Ser feliz quando isto ou aquilo acontecer é só uma forma de não ser feliz agora.
Olá amigos!
Este é um texto de reflexão. Fiquei pensando muito depois de ler este maravilhoso texto do Rafael Senra, sobre Agamben e a Inoperosidade. Existem várias maneiras de pensar a felicidade e a maneira que gostaria de conversar com vocês hoje é um pouco diferente, desconhecida e até inusitada, pois parece ser o inverso do que a maioria das pessoas pensa quando pensa sobre o que fazer para ser feliz.
“Quando eu fizer 18, eu serei feliz…”
“Quando eu me casar, eu serei feliz…”
“Quando eu me formar, eu serei feliz…”
“Quando …. eu serei feliz”…
Ou seja, este jeito de pensar na própria felicidade estabelece que seremos feliz quando isto ou aquilo chegar. Mas ser feliz quando isto ou aquilo acontecer é só uma forma de não ser feliz agora. O problema nisso é que sempre haverá um futuro a exigir outras condições.
A felicidade como mais nada pra fazer
Não é raro ouvirmos que nós só damos valor quando perdermos. A verdade é que não precisamos perder para dar valor. Quer dizer, você não precisa perder a sua saúde para valorizá-la, não é mesmo?
Na psicologia da religião, nós estudamos como as práticas religiosas afetam o comportamento. Existem trabalhos interessantíssimos nesta área, especialmente fora do Brasil, e eu recomendo a pesquisa atenta. O que é interessante é que podemos estudar ideias diferentes das que nós usualmente temos e adotá-las sem a necessidade de abraçar a religião. É como quando estudamos antropologia e uma forma de pensamento de outra cultura, esclarece aspectos da nossa própria cultura.
A ideia da felicidade como mais nada a fazer corta na raíz a felicidade como uma esperança de que algo tem que acontecer no futuro. No livro Nada a fazer, não ir a lugar algum, Thich Nhat Hanh explica esta curiosa prática budista a partir da tradição chinesa do Mestre Linji, que “inventou novos termos e novas maneiras de dizer coisas que respondessem às necessidades de seu tempo”. Ele continua:
“Por exemplo, ele inventou a expressão pessoa sem objetivo, a pessoa que não tem nada a fazer nem lugar algum aonde ir. Este era seu exemplo ideal do que uma pessoa podia ser. No budismo teravada, a pessoa ideal era o arhat, alguém que praticava para atingir a iluminação. No budismo mahaiana, a pessoa ideal era o bodisatva, um ser compassivo que, na senda da iluminação ajudava a outrem” (HANH, p. 11).
Bem, e o que esta tradição esquecida do passado longínquo, do século VIII, tem a ver com a nossa busca da felicidade atual? É simples, um budista chinês do século VIII tinha objetivos, metas, um alvo sempre em vista. Ele só poderia atingir a sua felicidade – que eles chamam de iluminação ou libertação – quando este alvo fosse atingido. Assim como nós pensamos que só podemos ser felizes quando isto ou aquilo acontecer…
Por outro lado, a pessoa sem objetivo, a pessoa que não tem nada para fazer nem nenhum lugar para ir (para ser feliz), continua Thich Nhat Hanh “é soberana de si própria. Ela não precisa dar-se ares de grandeza nem deixar marca alguma. A verdadeira pessoa é participante ativa envolvendo-se em seu ambiente, mas não se deixando oprimir por ele (HANH, p. 13).
Curiosamente, no segundo em que algo que estávamos esperando que acontecesse para ser feliz acontece (como ter 18 anos, conseguir um bom trabalho, casar, ter filhos) nós descrevemos a sensação de felicidade como dever cumprido, como se tudo estivesse em ordem, como se não precisássemos de mais nada para ser feliz. Ou seja, quando somos felizes não precisamos de mais nada para ser feliz. E quando nós achamos que não somos felizes, nós projetamos um alvo, uma meta, um objetivo que quando deixar de existir, acabará por nos deixar sentir a felicidade. Assim, não é atingir isto ou aquilo que nos faz pensar que somos felizes, é a não necessidade de atingir isto ou aquilo que permite que a felicidade exista aqui e agora.
A verdade é que entregamos poder demais ao que está fora de nós. Como a pessoa triste que acredita que só será feliz quando alguém a amar. Ou a pessoa materialista que acredita que só será amada quando conseguir comprar o melhor carro. Ou a pessoa que faz o que os outros determinam que ela faça, naquele típico jogo: “Você deve fazer isto. Você deve seguir este caminho. Não siga o seu coração porque eu sei que não dará certo para você”. De modos diferentes, mas com igual sentido, a felicidade é colocada nas mãos de outros, de outras situações e acontecimentos… Realmente, como argumentou Jung no seu famoso livro A Psicologia da Religião Oriental e Ocidental, é típico do homem ocidental acreditar que a solução virá de fora… E, em consequência, não é de se admirar que haja tanto sofrimento psíquico.
Afinal, ao colocar a felicidade como dependente do outro, como dependente das situações e circunstâncias que ele mesmo não pode controlar, o indivíduo está permitindo a sua infelicidade.
Leia também – O que você pode e o que você não pode controlar
No consultório do psicólogo clínico, é muito comum frases como: “eu não me sinto bem porque Fulano me falou isto”, “eu me sinto triste porque tive este problema no trabalho” (circunstância externa), “eu estou mal porque não consigo manter um relacionamento”.
O que quase ninguém percebe é que, desta forma, a felicidade é um se…
“Se isto acontecer eu serei feliz”.
“Se a outra pessoa tivesse falado coisas belas, eu estaria feliz hoje”.
“Se no trabalho tudo tivesse ocorrido ok, eu estaria feliz hoje”.
“Se eu tivesse um relacionamento, e se neste relacionamento a pessoa me amasse, jurasse me amar, me tratasse maravilhosamente bem, quisesse estar comigo para sempre, lesse meus pensamentos, sempre concordasse com as minhas opiniões eu seria feliz. Como isto não aconteceu, eu estou infeliz. Mas ainda tenho esperança de que tudo isto aconteça. E quando acontecer, serei feliz”.
Com este tipo de ideias, milhares e milhões de pessoas passam a vida sendo infelizes. Curiosamente, quando alguém abandona finalmente este tipo de ideia, a estranha ideia de colocar a felicidade fora de si, pode começar a ser feliz ao retirar os quandos. E, deste modo, se alguém falar deste ou daquele jeito, se acontecer um problema no trabalho ou isto ou aquilo, agradável ou desagradável, a felicidade estará intacta.
Para concluir, gostaria de deixar este vídeo maravilhoso de um bebezinho que ri de tudo, pois ele não aprendeu ainda que precisa disto ou daquilo para ser feliz:
Olá, Felipe!
Aprecio muito seus textos. Invariavelmente eles me conduzem à reflexão.
Este em especial me fez pensar no fato que está debaixo do nosso nariz, mas que por isso mesmo não atentamos para ele: a questão não é a infelicidade, mas felicidade condicionada a algo. Que triste! Que perda de tempo!
Assim como Rogers centraliza em sua teoria da personalidade a importância da consideração incondicional positiva para uma vida saudável e pleno desenvolvimento do self ao ser amado por quem se é e não procurar desenvolver um eu ideal para poder ser amado pelas pessoas das nossas relações, o mesmo si dá coma felicidade.
Obrigada por esta partilha de conhecimento.
Abraços.
MUITO interessante!
Essa idéias orientais sobre felicidade me parecem bastante relacionadas à filosofia pos-moderna de Nietzsche, Foucault e principalmente, Deleuze que escreveu, junto com o psicanalista Félix Guatarri, o livro crítico da psicanálise, O ANTI-ÉDIPO, procurando refutar um princípio fundamental psicanalítico: o do DESEJO COMO FALTA, do complexo de édipo e da neurose humana. Enfim, temas que considero muito interessantes e que geram valiosas reflexões.
Vídeo sensacional! Será que podemos desaprender “o ser adulto” e reaprender “o ser criança”, para sempre rir de tudo?
Saudações!
Prof. Felipe, que texto bacana! Aí vai a minha reflexão, penso que a sensação felicidade é um estado de espírito, é algo delicado e tem muito a ver com o que esperamos da vida. Entendo que não existe fórmula para felicidade, existe querer. Precisamos acreditar que ela existe e é possível. Citando um exemplo, no meu caso, eu fico feliz até quando alguém chama para tomar um cafezinho rsrsr. Para muita gente isso pode parecer uma bobeira mas para mim, é tudo de bom. Concluindo, são os pequenos momentos que transformam o nosso coração, quando estamos bem, tudo a nossa volta fica melhor, daí a famosa “felicidade” desperta. Certo? Um bom final de semana pra você.
Olá Felipe!
Vamos adiando a felicidade já que o se é uma condição do futuro e portanto, incerto. Melhor é viver no agora e rirmos com toda facilidade como o bebê do vídeo.
Grata pelo texto!
Abraço,
Malu
Olá Felipe. Muito bom mesmo seu texto. Acredito, que nossa maior dificuldade, está em buscarmos nossa felicidade independentemente do outro. Afinal envolve sentimentos, e sempre acabamos nós tornando dependentes emocionais do outro, suas atitudes nos alegra ou nos deixa infelizes. Isso porque, somos eternos carentes emocionais. Acredito que nosso maior desafio , é amar sem apego, sempre vendo o outro com seus defeitos e qualidades, permitindo que sejam o que são e não o que gostaríamos. E acima de tudo, nós amarmos e nós valorizarmos, sabermos dizer não sem culpa. Acho que já teremos dado longos passos.
Olá Luci!
Bem lembrado!
Rogers também é excelente para pensarmos juntos esta questão!
Agradeço seu comentário!
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Olá Jeferson!
Obrigado!
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Olá Alexandre!
Obrigado por comentar!
Ainda não tive a oportunidade de ler o Anti-Édipo, e agora fiquei ainda mais curioso para apreciá-lo!
Com relação à sua última pergunta… acredito que sim! Por exemplo, quando nos tornamos pai ou mão temos a ótima oportunidade de nos reaproximar do que muitos chamam de criança interior.
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Olá Raquel!
Adorei o exemplo do cafezinho! É exatamente isso! Poderia ser água também, né? rsrs
Não sei se você ou o pessoal aqui chegou a ler este texto, ele é ótimo para valorizar as pequenas coisas:
Você quer uma sugestão para se sentir bem?
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Olá Malu!
É verdade!
É sempre importante lembrar que o passado já passou e o futuro ainda não existe. Só temos o agora!
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Olá Regina!
Excelente seu comentário! É isso mesmo!
E como tudo, temos que sempre aprender mais um pouco…
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Por que Filipe, que se isto é tão difundido mas não consegue ser tão praticado? Porque se fala tanto em desapego quando que aparece para a gente como desamor. Confesso a você que talvez eu esteja querendo uma felicidade muito acima de mim. Quando eu era criança por incrível que possa parecer eu era mais insensível e não tinha idéia do futuro. Depois que fiquei adulta e os relacionamentos foram aparecendo fui ficando mais sensível e mais suscetível a dor. Minha preocupação hoje não é ser feliz mas de ter as mesmas experiências que as outras pessoas têm. Sinto como se as pessoas não me enxergassem para ter um relacionamento comigo principalmente em terreno amoroso. Ora as pessoas se colocam tão acima de mim que eu fico pequenininha. Ora me colocam em uma altura que não consigo descer. Sempre fico perguntando porque as outras pessoas podem e eu não? O que eu fiz, o que faço ou o que eu sou de tão ruim para que as pessoas principalmente as que sinto atração fossam me renegar? O pior que vejo tanta gente embarcar em canoas furadas… Tem gente que preocupa com a felicidade, eu não estou conseguindo nem passar pelas experiências. Desculpe o desabafo!
Olá Jessamine!
Há um tempo atrás eu ouvi esta frase – acho que em um filme – “Love is a trick question”… que podemos traduzir como o amor é uma questão difícil, complicada, engraçada, complicada, um engano, um truque… eu gostei por causa da polissemia da palavra trick. E isso significa que é tudo isso o amor porque é uma relação entre duas pessoas. Por definição, isto gera uma sorte incrível de acontecimentos que são isso, uma complicação sem fim.
Como dizia Angelo Gaiarsa, o casamento é insolúvel, quer dizer, não há solução. É uma brincadeira dele, claro, mas é uma verdade – seja em um casamento ou em um relacionamento qualquer. E, além disso, tem o aspecto de que os gregos estavam cientes: o cupido (Eros) é um deus que não controlamos. Não escolhemos por quem vamos nos apaixonar…
Então, o que dizer? Não existe uma resposta única, universalmente válida, para o que fazer nessa área. Só viver e tentar e, no processo, ir se autoconhecendo.
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Olá gostei muito dos textos, da vontade de comer. kk. Faz com a gente pense diferente do que está acostumado a pensar adorei. quero ler muitos outros. muito obrigada.
Infelizmente nos dias de hoje, estamos vivendo em uma sociedade que está adoecendo rápida e coletivamente. Tudo oque temos no momento atual não está bom o bastante, sempre queremos o modelo de carro mais atual, a casa mais bonita, um salário melhor e assim por diante. Por pensarmos que a felicidade está no futuro não conseguimos nos contentar com o momento presente. Muitos, ainda, são ricos no mundo material, mas pobres no território psíquico. São autossabotadores da sua qualidade de vida. Felipe, esse texto que escreveu, me fez lembrar de uma citação de um dos autores que tenho profunda admiração. “O dinheiro pode nos dar conforto e segurança, mas ele não compra
uma vida feliz. O dinheiro compra a cama, mas não o descanso. Compra
bajuladores, mas não amigos. Compra presentes para uma mulher, mas
não o seu amor. Compra o bilhete da festa, mas não a alegria. Paga a
mensalidade da escola, mas não produz a arte de pensar.
Você precisa conquistar aquilo que o dinheiro não compra. Caso
contrário, será um miserável, ainda que seja um milionário.”
Augusto Cury.
Encorajo a todos os leitores a estudarem suas obras, pois não são livros de auto-ajuda, mas sim de divulgação científica. Precisamos e devemos entender nossas limitações, porquê muitas vezes agimos de maneira irracional e nunca estamos satisfeitos nessa sociedade que está adoecendo de maneira extremamente rápida.
Mateus Cordova,
Att.