Trecho do Capítulo Um – Em poucas palavras: A Teoria do Fruto de Carvalho e a Redenção da Psicologia


Há muitas coisas numa vida humana do que permitem nossas teorias a seu respeito. Mais cedo ou mais tarde, alguma coisa parece nos chamar para um caminho específico. Essa “coisa” pode ser lembrada como um momento marcante na infância, quando uma urgência inexplicável, um fascínio, uma estranha reviravolta dos acontecimentos teve a força de uma anunciação: isso é o que eu devo fazer, isso é o que eu preciso ter. Isso é o que eu sou.


Este livro é sobre este chamado.



Se não é tão forte e categórico, o chamado pode ter sido mais como pequenos desvios no curso que você seguia sem saber por quê, levando-o para um ponto determinado da margem. Olhando para trás, você sente que houve um dedo do destino.


Este livro é sobre este senso do destino.


(…)


Este livro segue um novo curso baseado numa ideia antiga. Cada pessoa entra neste mundo tendo sido chamada. A ideia vem de Platão, de seu Mito de Er no final de sua obra mais conhecida, A República. Posso resumir a ideia.


A alma de cada um de nós recebe um daimon único, antes de nascer, que escolhe a imagem ou padrão a ser vivido na terra. Este companheiro da alma, o daimon, nos guia aqui. Na chegada, porém, esquecemos de tudo o que aconteceu e achamos que chegamos vazios a este mundo. O daimon lembra do que está em sua imagem e pertence a seu padrão, e portanto o seu daimon é o portador de seu destino.


Como explicou o maior dos neoplatônicos, Plotino (205-270 a. C.), escolhemos o corpo, os pais, o lugar e as circunstâncias que servem à alma e que, segundo o mito, pertencem à necessidade. Isso sugere que as circunstâncias, inclusive meu corpo e meus pais, a quem posso maldizer, são escolhidos por minha alma – e não entendo isso porque esqueci.


Para não esquecermos, Platão conta o mito e, na última passagem, diz que ao preservar o mito podemos nos preservar melhor e prosperar. Em outras palavras, o mito tem uma função psicológica redentora, e uma psicologia dele derivada pode inspirar uma vida nele baseada.


O mito também leva a movimentos práticos. O mais práticos de todos é encarar a biografia segundo as ideias sugeridas no mito – ideias de vocação, alma, daimon, destino, necessidade. Depois, sugere o mito, precisamos prestar atenção na infância a fim de captar os primeiros sinais do daimon em ação, entender suas intenções e não bloqueá-lo.


As demais sugestões práticas vêm logo a seguir:


a) reconhecer o chamado como o fato primordial da existência humana;

b) alinhar a vida com esse chamado;

c) ter o bom senso de perceber que acidentes, inclusive a dor do coração e os choques naturais que são herança da carne, pertencem ao padrão da imagem, lhe são necessários e ajudam a realizá-la.


Um chamado pode ser adiado, evitado, intermitentemente não escutado. Pode também tomar conta de você totalmente. Qualquer coisa; com o tempo ele aparece. Exige. O daimon não vai embora.


Há séculos procuramos o termo certo para esse “chamado”. Os romanos chamavam isso de genius, os gregos, de daimon, os cristãos, de anjo da guarda. Os românticos, como Keats, diziam que o chamado vinha do coração, e o olho intuitivo de Michelangelo via uma imagem do coração da pessoa que ele estava esculpindo.


Os neoplatônicos referiam-se a um corpo imaginal, o ochema, que levava a pessoa como se fosse um veículo. Era seu carregador ou suporte pessoal. Para alguns é a sorte ou fortuna; para outros, um gênio ou jinn, uma semente podre ou um gênio do mal. No Egito, talvez fosse o ka ou o ba, com quem a pessoa podia conversar. Entre os chamados esquimós e outros povos que seguem práticas xamanísticas, é o espírito, a alma-livre, a alma-animal, a alma-sopro.


(…)


Em resumo, então, este livro é sobre vocação, destino, caráter, e sobre imagem inata. Essas ideias formam a “teoria do fruto do carvalho”, que sustenta que cada pessoa tem uma singularidade que pede para ser vivida e que já está presente antes de poder ser vivida.