Significado de Patologizar ou Patologização

Continuação do Texto – O Conceito Patologizar – Parte 1

 Hillman nos coloca que os termos específicos da psicologia como, neuroses, complexos, repressões, são referentes a conscientizações altamente diferenciadas das condições que a alma apresentou através da observação e reflexão psicológica nos últimos três séculos.

 Chamando nossa atenção para a dificuldade que temos em lidar com tudo aquilo que é diferente, estranho, que foge do que consideramos ser o “normal” do ser humano, Hillman (2010, p. 143) defende que “a fronteira entre loucura e a sanidade, que criou o campo da psicopatologia ao situar alguns eventos aqui e outros lá, é uma ficção positivista e não uma realidade existencial – assim o dizem os niilistas existenciais”.

Deste modo, ele coloca as classificações diagnósticas enquanto uma negação da patologização. Esta negação se dá de forma Nominalista, ou seja, seu foco é dar um nome para as queixas psíquicas, utilizando as classificações diagnósticas e os enquadramentos para trancafiar o problema como algo “errado” e “separado” de nós.

Hillman nos coloca que durante o século XVIII e XIX, estava “na moda” que a psiquiatria isolasse as desordens específicas inventando nomes próprios, como autismo, catatonia, exibicionismo, esquizofrenia e etc. E a partir daí, classificar o mundo da psique como outros fizeram com o mundo animal e vegetal, dividindo-os em categorias e subclasse de gênero, espécie e cor, ou seja, pensamento típico que veio com as ideias Iluministas que até hoje dominam a forma com que concebemos o mundo.

Uma doença, portanto, só é vista como tal, a partir do momento que alguém compara-a com outra situação e a rotula com algo errado.

Expondo sobre o uso dos rótulos o autor critica rótulos como “psicopata” ou “maníaco-depressivo”, pois apesar de trazem clareza intelectual ao problema também lacram em vasos fechados o conteúdo daquilo que nomeiam, e a pessoa assim nomeada é relegada à prateleira da “psicopatologia da anormalidade” (HILLMAN 2010, p. 141)

Para Hillman (2010, p.168) “Ao dar ao patologizar um nome clínico, o terapeuta profissional faz o primeiro movimento neste jogo da terapia. O primeiro movimento não é o patologizar do paciente. Suas queixas e esquisitices não são psicopatologia clínica até que assim sejam nomeadas.”

Nesta ousada proposta de Hillman, o modelo médico e religioso de psicologia criam duas fantasias; a primeira é uma ruptura de conceitos, gerando uma ilusão que existe algo que é “normal”, e outro que é “patológico”, e assim carimba uma manifestação que seria natural como errada, doentia, ou pecaminosa.

Ao se nomear profissionalmente os movimentos da psique, cria-se uma entidade distinta com uma realidade literal, ou seja, “Por um lado, estou protegido dessa “coisa” ao separar-me dela; agora ela tem nome. Mas por outro, agora eu “tenho” algo, ou mesmo “sou” algo: um alcoólatra, um neurótico obsessivo, um deprimido”. (HILLMAN 2010, p.168)

A segunda é uma fantasia na qual existe a figura de um médico ou terapeuta. Ele explica esta questão nos colocando uma equação; já que algo é classificado como uma doença, então tem de haver um tratamento para esta doença, logo, precisa-se de um médico para tratar.

Mas se consideramos o ponto de vista proposto, do conceito patologizar, a doença faria parte do ser humano, o tratamento eliminaria o patologizar, e desta forma, amputaria uma parte que é inerente à estrutura da psique. Ele então invalida o atual modelo clínico da psicologia, dizendo que é impossível coisas como: tratamento, doença e cura. É claro que com isto, ele não quer dizer que não exista uma forma de agir, mas sim, que a forma que a psicologia tem feito é incorreta.

Hillman coloca o adoecer como uma fantasia arquetípica, defendendo a idéia de que, do mesmo modo como existem fantasias de saúde, de crescimento, de ser salvo e voltar para casa, também há no inconsciente fantasias semelhantes mas opostas, como as fantasias de adoecer, de estar ferido ou ficar louco.

Sendo assim, a doença é somente uma polaridade assim como a saúde, e não algo que precisa ser retirado do indivíduo. “Como a fantasia da doença é, em primeiro lugar, fantasia (e não doença), então tratar a fantasia requer uma terapia que tenha seu foco na fantasia (e não na doença). O patologizar deve encontrar um pensamento imaginal, não um pensamento clínico” (HILLMAN 2010, p. 173)

Ele expõe a necessidade de suspendermos a crítica do ponto de vista das idéias já concebidas, suspender o ponto de vista unilateral do ego para que seja possível olhar pelo ponto de vista do inconsciente.

Se alcançada esta atitude, poderemos por um só momento deixar de considerar as imagens em uma noção doentia, ou como algo que não deveria existir e que precisa de uma ação para corrigi-la, ou mesmo, medicá-la, pois representa um diagnóstico de perigo.

Se realmente existir um perigo, este se dá pela fantasia que o próprio homem coloca sobre o patologizar, ou seja, a forma como nós tratamos a patologição, nossas atitudes podem transformá-lo em nossos próprios demônios que nos amedrontam. Nossa postura para com este acontecimento pode ser mais destrutiva do que o próprio patologizar.

Com essas pertinentes observações, podemos pensar até que ponto Hillman não tenta resgatar o ser humano enquanto algo muito maior do que um diagnóstico, o ser humano enquanto “Ser”, enquanto “alma”.

O que a princípio parece ser um drástico rompimento com as ideias do próprio C. G. Jung, por outro lado, parece uma tentativa de manter a proposta inicial do velho mestre, que ao entrar no Hospital psiquiátrico se ocupou de novas premissas e uma forma ímpar de enxergar os doentes: “O problema que ocupava o primeiro plano de meu interesse e de minhas pesquisas era o seguinte: o que se passa no espírito do doente mental?” (JUNG 2006, pag. 141)

Para finalizar, Hillman nos coloca esta citação:

“Se pudermos abandonar o delírio primário da supervalorização subjetiva racional – a perspectiva supostamente normal da psicologia normal do ego – e seu vicio do significado com relação com a subjetividade, começaremos a nos pegar vivendo rotineiramente, diariamente na irracionalidade mercurial, espontânea da estranheza; o mundo todo como religioso, a revelação tão continua, e o oculto tão presente, que esses termos tornam-se redundantes” (HILLMAN 2009, p. 74)

Por fim, só nos resta refletir acerca dos fenômenos da psique, pois é extremamente difícil e complexo estabelecer uma linha que separe saúde e a doença, se é que de fato existe tal separação como exemplificou Hillman. Até que ponto o que acreditamos ser patológico e errado, não seria de fato, uma pura manifestação profunda e verdadeira do nosso ser enquanto totalidade, enquanto alma pura simplesmente humana?

É intrigante o poder que Hillman tem de nos colocar reflexões incômodas e até mesmo absurdas, porém, pertinentes. Reflexões que despertam nossos demônios e mexem com as bases de nossas ideias e valores.

Eu enquanto psicólogo, acredito que faz todo sentido olhar por esta perspectiva proposta por ele, mas, ainda não consigo ter clareza quanto incapacidade de não ter o que fazer perante as pessoas que me procuram em sofrimento. Se eu consegui compreender bem as colocações de Hillman, não é sobre não “tratar” os pacientes, mas sim a forma como o tratamento é feito que deveria mudar, e talvez, através da nova forma proposta por ele chamada de o “cultivo da alma”, que para mim ainda é obscura.

Ao retirar nosso chão, ele não nos deu nada em que nos apoiar. Acredito que isso possa ser um tanto arriscado, pois a partir do momento que ele estimula a destruição de nossas bases, e logo em seguida, não nos oferece nada para reconstruirmos, nós vemos frente a duas opções; ou voltamos às velhas atitudes, ou temos que por nós mesmos, buscar um novo caminho de recomeço a falar sobre psicologia.

Seja qual for à atitude que tomemos daqui para frente, acho bem difícil que os temas aqui trabalhados não fiquem ecoando ao redor de nossa mente, talvez esta seja, a real proposta dele.