Da última vez escrevi sobre o conceito de identidade, com a ajuda do pensamento filosófico de Paul Ricoeur. Hoje, gostaria de lhes expor, resumidamente, um artigo que apresentarei em junho em Maringá – PR, no Colóquio Internacional de Estudos Linguísticos e Literários.

O artigo tem como título Ninguém é Alguém: a Identidade no conto “O Imortal”, de Borges.

Jorge Luis Borges é um dos maiores escritores argentinos do século XX, conhecido internacionalmente por seus contos fantásticos e poesias. Recomendo a leitura.

O livro Aleph é considerado por Borges como seu livro mais importante. Nele encontramos vários contos: o Aleph, o primeiro conto, é a respeito do ponto no espaço – Aleph – que nos permite ver TODO o espaço. O conto Deutsches Requiem expõe o ponto de vista dos nazistas através do relato de um general alemão.

O conto que analisei é O Imortal. Em resumo: é um relato em primeira pessoa de um general romano que busca e encontra a fonte da imortalidade, junto à cidade dos imortais. Paradoxalmente, os imortais se parecem com trogloditas, pois contemplam silenciosos o céu, o sol e a chuva.

Eles permanecem assim depois de perceberem que tudo tende ao equilíbrio com o passar do tempo. Uma ação má é compensada por uma ação boa e vice-versa. Não é necessário, pois, realizar a justiça ou ser caridoso.

Depois de algum tempo próximo de um dos trogloditas, o general romano, recém-imortal, descobre que seu companheiro é na verdade Homero, o poeta grego que deu origem à nossa tradição literária com A Ilíada e a Odisséia.

Para ele e para os imortais, os homens, que possuem um pequeno tempo entre o nascimento e a morte, são como fantasmas. São preciosos e patéticos: “cada ato que executam pode ser o último; não há rosto que não esteja por dissolver-se como o rosto de um sonho”.

Para os imortais, a quem o tempo assemelha-se à eternidade, “não há méritos morais ou intelectuais. Homero compôs a Odisséia; postulado um prazo infinito, com infinitas circunstâncias e mudanças, o impossível seria não compor, sequer uma vez, a Odisséia”.

Com a ideia do universo como um sistema de compensações, juntamente com a extensão temporal da imortalidade, encontramos uma definição de identidade plausível de um sujeito, como Homero, imortal. “Ninguém é alguém, um só homem imortal é todos os homens. Como Cornélio Agripa, sou deus, sou herói, sou filósofo, sou demônio e sou mundo, o que é uma fatigante maneira de dizer que não sou”.

Em outras palavras: postulado um homem imortal – tendo um tempo de vida infinito – sua identidade se perde, este homem seria ninguém. Como Ulisses na Odisséia (para enganar o Ciclope) “Οΰτις έμοί γ’ όνομα” – Ninguém é o meu nome.
Mas ao mesmo tempo em que um homem imortal seria ninguém, ele seria todos os homens. Teria tempo para fazer todas as coisas, ter todas as profissões e experiências.
Como está escrito no Corpus Hermeticum:  “Os extremos se tocam [todos e ninguém]. Todas as verdades são meias-verdades. Todos os paradoxos podem ser reconciliados”.
Apesar do conto de Borges ser um conto fantástico, ele permite reflexões interessantes sobre a identidade e o tempo. Sobre ser quem eu sou no tempo e ser quem eu sou em um tempo estendido ad infinitum…
Para saber mais: O Aleph. Autor: Jorge Luis Borges. Editora Globo.
FELIPE DE SOUZA