Estava eu em minha casa sem nada para fazer resolvi pegar um livro para ler. Já havia começado a ler esse livro, mas como fazia um tempo, resolvi recomeçá-lo. O livro era “Humano, demasiado humano” de Friedrich Nietzsche. Estava me divertindo com suas ponderações e questionamentos a respeito de suas críticas e pensamentos quando na mesma primeira página do prólogo, me deparei com a seguinte frase:


 “… e adivinha  ao menos em parte as consequências de toda profunda suspeita, os calafrios e angústias do isolamento, a que toda incondicional diferença do olhar condena quem dela sofre, compreenderá também com que frequênca, para me recuperar de mim, como para esquecer-me temporariamente, procurei abrigo em algum lugar – em alguma adoração, alguma  inimizade, leviandade, cientificidade ou estupidez; e também por que, onde não encontrei o que precisava, tive que obtê-lo à força de artifício, de falcificá-lo e criá-lo poeticamente para mim (- que outra coisa fizeram sempre os poetas? Para que serve toda a arte que há no mundo?).”


Assim que terminei de ler tal frase, minha leitura do livro novamente se interrompeu, não conseguia ler mais uma linha, apenas vieram-me flashes de memória e discussões que tive em minha adolescência a respeito de Deus, ciência e verdade. 


Diversas conversas desse teor afetaram minha vida e carrego suas marcas até hoje. Muitas fantasias me foram quebradas o qual me gerou tremenda dor, porém sou agradecido pelo proveito que tirei. Mas nenhuma frase ficou tão marcada quanto “Deus é apenas uma muleta”. Naquela época eu acredita em Deus com toda a certeza que poderia ter. Me irritava tremendamente quando alguns de meus amigos debochavam de mim por isso, e tinham sempre muitas respostas científicas a dar quando eu os tentava provar algum ponto de vista espiritual.


Muito tempo se passou dessa época, minha visão a respeito do mundo, da natureza e dos seres humanos mudou “da água para o vinho” (se me permitem o trocadilho).  Apesar disso, a ideia de Deus ser apenas uma muleta continuou martelando em minha cabeça. Ainda que minha concepção de Deus tenha também mudado e atualmente me questione muito a respeito disso (se é que dá pra se definir “Isso”).


Durante esse tempo me formei em psicologia e atualmente , além da psicologia clínica, também dou aula particular. Para falar de psicologia acabo tendo que fazer um tour espistemológico e inevitavelmente falar sobre o grande Descartes. Obviamente para falar dele tive estudá-lo, e li diversos autores que falam sobre Descartes e o Cartesianismo. Assim acabei por construir diversas críticas (positivas ou não) a respeito do Cartesianismo, positivismo, cientificismo, materialismo, etc.


É claro que construir críticas negativas a respeito de um paradigma que está em falência é muito mais fácil do que construí-lo enquanto reina com glamour. Mas foi exatamente do que me dei conta. O mesmo glamour com que tempos atrás via a ideia de Deus, meus amigos viam o saber científico. Mas eu estava em desvantagem, pois estava defendendo uma posição que havia sido “derrotado” históricamente pelo ponto de vista ao qual eles estavam defendendo (não entro no mérito se o cartesianismo derrotou as concepções divinas, lendo-se derrota com todo o seu sentido denotativo, mas é fato histórico que as conpecções científicas ganharam muito espaço e quebraram argumentos da igreja). O que talvez nos faltasse era a ideia de que todos nós pudessemos estar apenas, usando muletas diferentes.


Escrevo esse artigo me baseando na crença de que o criacionísmo, o evolucionísmo, o cartesianismo, o relativismo ou seja lá o “ismo” que for, não passam de instrumentos, invenções humanas para tentar acabar com uma de suas maiores angústias que é saber “o que “diabos” está acontencendo?!”.


Em nome dessa estrutura arquetípica, fazemos qualquer negócio, inventamos qualquer aparato e humilhamos qualquer um que não compartilhe dessa crença. Pois necessitamos rapidamente exterminar aquilo que possa nos lembrar que essa angústia ainda está presente e que as respostas que acreditamos ter não respondem na verdade coisa alguma.


Perceba que eu usei uma palavra muito perigosa, “verdade”. Se eu for dissertar sobre a verdade estarei escrevendo um artigo dentro de outro. Resumindo o que grandes autores escreveram a respeito da verdade e o que eu particularmente também concordo, “é que a verdade nada mais é do que uma mentira bem fundamentada, com uma certa funcionalidade, durante um certo período de tempo” (será verdade?  … perturbador, não ?!).  Pois é também perturbador quando algo ganha o status de verdade. O que durante muitos anos era traduzido pelo selo  “comprovado cientificamente”.  Basta algo vir com esse selo que não há argumentação. Se é comprovado cientificamente, logo, é uma verdade. Supostamente todas as possíves hipóteses contra, foram suprimidas pela testagem e o controle de variáveis, que foram feitas dentro de um laboratório, que justamente controla as variáveis. Mas, o que então acontece quando ocorre um fenômeno fora do laboratório, onde outras variáveis que não as controladas no laboratório podem influenciar, inclusive variáveis que ainda não conhecemos ?! (Onde está seu Deus agora?)


Entramos num outro ponto importante aqui. O que nós não conhecemos, ou me arrisco a sugerir, aquilo que nós se quer podemos vir a nunca conhecer.  Existem alguns arquétipos muito interessantes que atravessam os seres humanos. Aquele que se assemelha a imagem divina é um dos que mais me chama a atenção. Possuimos a Imago Dei, isso é algo notável, alguns outros alegam que fomos feitos a imagem e semelhança de Deus. Não sei vocês, mas não seria possível imaginar que pensamentos como esses nos levariam a lugares altamente prepotentes? Levando a pensar que inclusive possuímos a capacidade de desvendar todos os mistérios do universo? E se nós não pudermos? E se nosso cérebro, mente, ou seja lá o que for, simplesmente só tiver a capacidade de percerber um mínimo? De onde tiramos a ideia de que podemos alcançar a verdade? Uma advertência sobre esse pensamento: É altamente perigoso para os preguiçosos. “Já que não da pra alcançar a verdade, e tudo aquilo que produzimos de saber, num momento posterior será refutado, então não preciso estudar! “(FESTA!).


Estamos numa época onde todo o saber passado está em “xeque”. Leis físicas sendo quebradas, tudo virou possibilidades e probabilidades e relatividades. Enquanto isso vejo as pessoas acusando umas as outras, caçoando dos crentes ao criacionismo, dizendo que um velho barbado criando o mundo em sete dias é algo muito infantil. Mas pensar que uma bolota espacial-voadora-suicida é algo infantil não dá, certo ?! Nunca tinha pensado a teoria do Big-Bang por esse ângulo? Uma bolota de energia no meio do nada (de onde ela veio?) que não tinha nada para fazer, parou e pensou “-nada para fazer, vou me explodir!”, BANG!


Não se sinta mal por acreditar em qualquer uma das coisas mencionadas acima. Por mais errado ou falível que seja o conhecimento humano, ele é sim, extremamente importante. É ele quem transforma isso tudo em suportável, é quem nos sustenta, é nossa muleta. Se Nietzsche, “o homem que “matou” Deus”, admite usar muletas, quem é você para acreditar que não?!

Texto de  João Guilherme Mamede