No presente texto, temos por objetivo expor, de maneira breve, as três causas mencionadas por Hobbes, em Leviatã, dos conflitos entre os homens no estado de natureza. Em específico, trataremos do capítulo XIII da Primeira Parte da obra.

Antes de atermo-nos no ponto central de nossa análise e descrição, fazem-se necessárias uma visão geral da obra, uma apresentação dos traços gerais da teoria política hobbesiana, bem como os pontos principais do capítulo XIII.

Leviatã propõe um experimento mental: os homens encontram-se em um estado de natureza, no qual não há a autoridade soberana, mas existem relações sociais, como, por exemplo, os laços familiares. Como os homens no estado de natureza encontram-se em uma guerra constante de todos contra todos, a morte violenta e involuntária é tida como uma mal a ser evitado. Esse é o sumo mal, enquanto o sumo bem é a vida – a qual deve ser preservada, segundo a primeira lei natural.

Hobbes coloca que a vida é uma busca ininterrupta por prazer e esta busca só cessa com a morte. Nunca há um contentamento com o que se tem, por isso há sempre a busca por novos bens – novos prazeres. Esta pleonéxia é um elemento que não se pode excluir da natureza humana e é descrita pelo filósofo através de uma perspetiva moralmente neutra, de maneira que a toma como um fato antropológico. No estado de natureza, a escassez de bens é contínua, posto que esses não são suficientes devido à pleonéxia humana. E, assim, seja qual for a quantidade desses bens, os homens ainda lutariam. Os aspectos apresentados neste e nos parágrafos anteriores correspondem a uma síntese dos capítulos anteriores ao Capítulo XIII – nosso objeto de estudos – e também da teoria política hobbesiana.

No capítulo XIII, Hobbes iguala, por natureza, as faculdades do corpo e do espírito em todos os homens. E, assim, nenhum homem domina o outro por natureza. Devido à igualdade natural, cada indivíduo visa alcançar seus próprios fins, e todos os homens possuem esta esperança. Se dois indivíduos desejam o mesmo objeto – que pode ser posse de um terceiro -, há, pois, um conflito: um espera enganar ou submeter os outros. Assim, os homens se atacam mutuamente visando o lucro.

A desconfiança origina-se da igualdade da esperança – cada homem sabe que seus bens são almejados por outros, assim como ele próprio almeja os bens de outros. Tendo a sobrevivência como fim, cada indivíduo atacará o outro primeiro, já que a desconfiança leva os homens a se atacarem mutuamente visando a segurança. Contudo, a desconfiança se dá não só no estado de natureza: ela é mantida nos Estados.

Não há prazer na convivência para os homens. Mas os homens não podem renunciar aos outros, pois desejam ser apreciados pelos outros homens. Logo, os homens desejam a glória e isto também acarreta violentos conflitos.

Nessas condições expostas acerca do estado de natureza, Hobbes fala sobre a guerra de todos contra todos. No estado de natureza, não há sociedade, a vida humana é solitária, bruta, curta e passa por constante perigo de morte violenta. Os indivíduos sempre temem por sua vida e pelos bens necessários à sua sobrevivência. Consequentemente, a natureza hedonística dos homens leva-os a um estado em que há luta pela sobrevivência e no qual qualquer aspiração existencial futura é vã.

De acordo com a teoria do agir de Hobbes, os indivíduos agem sempre com fundamento em uma aversão ou em uma inclinação. Como tudo que ameaça as suas vidas lhes causa aversão, os indivíduos tem aversão ao estado de natureza, por temerem constantemente a morte violenta. Por esse motivo, os homens desejam deixar esse estado, aponta o filósofo. O medo da morte é uma paixão civilizadora no sentido de que é ela que torna os homens pacíficos.

Com relação ao nosso problema específico – as três causas dos conflitos entre os homens no estado de natureza – temos, primeiramente, a afirmação de que as pessoas não aceitam a igualdade entre os homens por julgarem, de maneira vaidosa, a própria sabedoria: todos supõe ser mais sábios do que os outros. Entretanto, pode-se chegar à conclusão de que todos são iguais em capacidade, e desta conclusão, decorre a igualdade que todos tem com relação à esperança de atingir os seus fins. A inimizade, a guerra tem origem quando dois ou mais homens desejam a mesma coisa, concomitantemente, sendo que esse bem desejado pode não ser suficientes para todos. Essa situação ocorre com relação à três bens – os quais são grandes fontes de poder: a honra, a riqueza e o mando. Disputá-las acarreta a luta, a inimizade e a guerra. Nota-se, pois, o esforço por mútua destruição e subjugação no caminho que os homens percorrem para manter a própria vida. Ademais, no estado de natureza também não há o que proteja a propriedade, sendo que os outros homens podem apossar-se dela. Por esse motivo, há sempre o medo e a desconfiança.

Devido à desconfiança de todos no estado de natureza, o homem garante sua sobrevivência antecipando-se para subjugar todos o que for capaz, através da força ou da astúcia, até o chegar ao ponto de não haver qualquer outro que tenha poder para ameaçá-lo. Tudo isto se dá para que a primeira das leis naturais seja garantida – aquela que preconiza que se evite que a própria morte seja violenta. Alguns homens também sentem prazer em contemplar o próprio poder nos atos de conquista, fazem com que seus atos extrapolem o que é necessário à sua própria segurança. Entretanto, os que restringem suas ações apenas à defesa e não aumentam seu poder através de invasões, não sobrevivem por muito tempo. Assim, Hobbes conclui que: “Consequentemente esse aumento do domínio sobre os homens, sendo necessário para a conservação de cada um, dever ser por todos admitido” (HOBBES, 1974, p. 46) no estado de natureza.

Para os homens, segundo a teoria hobbesiana, a companhia uns dos outros não é prazerosa quando não há um poder apto a manter todos em uma relação de respeito, “porque cada um pretende que seu companheiro lhe atribua o mesmo valor que ele se atribui a si próprio” (HOBBES, 1974, p. 46) e caso isso não ocorra, como não há um homem capaz de submeter todos os outros, todos se destruiriam mutuamente, ou causariam danos uns aos outros.

Destarte, ficam claras as três principais causas da discórdia encontradas na natureza humana: a competição, a desconfiança e a glória. A competição acarreta que os homens se ataquem visando o lucro, de forma que utilizam-se da violência para se tornarem senhores das mulheres, dos filhos, das pessoas e dos rebanhos de outros homens. A desconfiança faz com que os homens se ataquem e utilizem-se da violência para se defender. A reputação, por fim, leva os homens a se atacarem visando a manter ou fazer sua reputação a ponto de usufruírem da violência por ninharias, isto é, por uma palavra, por um sorriso, por uma opinião diferente ou por algum sinal de desprezo.

Referências bibliográficas:

HOBBES, Thhomas. Leviatã (Os Pensadores). São Paulo: Abril Cultural, 1974.

Michelle Vaz é graduanda em Filosofia