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Estádio do Espelho

Antes mesmo da estruturação do “Eu” na criança, ela passa por uma fase chamada estádio do espelho. “O “estádio do espelho´´ ordena-se essencialmente a partir de uma experiência de identificação fundamental, durante a qual a criança faz a conquista da imagem de seu próprio corpo.” (DOR, 1989, p. 79)

A essa vivência chamamos de identificação primordial, a criança identifica-se com sua imagem e estrutura seu “Eu”. O que precede esse acontecimento psíquico infantil, Lacan nomeia de fantasma do corpo esfacelado. “De fato, antes do estádio do espelho, a criança não experimenta inicialmente seu corpo como uma totalidade unificada, mas como alguma coisa dispersa.” (DOR, 1989, p. 79)

Durante o estádio do espelho, que se divide em três tempos, que compreende dos primeiros 6 meses aos 2 anos e meio de vida, a criança irá lentamente se dando conta da totalidade da imagem de seu corpo. Para Dor (1989, p. 79) “este primeiro tempo da experiência testemunha em favor de uma confusão primeira entre si e o outro”.

Todo esse primeiro tempo do estádio do espelho mostra que a criança está estruturando seu imaginário e o tempo momento é a etapa que constitui a identificação. Agora ela já sabe que o outro no espelho é uma imagem refletida, portanto para Dor (1989, p. 79) “no geral seu comportamento indica que ela sabe, de agora em diante, distinguir a imagem do outro da realidade do outro.”

No terceiro tempo Dor (1989, p. 80) afirma:

O terceiro momento dialetiza as duas etapas precedentes, não somente porque a criança está segura de que o reflexo do espelho é uma imagem, mas, sobretudo, porque adquire a convicção de que não é nada mais que uma imagem, e que é a dela.

Portanto, a criança troca a imagem que tinha de um corpo esfacelado, por uma de um corpo com sua totalidade unificada. Para Dor (1989, p.80) “A imagem do corpo é, portanto, estruturante para a identidade do sujeito, que através dela realiza assim sua identificação primordial.

Concluindo, o estádio do espelho é a conquista da identidade, a criança já sabe diferenciar si mesma do outro, realizando, assim, uma “pré-formação” do “Eu (Je)”.

Complexo de Édipo

Primeiro Momento do Édipo

“A o sair da fase identificatória do estádio do espelho, a criança, em quem já se esboça um sujeito, nem por isso deixa de estar numa relação de indistinção quase fusional com a mãe.” (DOR, 1989, pp. 80-81)

Isso significa dizer que a criança ainda não constituiu completamente um sujeito e ainda é muito dependente da mãe. Segundo Dor (1989, p. 81) “buscando identificar-se com o que supõe ser o objeto de seu desejo.”

Isso ocorre a partir da satisfação das primeiras necessidades infantis, a criança busca ser o objeto de desejo do desejo da mãe. Esses cuidados que a mãe tem com seu filho, faz com que ele queira ser o objeto do que é suposto faltar na mãe, o falo. “Como observa Lacan, no primeiro tempo do Édipo o desejo da criança permanece radicalmente assujeitado ao desejo da mãe”. (DOR, 1989, p. 81)

Neste primeiro momento do Édipo tudo se passa no fato de que a criança não acredita na castração. Portanto, só existe relação fusional da criança com a mãe, porque parece não haver um terceiro para ser o mediador da identificação fálica da criança com sua progenitora.

Dor (1989, p. 81) afirma que: “por mais que a instância mediadora (o Pai) seja aqui considerada estranha à relação mãe-criança, é a própria dimensão da identificação fálica da criança nessa relação que a pressupõe.”

Podemos afirmar, portanto, que a identificação com o objeto fálico que faz a mediação da castração ser evitada, reforça ainda mais a indecisão dialética entre ser ou não ser o falo.

“O surgimento de tal indecisão anuncia o segundo tempo do complexo de Édipo, no qual a criança é incontornavelmente introduzida no registro da castração pela intrusão da dimensão paterna.“(DOR, 1989, p. 81)

Ao longo da fundação do Édipo na criança, pode ocorrer a fixação em um ponto de equilíbrio instável, isso é, pode ocorrer uma instabilidade no ser ou não ser o falo. A suspensão desta questão, a de ser ou não ser o falo, leva a um favorecimento à identificações perversas. Isso eterniza uma indecisão no que tange à castração, por mínimo que seja o entendimento equivocado sobre o papel da função simbólica do pai.

Portanto, para Dor (1989, p. 81) “a identificação perversa coloca, em negativo, a dupla mas solidária questão da privação materna de seu objeto fálico do desligamento da criança de sua identificação com um tal objeto.”

Segundo Momento do Édipo

Nesse momento, a intrusão paterna irá ser muito importante na relação mãe-criança-falo. O pai trará a privação, aquele que priva a mãe do objeto fálico de seu desejo.

A intromissão da presença do pai é encarada pela criança como interdição e frustração. Aqui o pai é um importunador pelo que interdita, a satisfação do impulso, portanto, como a mãe é do pai e não da criança, ele frustra a criança da mãe.

Segundo Dor (1989, p. 83)

Dito de outra forma, a intrusão paterna na relação mãe-criança-falo se manifesta em registros aparentem ente distintos: a interdição, a frustração e a privação. A coisa complica-se ainda mais quando se revela que a ação conjugada do pai, simultaneamente interditor, frustrador, privador, tende a catalisar sua função fundamental de pai castrador.

A Falta do Objeto

Antes de prosseguirmos, é importante falar da falta do objeto. Há três formas que a falta do objeto pode se manifestar, podendo ocorrer isso em crianças ou adultos, são elas: frustração, privação e castração. Entretanto, ainda que em todos esses casos estejamos falando de falta do objeto, existem maneiras diferentes que isso ocorre, em cada caso e o tipo de objeto.

“A frustração é o âmbito por excelência da reivindicação, com a ressalva de que neste caso nenhuma possibilidade de satisfação pode ser encontrada. Com efeito, na frustração, a falta é um dano imaginário (DOR, 1989, p. 83).” Em compensação o objeto da frustração é totalmente real. O protótipo desse objeto seria o pênis onde, na menina, sua ausência é seu motivo de frustração.

“Num sentido mais geral, a criança vive a ausência de pênis na mãe como uma frustração.” (DOR, 1989, p. 83)

No que tange à privação, a falta é que é real, a falta de objeto deixa um buraco no real. Entretanto, o objeto da privação é um objeto simbólico.

Sobre a castração, sua falta é simbólica, porque remete a interdição do incesto, que é a referência simbólica por excelência. “É por isso que a função paterna é operatória, determinando, para a criança, seu próprio acesso ao simbólico.” (DOR, 1989, p. 83).

A falta significada pela castração é uma dívida simbólica. Porém o objeto faltante é imaginário, o falo.

Resumindo, como explica-nos Dor (1989. p. 84), segue:

“— a castração é falta simbólica de um objeto imaginário,
— a frustração é a falta imaginária de um objeto real,
—    a privação é a falta real de um objeto simbólico.”

No segundo momento do Édipo, a criança encontra a lei paterna, que se confronta com a castração que a interpela através da dialética do ter, cujo sua mãe encontra-se dependente daqui em diante. Por isso, o segundo momento do Édipo é indispensável que a criança experiencie para aceder à simbolização da lei, marcando o declínio do complexo de Édipo.

Segundo afirma Dor (1989 p. 87)

[…] a criança é, de agora em diante, forçada pela função paterna a aceitar, não somente não ser o falo, mas também não tê-lo, assim com o a mãe, dando-se conta de que ela o deseja lá onde ele é suposto estar e onde torna-se, então, possível tê-lo.

Terceiro Momento do Édipo

O terceiro momento é onde ocorre o declínio da fase do Édipo, dá fim à rivalidade fálica em torno da mãe, a qual a criança instalou-se e instalou, imaginariamente, seu pai.

Dor (1989, p. 88) afirma:

O tempo fundamental desta etapa é marcado pela simbolização da lei, que atesta da melhor forma que a criança recebeu sua plena significação. O valor estruturante desta simbolização reside, para ela, na determinação do lugar exato do desejo da mãe.

A dialética do ter leva ao jogo das identificações. Dependendo do sexo da criança, ela se inscreverá diferentemente na lógica identificatória mobilizada pelo jogo fálico. O menino, que renuncia a ser o falo materno, engaja-se na dialética do ter, identificando-se com o pai que supostamente tem o falo. A menina pode igualmente subtrair-se à posição de objeto do desejo da mãe e deparar-se com a dialética do ter sob a forma do não ter. Ela encontra, assim, um a identificação possível na mãe.

A reposição do falo em seu devido lugar é estruturante para a criança, seja qual for seu sexo, a partir do momento em que o pai, que supostamente o tem, tem preferência junto à mãe. É a prova mais manifesta da instalação do processo da metáfora paterna e do mecanismo intrapsíquico que lhe é correlativo: o recalque originário.

Conclusão

Sobre o processo Edipiano, o mais importante, é o estabelecimento da falta. “Renunciamos à mãe para criar uma zona de vazio que, mais tarde, possa ser ocupada por outros objetos. Nossa libido fica mais ou menos exilada de nosso corpo e ligada ao sinal da ausência.” (LEADER, 2013, p. 50)

Leader (2013) destaca que o complexo de Édipo realiza, primeiramente, a introdução à significação, ligando a questão do desejo da mãe a uma resposta: o pai e o falo. Segundo, localiza a libido, a intensidade de nossos apegos e interesses sexuais, fazendo da imagem proibida da mãe o horizonte do desejo sexual. Terceiro, permite-nos situar a nós mesmos em relação ao Outro, encontrar uma distância segura e passar para um outro espaço em que não existamos simplesmente nós e ela.

Autor: Pablo Laffaet

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Bibliografia

DOR, Joël. Introdução à leitura de Lacan: O inconsciente estruturado como linguagem.  tradução Carlos Eduardo Reis; supervisão e revisão técnica da tradução Cláudia Corbisier. Porto Alegre: Artmed, 1989.

LEADER, Darian. O que é loucura?: Delírio e sanidade na vida cotidiana. tradução Vera Ribeiro. 1. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2013.