O melhor texto de Freud, para entendermos como ele via a depressão, é o chamado Luto e Melancolia. Na época de Freud, e em alemão, depressão era sinônimo de melancolia, sendo esta a palavra mais usada. Se fossemos traduzir, poderíamos arriscar chamar o texto de Luto e depressão.

No texto Luto e Melancolia, de 1917, Freud realiza um estudo comparativo entre os dois estados: o estado de ter perdido alguém (luto) e o estado depressivo – como chamamos hoje – ou melancolia.

Freud foi sempre genial em suas explicações. O mundo soube reconhecer a importância de seu pensamento quando ele ainda estava vivo, e, deste modo, ele gozou de fama e reconhecimento internacionais.

Vamos pensar juntos os trechos mais importantes do texto de Freud. Para tanto, selecionei alguns trechos que nos servirão de guia – são os trechos que resumem o texto como um todo.

Freud inicia o texto dizendo que a melancolia é apresentada de diversas formas na psiquiatria. Lemos no texto, a opinião de que alguns problemas da melancolia certamente terão como causa problemas físicos (orgânicos). Freud analisará apenas os casos em que o problema é psíquico (de natureza psicogênica) ou seja: emocional e mental.

Para entender a melancolia, ele analisa conjuntamente a melancolia junto do luto.

Vejamos as semelhanças:

– Influências do ambiente;

– Desânimo profundo;

– Perda do interesse no mundo e nas coisas;

– Perda da capacidade de amar;

– Inibição das atividades (cotidianas ou habituais);

Principal diferença entre o Luto e a Melancolia:

– Diminuição no sentimento de autoestima (na melancolia). Esta diminuição da autoestima não está presente no Luto.

Em seguida, podemos ler no texto a definição do que o luto faz, ou, em outras palavras, podemos ler a respeito do trabalho do luto. Como há a perda do objeto (de um parente, por exemplo), há a retirada da libido, da energia psíquica daquele objeto:

“Cada uma das lembranças e expectativas isoladas, através das quais a libido está vinculada ao objeto, é evocada e hipercatexizada, e o desligamento da libido se realiza em relação a cada uma delas”.

Em outras palavras, as lembranças que estão relacionadas com o objeto perdido são trazidas à tona – são valorizadas e revividas (hipercatexizadas), e há, depois, a liberação da energia, da libido, de cada uma destas lembranças.

Como podemos entender este trecho?

Se perdemos alguém (ou algo) querido, vamos nos lembrando dos momentos vividos – com profunda dor e sentimentos de tristeza. Mas, com o tempo, estes afetos (tristeza, dor) vão sumindo. Nos lembramos do que aconteceu relativo ao que perdemos, mas já não sentimos o mesmo de quando perdemos a pessoa ou o objeto querido.

E por isto, Freud diz: “quando o trabalho do luto se conclui, o ego fica outra vez livre e desinibido”.

Na melancolia, há algo de semelhante. Há uma perda…mas nem sempre a pessoa sabe ou entende o que perdeu…

A diferença fundamental entre o Luto e Melancolia é que na Melancolia há um sentimento ruim com relação ao próprio eu.

Imagine alguém com depressão (com melancolia), este pessoa teria sentimentos ruins para com ela própria. Vamos dizer que Fulano está deprimido. Fulano pensaria e sentiria que Fulano não é bom, não merece apreço ou amor. Ou seja, a autoestima de Fulano estaria baixa: são os sentimentos de autorecriminação, de autodepreciação, de auto-lamento.

Note novamente que esta autodepreciação não está presente no Luto.

Na continuação do texto, lemos o seguinte, sobre a melancolia:

“O paciente representa seu ego para nós como sendo desprovido de valor, incapaz de qualquer realização e moralmente desprezível… Esse quadro de um delírio de inferioridade (principalmente moral) é completado pela insônia e pela recusa a se alimentar, e o que é psicologicamente notável por uma superação do instinto que compele todo ser vivo a se apegar à vida”.

Vamos por partes. Ao contrário do luto, aonde não encontramos a baixa autoestima, na melancolia o paciente sente o seu próprio eu, seu próprio ego (ego é a palavra eu em latim e grego), como não tendo valor, como não tendo realizado nada que possa ser considerado digno.

A lista dos sintomas também inclui:

– inferioridade (se considera inferior aos outros);

– insônia (perda do sono ou dificuldade de dormir na hora desejada);

– perda do apetite (falta de vontade de se alimentar);

Continuando nos pontos principais do texto, podemos ler Freud explicando um pouco de sua teoria sobre a psique, sobre a alma.

Para a psicanálise de Freud, a nossa alma sempre vive em conflito. Podemos ver partes diferentes da alma em conflito. Em alguns momentos, Freud chama estas partes de Inconsciente, Pré-Consciente e Consciente e posteriormente, Eu, Super-eu (Super-ego) e Isso (ou Id).

Estas partes não entram em acordo: estão sempre em conflito.

Freud escreve: “detenhamo-nos um pouco no conceito que a perturbação do melancólico oferece a respeito da constituição do ego humano. Vemos como nele uma parte do ego se coloca contra a outra, julga-a criticamente”.

Freud faz ainda, a partir de suas observações no consultório, outra constatação importante:

“No quadro clínico da melancolia, a insatisfação com o ego constitui, por motivos de ordem moral, a característica mais marcante. Freqüentemente, a auto-avaliação do paciente se preocupa muito menos com a enfermidade do corpo, a feiura ou a fraqueza, ou com a inferioridade social; quanto a essa categoria, somente seu temor da pobreza e as afirmações de que vai ficar pobre ocupam posição proeminente”.

Ou seja, na melancolia não há tanta preocupação com o corpo, com a fraqueza pela falta de alimentação, por exemplo. Há mais preocupação com o próprio eu, com a auto-avaliação que o paciente faz de si.

E então, Freud começa a responder à seguinte pergunta:

– Porque a pessoa, na melancolia, possui esta característica de se auto-criticar? De ter a sua autoestima tão em baixa?

A resposta é:

“Se se ouvir pacientemente as muitas e variadas auto-acusações de um melancólico, não se poderá evitar, no fim, a impressão de que freqüentemente as mais violentas delas dificilmente se aplicam ao próprio paciente, mas que, com ligeiras modificações, se ajustam realmente a outrem, a alguém que o paciente ama, amou ou deveria amar”.

Ouvindo o paciente, podemos perceber que, na verdade, há uma mudança de objeto. Ao invés de criticar o outro (alguém que se ama, amou ou deveria amar) o paciente critica a si-mesmo.

O foco é invertido: ao invés da crítica recair sobre a outra pessoa, a crítica recai sobre a própria pessoa. Fulano não critica o Ciclano. Para não criticar Ciclano, acaba, inconscientemente, criticando a si mesmo, Fulano.

Freud resume: “percebemos que as auto-recriminações são recriminações feitas a um objeto amado que foram deslocadas desse objeto para o ego do próprio paciente”.

Muitas pessoas não sabem, mas o que é chamado atualmente de Transtorno Bipolar era conhecido antes como psicose maníaco-depressiva. Evidentemente, psicose maníaco-depressiva é um nome mais forte e causa em nós um sentimento de ser uma doença muito difícil.

Transtorno Bipolar já nos traz a ideia da mudança de um estado para o outro. Às vezes a pessoa está deprimida, e as vezes está com mania (de grandeza, por exemplo).

Freud introduz agora a mania para comparar também com o luto e com a melancolia. Em muitos casos, há realmente a alternância de estados melancólicos (depressivos) e estados de mania.

Qual é a diferença entre estes dois estados?

Fred explica:

“Na mania, o ego deve ter superado a perda do objeto (ou seu luto pela perda, ou talvez o próprio objeto), e, conseqüentemente, toda a quota de anticatexia que o penoso sofrimento da melancolia tinha atraído para si vinda do ego e “vinculado” se terá tornado disponível. Além disso, o indivíduo maníaco demonstra claramente sua liberação do objeto que causou seu sofrimento, procurando, como um homem vorazmente faminto, novas catexias objetais”.

Em outras palavras, vamos dizer que temos uma quantidade de energia. Suponhamos que cada um de nós tenha disponível 100 de energia para usar durante o dia.

Uma parte dessa energia vai para sobrevivência: alimentação, sono, sexualidade. O resto pode ser investido (ou direcionado) para outros fins.

Por exemplo, se eu me apaixono por alguém, muito da minha energia vai para pensar na pessoa por quem eu estou apaixonado. Talvez 50, 60 de minha energia tem aquele fim.

Suponhamos agora que eu termine o meu relacionamento com aquela pessoa. O que vai acontecer com os 50, 60 de energia?

Freud supõe dois caminhos: ou essa energia vai estar disponível para o meu eu, para o meu ego, ou vai se tornar inconsciente.

Se estiver disponível para o meu eu, posso vivenciar estados de mania. Exaltação, furor, grandiosidade do eu.

Se não estiver disponível para o meu eu e se tornar inconsciente, esta energia pode se voltar para ficar variando no par amor-ódio (ambivalência).

Às vezes eu vou sentir amor pela pessoa por quem me apaixonei. As vezes vou sentir ódio. Mas o estado mais comum será a inversão do objeto. Inconscientemente eu troco a pessoa. Ao invés de sentir ódio ou rancor pela pessoa por quem me apaixonei (por ter terminado comigo ou brigado comigo) passo a sentir ódio de mim mesmo.

Nas palavras de Freud:

“A mulher que lamenta em altos brados o fato de o marido estar preso a uma esposa incapaz como ela, na verdade está acusando o marido de ser incapaz, não importando o sentido que ela possa atribuir a isso”.

E em apenas uma frase: “tudo de desairoso que dizem sobre eles próprios refere-se, no fundo, à outra pessoa”.

E chegamos ao final dos Comentários sobre o texto Luto e Melancolia.

Espero que tenham gostado e aprendido mais sobre psicanálise – depressão e melancolia