“Todo mundo sabe que nós temos complexos. O que poucos sabem, entretanto, é que os complexos podem nos ter…” (Carl Gustav Jung).
Olá amigos!
Há mais de 100 anos, Jung – que colaborou com Freud por cerca de 7 anos e criou a Psicologia Analítica – estava realizando os seus famosos Estudos Experimentais. Nestes trabalhos, que depois foram reunidos no 2° Volume de suas Obras Completas, a metodologia científica experimental era utilizada para estudar o funcionamento mental e emocional de pacientes psiquiátricos e pessoas sem distúrbios mentais. O resultado dessas pesquisas, entretanto, mostrou que tanto doentes mentais graves como pessoas comuns possuíam complexos. Vamos à definição:
O que são complexos?
Complexo é um termo criado para designar uma palavra ou grupo de palavras que ativam emoções. São também chamados de complexos de tonalidade afetiva, justamente porque tais ideias trazem afetos à tona e, em muitos casos, o indivíduo é totalmente inconsciente desses complexos.
Dissemos que certas palavras ativam emoções, mas, tecnicamente, seria mais correto dizer que as palavras (o som e a imagem que ela traz) estão intimamente unidas com os afetos, com as emoções.
Na psicanálise de Freud, há o termo Complexo de Édipo e na psicologia individual de Adler há o Complexo de Inferioridade. Embora possuam relação – todos estes termos foram criados mais ou menos na mesma época, no começo do século XX – existem também diferenças.
Para Jung, todos nós temos diversos complexos. Conhecemos alguns deles e outros nos são desconhecidos (inconscientes). Para Freud, o Complexo de Édipo é o complexo mais importante, o complexo nuclear das neuroses, enquanto que, para Adler, o complexo mais importante é o Complexo de Inferioridade, que dá ensejo a uma série de comportamentos que visam sobrepujá-lo, ou seja, fazer com que o indivíduo se sobressaia, ultrapasse a sua inferioridade, desejando, assim, ser superior.
Portanto, para Jung estes dois complexos podem existir, mas, em geral, o criador da Psicologia Analítica fala na coexistência de complexos. Por exemplo, uma pessoa pode ter um complexo paterno forte, no qual a palavra pai (o seu nome) e outras palavras relacionadas com o pai real o impactam de maneira muito forte; enquanto outra pessoa tem um complexo sexual e outra tem o complexo de dinheiro. A lista, em si, não teria fim, já que tudo o que pode afetar uma pessoa pode ser descrito como um complexo (afeto ou emoção junto a uma palavra ou grupo de palavras).
Exemplos de complexos
A partir de um teste experimental, o teste de associação de palavras com membros de uma mesma família, Jung conseguiu demonstrar como os complexos de indivíduos que convivem em um mesmo ambiente são praticamente idênticos. Note que interessante:
Cada linha no gráfico representa uma pessoa, o pai, a mãe e a filha. No eixo x estão dispostas as palavras aleatórias para que cada associasse qualquer coisa que lhe viesse à mente. O eixo y, no caso, representa o tempo que cada um levou para associar (em milissegundos).
Note como a partir da palavra III até a palavra V, tanto mãe como filha praticamente levam o mesmo tempo para responder. Segundo Jung, isso indica que ambas tem um complexo idêntico. Na verdade, se analisarmos todo o gráfico, veremos que mãe e filha apresentam tempo de reação idêntico.
Isso explicaria porque a filha heterossexual escolhe, quando adulta, um parceiro parecido com o seu pai. Em tese, não é que deseje o pai e sim pelo fato de que tem um complexo igual ao de sua mãe. Se sua mãe escolheu um homem alcoólatra, ela também escolhe um homem alcoólatra, razão pela qual os homens escolhidos se parecem.
Veja a semelhança em outras famílias:
No gráfico da página acima, no primeiro, vemos que acontece fenômeno idêntico com um marido e uma esposa, ou seja, ambos tem o mesmo tempo de reação e os mesmos complexos. No segundo gráfico, que mostra os tempos de reação do pai, da filha 1 e da filha 2, também notamos igual fenômeno. Agora vejamos um gráfico um pouco diferente destes dois:
Neste último gráfico, notamos que as duas irmãs apresentam tempos de reação praticamente idênticos, porém, podemos notar já uma diferença. Provavelmente, com o casamento, os complexos da irmã casada foram se alterando.
Através destes gráficos, observamos que os complexos – através do tempo de reação em um teste – afetam diretamente o comportamento. Também é digno de nota que pessoas da mesma família apresentam complexos muito parecidos.
Como os complexos determinam a nossa vida?
Mas até aqui falamos pouco sobre o conteúdo dos complexos. Cada palavra marcada por um número nos gráficos acima marca uma palavra relativamente aleatória, mas comum. Em um dos testes, Jung utilizou essas palavras para começar:
- cabeça
- verde
- água
- perfurar
- anjo
- comprido
- navio
- lavrar
- lã
- amável
- gaveta
- …
Ao responder com a primeira palavra que vinha à cabeça, os pacientes psiquiátricos do Hospital Burgolzli e pessoas que ali trabalhavam (enfermeiros e médicos) iam, na maioria das vezes sem saber, revelando seus complexos.
Por exemplo, um paciente que tinha tentado o suicídio por afogamento demorava para responder na palavra “água” e “navio”. Um outro indivíduo, suspeito de um crime de furto, demorou para responder na palavra “gaveta” porque estava palavra denunciava o seu crime (tinha roubado uma quantidade grande de uma gaveta).
E o que isso tudo quer dizer? O teste de associação de palavras é uma situação criada em laboratório. Como isso funciona no dia a dia?
Bem, no dia a dia, cada pessoa vai dizer e fazer o que estiver relacionado com os seus complexos mais fortes. Por exemplo, uma pessoa que tenha medo de lugares abertos (agorafobia) vai evitar esses lugares como vai, inclusive, evitar de pensar ou imaginá-los, já que a simples palavra ou palavras relacionadas lhe traz a emoção correspondente, no caso, de medo.
Sabe a frase que diz que a boca fala o que o coração está cheio? Nada poderia resumir de maneira mais brilhante o que estamos explicando. Em uma análise ou em uma psicoterapia, o paciente tem o tempo da sessão para falar o que quiser. Porém, como sabia bem Freud, a associação livre não é livre. As associações de ideias vão estar presas aos complexos.
Assim, se se trata de uma pessoa com um forte complexo materno, a mãe vai ocupar quase todo o tempo da sessão. Se é uma pessoa apaixonada, o complexo relacionado à paixão vai fazer igual.
E qual é a importância disso?
Simples: os complexos que temos ativos – quer saibamos deles ou não – acabam coordenando a nossa vida psíquica. O sujeito que não consegue sair de casa está tão dominado por um complexo como o empresário que tem um forte complexo de dinheiro e poder ou o ninfomaníaco que só pensa em suas fantasias. No fundo, e isso reconhece Jung ao final dos Estudos Experimentais, os dois complexos mais presentes são o complexo de poder (dinheiro, reconhecimento, etc) e o complexo sexual (afetividade, se apaixonar, amor, sexualidade).
E, a partir desta constatação, surge a questão de como sair dos próprios complexos…
Bem, é possível ganhar mais liberdade e mais autonomia fazendo um tratamento psicoterápico com um psicólogo ou psicanalista. Mas também é possível ter mais autoconhecimento a partir de outras atividades, como, por exemplo, as práticas da Mindfulness Psychology
Creio que, para encerrar, a frase de Freud seja significativa: Wo Es war, soll Ich werden, o que quer dizer: Aonde estava o Id (Es), que advenha o Ego (Eu – Ich). Em outras palavras, aonde estavam os complexos inconscientes, que haja consciência.
Esse texto valeu por 10 sessões de terapia! Muito bom. Vivendo e aprendendo. Grande abraço,
Obrigado Raquel! :)
Felipe, texto muito esclarecedor. Mas me surgiu uma pergunta: como posso identificar um complexo em mim? Precisa ser na psicoterapia ou existe algum teste psicológico que ao menos acene? Abs
Excelente, bastante esclarecedor!
Oi Felipe, muito bom o seu texto!
A frase: A boca fala o que está cheio o coração, na verdade é um versículo bíblico e está no livro Mateus capítulo12:34.
Olá, Felipe! Eu não sei como devo me comportar desde que ouvi falar sobre a palavra complexo. Se ensino alguma coisa que sei para alguém que não sabe, ou mesmo se visto uma roupa nova, tenho complexo de superioridade. Se digo que não sei fazer algo ou se me visto relapsamente vão dizer que tenho complexo de inferioridade. Vocês psicólogos são muito ditadores. Qualquer comportamento que temos vcs atribuem como complexo. Por que vcs não orientam as pessoas serem elas mesmas? Eu quero ser apenas eu e não consigo ser pq tem sempre alguém me “classificando”. Isso nos cansa. Desculpe meu desabafo.
Olá Zípora,
Pela teoria de Jung, como disse no texto, não há um problema inerente de ter um complexo. Todos nós temos! Inclusive ele diz em sua teoria que o eu é um complexo, quer dizer, o eu que conheceremos como eu é uma palavra (meu nome, minha história) com emoções e afetos ligados.
Ou seja, ao menos na teoria de Jung, quando falamos de complexos estamos apenas descrevendo um modo de funcionamento da psique. E não uma doença mental, ok? O uso que as pessoas fazem, ou as interpretações equivocadas, já são uma outra coisa.
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Meu sonho é fazer graduação em psicologia EAD.
gostaria de saber onde fazer um curso de psicanalise também à distância.
Olá Cristiano,
Se você fizer meditação, por 20 minutos, 40, uma hora, verá que por mais que tente se concentrar em um foco meditativo – como a respiração – a atenção vai para certos pensamentos. Por exemplo, se estou com um problema X, toda hora esse problema reaparece e funciona como um complexo.
Se você observar também sobre o que se fala. No facebook, vemos muito que ficam o tempo todo falando de política… outros de futebol…outros de religião… são complexos. Complexo de PT, complexo de PSDB, complexo de Flamengo, Corinthias…
Atenciosamente,
Felipe de Souza
Olá Amalia,
A graduação em psicologia não está disponível em EAD, apenas presencial, ok?
Saiba mais aqui:
https://psicologiamsn20220322.mystagingwebsite.com/2014/01/faculdade-de-psicologia-a-distancia-existe.html
Bom dia:
Em qual livro das O.C. de Jung ele disserta sobre o conceito de “complexo”?
Obrigada
O principal livro é Estudos Experimentais.
Você pode estudar conosco no site – http://www.cursojung.com