Uma análise na abordagem centrada na pessoa de Carl Rogers.

Por Bruno Ricardo Pereira Almeida

Gênero: Comédia, Drama

Título Original: It’s Kind of a Funny Story

Diretor: Ryan Fleck, Anna Boden

Atores principais: Zach Galifianakis, Emma Roberts, Lauren Graham, Viola Davis, Jeremy Davies, Keir Gilchrist, Jim Gaffigan, Mary Birdsong, Zoë Kravitz, Cheryl Alessio, Aasif Mandvi

Ano de produção: 2011

Duração: 101 minutos.

Trailer:

Fazer uma análise que não permita os conceitos de base analítica sempre é um grande desafio, mas para tanto gostaria de iniciar citando:

“Rogers modificou sua visão do inconsciente, sugerindo que os processos organísmicos inconscientes realmente orientam, e devem orientar grande parte de nosso comportamento. Tais processos não são anti-sociais e impulsivos no sentido freudiano; eles são guias confiáveis para obtermos realização pessoal e desenvolvermos relações interpessoais calorosas. Rogers parece estar dizendo: Confie no seu inconsciente.” (CAMPBELL; HALL; LINDZEY, 2000, p.386).

Segundo FADIMAN, FRAGER (1986) Rogers define a psicoterapia como liberação da capacidade presente em estado latente. Ou seja, o cliente possui potencial e competência necessária para resolver seus problemas.

Como no inicio do filme Craig um adolescente com ideação suicida tenta suicidar-se na ponte, mas acaba por desistir e busca um hospital para resolver seu problema. Para isso:

“Rogers escreveu que o comportamento é basicamente a tentativa intencional do organismo de satisfazer suas necessidades conforme experienciadas, no campo conforme percebido. Essa posição, referindo-se, como se refere, a necessidades no plural, não contradiz a noção de um motivo único. Embora existam muitas necessidades, todas elas são subserviente a tendência básica do organismo de manter-se e de melhorar.” (CAMPBELL; HALL; LINDZEY, 2000, p.370).

Na visão humanista o foco é analisar o que Craig vivenciou, experimentou, e o que faz olhar a sua realidade dessa maneira, não por um único motivo, mas por sua vivencia integral. Craig chegando ao atendimento do hospital fica um tanto incongruente de se dizer que é suicida e a atendente estar no telefone e dizer: Responda esse questionário. Sem ao menos se preocupar com o individuo ali presente, e sim apenas com sua tarefa de cadastrar os dados no computador. Ele é apenas um dado, e não uma pessoa que precisa de atendimento. Fica nítida a incongruência, a distância que aquele individuo (atendente) vê o outro (Craig).

Ao ficar na sala de espera encontra com um paciente que está vestido de médico chamado Bobby, tem uma breve troca de diálogos entre os dois e logo é chamado pelo médico para diagnostica-lo, chama atenção que o médico é clínico que não foca somente nos sintomas, ao contrario da atendente, o médico é humanista, perguntando:

Médico: E então, há quanto tempo tem tido tendências suicidas?
Craig: – Não sei. Tenho andado deprimido há cerca de um ano. E já pensei nisso antes, mas nunca deste modo. Sabe, nunca tão real.
Médico: – Aconteceu algo hoje em especial para disparar esses sentimentos?
Nesse momento Craig reflete antes de responder: Às vezes gostaria de ter uma resposta simples para porque estou deprimido. Que meu pai me batia. Ou que abusaram de mim sexualmente. Mas os meus problemas são menos dramáticos do que isso. Tipo, meu pai sempre faz as perguntas erradas. Quando estamos almoçando ele diz: – E então, Craig, como vai à aula de Introdução a Wall Street?
Craig: – Mas eu tenho mesmo um problema com vômito por estresse. E às vezes meus amigos me olham como se eu fosse de outro planeta.

Nesse sentido é importante destacar dois conceitos fundamentais da estrutura da personalidade de Carl Rogers: o organismo e o self. “O organismo, psicologicamente concebido, é o foco de toda experiência. A experiência inclui tudo o que está acontecendo dentro do organismo em qualquer momento dado e que está potencialmente disponível para a consciência. Essa totalidade de experiência constitui o campo fenomenal. o campo fenomenal é a estrutura de referencia do individuo que só pode ser conhecido pelo próprio individuo […] Como o individuo se comporta depende do campo fenomenal (realidade subjetiva) e não de condições estimuladoras (condições externam).” (CAMPBELL; HALL; LINDZEY, 2000, p.368).

O self é “uma porção do campo fenomenal gradualmente se diferencia. É o self. O self, ou autoconceito. […] Além do self como ele é a (a estrutura do self), existe um self ideal, que é aquilo que a pessoa gostaria de ser.” (CAMPBELL; HALL; LINDZEY, 2000, p.368-369). Portanto Craig em seu self é estudante de uma das melhores escolas de Nova York, tem uma família em que seu pai é um empresário, sua mãe que aparentemente é cuidadora e carinhosa, porém, ela frágil, e sua irmã mais nova que segundo próprio Craig é uma gênia mirim. Possui amigos e está apaixonado por uma namorada de seu amigo.

Nesse sentido o self ideal de Craig é ser um estudante inteligente, pois todos seus amigos são intelectuais, são bons em esportes e possuem muitas atividades curriculares de prêmios, mas ele não. A namorada de seu amigo, ele já era apaixonado por ela antes, e agora tem que conviver com a presença do casal em seu lazer. Ele gostaria de ter uma namorada, e ser feliz.

Segundo Campbell; Hall; Lindzey (2000) na teoria de Rogers estão implícitas duas manifestações, uma delas é congruência ou falta dela entre a realidade subjetiva do individuo e a realidade externa (o mundo como realmente é). A outra é o grau entre self e o self ideal, se a discrepância for grande a pessoa fica insatisfeita ou desajustada. Como é o caso de Craig.

Após ingressar na ala de psiquiatra no hospital o enfermeiro sugere que Bobby mostre a ala para ele, e também seu colega de quarto Mutada que não saí da cama por nada. Craig percebe que ao ver a quantidade de doentes mentais e ele apenas um caso de suicídio, tomado por sua ansiedade procura a Dra. Minerva e diz que já está melhor e tem que ir embora, pois tem aula amanhã, mas tem que ficar, pois é obrigatório no mínimo cinco dias. E Dra. Minerva diz:

– Depressão é uma doença médica. Se você fosse diabético, ficaria embaraçado com isso?

Dra. Minerva numa condição de consideração positiva incondicional na sessão, e Craig começa então a refletir suas questões dizendo que antes de tentar se jogar da ponte estava depressivo, ansioso e estressado. Pois seu pai gostaria que entrasse para escola de verão, assim ele entraria numa boa faculdade, teria um bom emprego, um bom estilo de vida, arrumaria uma namorada. Caso o contrario se sentiria deprimido e ficaria igual ao Mutada, mas Craig não consegue expor isso. E diz que apenas é difícil de dizer o que sente. Para isso FADIMAN, FRAGER (1986) diz que a avaliação tende a restringir o comportanto respeitando algumas coisas e punindo outras, já a consideração positiva incondicional permite a pessoa ser realmente o que é não importando o que possa ser.

No dia seguinte Craig ao tomar café da manhã Hubble pede um burrito ao Craig, e Bobby diz para devolvê-lo, mas Hubble não devolver, então Bobby pega e devolve ao prato de Craig, mas Craig diz que não estava com fome. Então Bobby devolve o burrito e sai muito bravo por isso e chuta uma cadeira.

Surge então o grupo, ou melhor, dizendo Grupos de encontro na ala psiquiátrica que segundo Rogers (2009, p.5):

“Grupos de encontro (ou grupo de encontro básico) – Este pretende acentuar o crescimento pessoal e o desenvolvimento e aperfeiçoamento da comunicação e relações interpessoais, através um processo experiencial.”

Rogers (2009) propõe 15 etapas no processo de desenvolvimento de um grupo de encontro: 1. Fase: De hesitação e de andar as voltas. 2° Fase: Resistência à pressão ou exploração pessoal. 3° Fase: Descrição de sentimentos passados. 4° Fase: Expressão de sentimentos negativos. 5° Fase: Expressão e/ou exploração de material com significado pessoal. 6° Fase: Expressão de sentimentos interpessoais imediatos no grupo. 7° Fase: Desenvolvimento de uma capacidade terapêutica no grupo. 8° Fase: Aceitação do Eu e começo de mudança. 9° Fase: O estalar das fachadas e das máscaras. 10° Fase: O individuo é objetivo de reação por parte dos outros. 11° Fase: Fase de confrontação (no dar e receber de feedbacks interpessoais diretos). 12° Fase: Começa uma relação de ajuda interpessoal, fora das sessões de grupo. 13° Fase: Surge o encontro básico. 14° Fase: Expressão de sentimentos positivos e maior intimidade. 15° Fase: Mudanças de comportamento no grupo. Essas fases que não são rígidas nem sequenciais necessariamente, conforme no filme vemos apenas algumas.

Sendo assim o processo de desenvolvimento no grupo é possível observar que no início, isto é, no momento é que Craig entra no grupo e Dra. Minerva sugere que alguém comece a dizer o que houve naquela manhã (Bobby ficou alterado). Fica nítido a não-diretividade da terapeuta, esperando que os membros do grupo que se identifique. Segundo Campbell; Hall; Lindzey (2000) a terapia bem-sucedida centrada no cliente, realizada em condições ótimas, significa que o terapeuta foi capaz de estabelecer um relacionamento intensamente pessoal e subjetivo com o cliente – relacionando-se não como um cientista com um objeto de estudo, não como um médico, esperando diagnosticar e curar – mas como uma pessoa com outra pessoa. Não se esconde atrás de uma fachada defensiva, significa que o terapeuta é capaz de soltar-se, transmitir parte de sua empatia ao cliente, e fica inteiramente vontade nesse relacionamento. Quando um dos membros fala que foi o Bobby. E acha que fez isso porque Bobby está estressado com a entrevista. E não tem um suéter bonito para ir. Então Craig sugere que poderia emprestar uma camisa do pai dele. A empatia de Craig parece ser o elemento que possibilita colocar-se no lugar do outro, uma qualidade necessária para ser um terapeuta rogeriano.

A experiência de grupo não é um fim em si, mas o seu significado é mais importante quando reside na influência que tem sobre o comportamento mais arde, fora do grupo. É onde se constatam as verdadeiras mudanças e influências na vida de cada indivíduo, resumindo-se em diversos cabeamentos, sejam eles em nível pessoal, vocacional, profissional, intelectual, filosófico, dentre outros, o que pode significar mudanças na qualidade da comunicação entre pais e filhos, na escola, nos negócios, enfim, na vida.

Após o primeiro contato com o grupo Craig começa estabelecer um dialogo constante com Naomi fora do grupo. Pelo fato de ambos tentarem suicídio (mesmo de formas diferentes) eles são congruentes e empáticos em relação a isso, tanto que somente no final do filme Craig pergunta sobre o porquê ela ter tentado suicídio.

Frequentando também sessão de arteterapia que remete a uma auto-atualização de seus sentimentos, pois conseguiu desenhar um mapa de cérebro, aquilo que aos cinco anos de idade foi um fracasso ao tentar desenhar um mapa, naquele momento se sente satisfeito por fazê-lo no aqui-agora. Segundo Rogers (1992) todo ser humano é impulsionado por uma tendência ao crescimento – a tendência atualizante – e postula que, dadas certas condições adequadas, o ser humano tende ao máximo desenvolvimento de suas potencialidades.

No dia seguinte Bobby faz a entrevista e fica frustrado derrubando livros da estante e gritando de raiva. Na sessão de terapia com Dra. Minerva Craig diz sobre o que viu, e ele entendeu o que Bobby fez, pois às vezes ele se sentia assim pronto para explodir. Mas não consegue e sempre acaba guardando tudo. O acaba por atualizar alguns de seus sentimentos no sentido de querer dizer o que sente para seus pais.

Segundo Rogers (1992) a criança experimenta a necessidade de ser amada, bem como experimenta diversas vivências e sentimentos em seu campo fenomenológico. Quando suas experiências não entram em conflito com a sua necessidade de afeto, ou seja, quando aquilo que ela vivencia não coloca em risco a afeição das pessoas que lhe são importantes, seus sentimentos podem ser expressos de maneira direta e sem distorções. Porém, quando há o conflito entre aquilo que ela sente e a necessidade de sentir-se estimada, distorções começam a desenvolver-se na estrutura de self. Como é o caso de quando Craig era criança e almejava conseguir fazer o mapa, mas fracassava em tentar copia igual, e ainda seu pai dizer que gênios produzem músicas naquela idade para menos.

Na sessão de musicoterapia Craig foi o vocalista, pode-se entender por líder da banda, ou seja, o grupo elegeu um líder, um terapeuta. Conforme no grupo de encontro foi estabelecido desde o inicio. Depois Craig e Bobby vão jogar basquete na quadra, e Craig desabafa com Bobby que esta apaixonado por Naomi. Bobby o faz dramatizar a situação e ensina algumas coisas. Um aprende com o outro, um se coloca no lugar do outro, Craig emprestou a camisa, e Bobby ensina algumas dicas para conquistar Naomi. A congruência de ambos faz com que ambos aprendam um com outro.

Quando ele retorna o Mutada sai da quarto todos ficam surpresos, mas ele volta logo em seguida. Pois Salomão chega incongruente e diz para falarem mais baixo, sem ao menos prestar atenção em Mutada que fazia tempo que não se levanta da cama. Mia vai visitar Craig, e ele leva para conhecer seu quarto, ela o joga na cama de Mutada e que aparece logo em seguida dizendo que os dois estavam fazendo sexo, nisso gera um índice alto de estresse em Craig que acaba vomitando em Mia. E sai correndo atrás dela pelo corredor e grita: Eu te amo Mia! Mas atrás dele estava Naomi que sai correndo para o quarto dela. Mas que Craig faz um desenho e pede um encontro.

Em mais uma sessão de terapia individual Craig começa a ter auto-aceitação e auto-atualização e começa então desenvolver sua empatia e congruência. O encontro com Noeli o faz poder dizer o que sente sem ser julgado e ainda sendo auxiliado por ela, o que remete a frase “Ninguém sai igual de um encontro”. Chega ao último dia que seria o dia da pizza, com festa e música. É interessante analisar como o poder do grupo de encontro é capaz de fazer as pessoas serem mais empáticas acolhedoras e aceitando o outro como realmente é. Vemos Salomão um judeu comendo pizza de calabresa e dançando sendo que não gosta de barulho, vemos todos se divertindo quando Craig pede para colocar a música egípcia que faz Mutada levantar de sua cama e todos dançam, sem preconceito algum.

A libertação de maus hábitos adquiridos, o encontro da felicidade na liberdade, o enfrentamento da ausência e dor na vida pessoal, a autoconfiança e coragem entre tantos outros fatores, são os resultados da vivência dos grupos de encontro, que, se seriamente conduzido, pode vir a ser uma das mais importantes experiências na vida de um indivíduo. Craig foi o terapeuta que reconheceu seus desajustes, fez uma autocorreção de suas atitudes, que consequentemente não somente ele mudou, mas o grupo inteiro. No final quando Craig sai do hospital existe uma integração de seu self real e self ideal, tornando-se então futuramente um voluntário daquele hospital e poder ajudar pessoas como ele, pois ele sabe pelo que se passou ali.

Rogers (1992) apresenta a compreensão empática como consequência da congruência. Afirma que o cliente passa a se perceber mais realista e adequadamente quando se torna mais congruente, mais aberto sua própria experiência e menos defensivo. Portanto, a pessoa congruente está mais apta para demonstrar a compreensão empática nos seus relacionamentos. A compreensão empática propicia ao outro ouvir-se a si mesmo, reconhecer seus próprios sentimentos. E a medida que a própria pessoa reconhece seus sentimentos que se torna mais congruente como é o caso de Craig.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CAMPBELL, J. B.; HALL, C. S.; LINDZEY, G. Teorias da personalidade. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2000. 591p.
FADIMAN J.; FRAGER R. Teorias da Personalidade. São Paulo: Editora Harbra, 1986.
ROGERS, C. Grupos de encontro. 9. ed. São Paulo: WWF Martins Fontes, 2009. 198p.
ROGERS, C. Tornar-se pessoa. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997. 489p.
ROGERS, C. Terapia Centrada no Cliente. 1ª ed. São Paulo: Martins Fonte, 1992.

Psicólogo Clínico e Organizacional (CRP 06/119079), Abordagem Junguiana. Atendimento Online e Presencial (Itapeva-SP).