede quase que como uma regra. Porém, o que eu gostaria mesmo de lhe perguntar é se o tipo intuitivo extrovertido sente uma especial afinidade com o tipo intuitivo introvertido. Pergunto isso porque pessoas que creio serem representantes do tipo intuitivo introvertido fazem parte do meu círculo de amizades mais íntimo e também é o tipo que representa o meu maior interesse romântico. Obrigado e desculpe a minha possível ignorância sobre qualquer coisa que tenha falado.
Olá João,
Você está correto quanto ao tipo intuitivo extrovertido.
No vídeo, Jung diz que não é uma regra ser complementar e que não quer passar muitas regras.
Na verdade, pela experiência que tenho, vejo que o mais comum é que uma pessoa seja introvertida e a outra extrovertida. A função nem sempre será a mesma, entretanto. Ou seja, diria que a atitude é geralmente complementar. Geralmente (existem exceções também). Já a função pode ser oposta (um pensamento com um sentimento ou um intuitivo com uma sensitiva). Quer dizer, no que tange às funções existem muitas variações mesmo, ok?
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Muito obrigado pelo esclarecimento, professor. Desculpe a minha confusão quanto ao que Jung disse na entrevista, realmente não pude discernir bem o seu sotaque alemão. Um abraço e acompanharei a sua página.
O mapa astrológico natal da pessoa é uma ferramente interessante de avaliação sobre seu tipo psicológico, indicando tanto atitude, como funções psíquicas principais e secundárias, dependendo da posição dos astros no céu e pelos 4 elementos que formam os signos zodiacais, na hora e local de nascimento do nativo. Vale conhecer.Fica a dica. Grato pelo texto e comentários.
Olá Alexandre!
Veja também – O que a psicologia pensa da astrologia
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Agora entendo o porque utilizo tanto de artes abstratas para canalizar alguns sentimentos.
Fiz o teste, duas vezes, em ambas as vezes, o resultado foi Introversão intuição sentimento.
Olá texto interessante, gostei!
Quanto ao vídeo vc encontram em português legendado digite do Google “Face to Face Jung”. Abç.