Introdução

O presente trabalho tem por objetivo, fazer uma relação do arquétipo de trickster com a esquizofrenia, visando identificar no sintoma psicótico qual imagem tricksteriana se faz presente.

A esquizofrenia é caracterizada por delírios, alucinações, fala e comportamentos desorganizados e embotamento afetivo, instaurados em curto período de tempo (cerca de um mês ou menos) [1].

A esquizofrenia é caracterizada como sendo uma psicose crônica que altera profundamente a personalidade [2]. Neste quadro há ausência de relação do mundo interno com o externo, levando o paciente a se perder num caos imaginário.

Desde os seus tempos de estudante [4] era interessado na esquizofrenia (até então conhecida como dementia praecox). À medida que desenvolvia seu conceito de inconsciente coletivo e a teoria dos arquétipos, foi-se convencendo de que a psicose em geral e a esquizofrenia em particular, poderiam ser explicadas como uma dominação do ego pelos conteúdos do inconsciente coletivo e a dominação da personalidade por um complexo ou complexos dissociados.

Fundamentação Teórica

Esquizofrenia

Atualmente fala-se de esquizofrenia diante do resultado das diferentes visões, descritas entre o final do século XIX e a metade do século XX. Fragmentos de documentos hindus, datados do século XIV A.C., já descreviam uma condição com sintomas muito semelhantes aos que hoje atribuímos à esquizofrenia [3].

O termo “esquizofrenia” foi criado em 1911 [2], significando mente dividida. Ao propor esse termo, ele quis ressaltar a dissociação percebida pelo paciente entre si mesmo e a sua psique. Hoje é o nome universalmente aceito para este transtorno mental psicótico e é definida como uma doença mental grave.A principal alteração no quadro da esquizofrenia é a dissociação entre pensamento (delírios), emoção (inadequação dos afetos) e percepção (alucinações). Segundo Bleuler, os sintomas começam a se manifestar na adolescência ou no início da idade adulta, entre quinze e quarenta e cinco anos.

O arquétipo de Trickster

O inconsciente se divide em duas formas: pessoal e coletivo [4]. O inconsciente pessoal corresponde às camadas mais superficiais, nas quais estão compreendidas as questões referentes à vida particular do indivíduo bem como seu passado e suas percepções, ideias, experiências, memória, representações incompatíveis com o consciente. O inconsciente coletivo se estrutura sobre bases mais profundas, não apenas de natureza individual, mas universal; isto é, contrariamente à psique pessoal ele possui os conteúdos e os modos de comportamento, os quais são ‘cum grano salis’ os mesmos em toda parte e em todos os indivíduos. O inconsciente coletivo seria, então, o depositário de toda uma tradição cultural da humanidade, da qual não podemos escapar e na qual estamos inexoravelmente inseridos.

A teoria junguiana defende que este inconsciente é um tesouro de imagens eternas que engloba tipos arcaicos – ou melhor – primordiais, isto é, de imagens universais que existiram desde os tempos mais remotos. Estas imagens eternas adquirem a forma de arquétipos, que são a condensação deste material mítico e primitivo em seu estado puro, representando um modelo hipotético abstrato. Nesta perspectiva, os arquétipos emergem sob a forma de imagens arquetípicas – as quais temos acesso através dos sonhos ou da arte, por exemplo – que adquirem uma forma de acordo com o indivíduo e seu mundo. Este processo ocorre via símbolos, através do inconsciente pessoal e sua exteriorização assume múltiplos matizes. Porém, o arquétipo original a que ele se liga é fielmente mantido e revelado.

Para o presente estudo, interessa-nos mais de perto o arquétipo de trickster e suas múltiplas representações.

O primeiro a descrevê-lo foi Paul Radin em sua análise antropológica do ciclo heroico dos índios norte-americanos Winnebagos [4].

O trickster possui uma natureza ambígua, animal e humana, maléfica e benéfica, sublime e grotesca [4]. É o infantil e o adulto, ou melhor, o infantil no adulto. Ele é o condutor do caos, através da infração das normas, seja para fins civilizatórios, seja porque simplesmente quis cometer tal violação. A ambiguidade e imprevisibilidade do trickster fazem com que ele, embora não seja propriamente mau, cometa devido à sua inconsciência e falta de relacionamento, as maiores atrocidades [5].

Assim, o trickster colocaria em jogo o inesperado, o indefinido, desrespeitando no nível do imaginário, a própria ordem social para que possa zombar da ordem estabelecida, quebrando aparências e desfazendo ilusões. Muito embora as transgressões cometidas por tais figuras sejam autorizadas pela sociedade, a própria ordem acabaria sendo assim reforçada, por meio de um processo catártico, e ainda com o mérito de revelar aos seus integrantes a desordem que poderia se instaurar caso as normas, os códigos e os interditos viessem a se dissolver. Assim, a maior característica do trickster acaba sendo a ambiguidade, por este ser um elemento perturbador e agente da ordem ao mesmo tempo.

Materiais e Métodos

No presente estudo foi realizada uma revisão sistemática da literatura disponível, ou seja, fontes primárias de informação como livros, artigos, teses, dissertações, monografias, revistas, folhetos explicativos e obras do acervo particular da autora deste trabalho referentes ao assunto. Também foram utilizadas as obras literárias pertencentes e disponíveis no acervo da Biblioteca Julia Chaddad, localizada na Faculdade Sudoeste Paulista, Avaré/SP, além de sites de busca como Scielo e Google acadêmico.

Os artigos foram escolhidos através das palavras-chave: esquizofrenia, arquétipo, trickster e imagem arquetipica, inconsciente pessoal e inconsciente coletivo.

Foi feita uma revisão bibliografica, em livros e sites no período de 2011 a 2013.

 Apresentação e Discussão dos dados

O objetivo deste estudo foifazer uma relação do arquétipo de trickster com a esquizofrenia, visando identificar no sintoma psicótico qual imagem arquetípica se faz presente.

Ao desvendar o arquétipo do trickster, [4] se remete à tradição do carnaval medieval e faz uma alusão com sua impressionante inversão da ordem hierárquica, ocasião em que o diabo aparecia como um “macaco de Deus”. Encontra-se, no dito arquétipo, uma notável semelhança com sua predileção por piadas e anedotas ardilosas e por brincadeiras mordazes; com seu poder para mudar de forma, possui uma natureza dupla (animal/divina) e compulsão por uma ininterrupta disposição à privação e à tortura, bem como a aproximação da figura de um salvador. Assim, apesar de ser um herói negativo, ele consegue, através de sua inabilidade, o que outros deixam de conseguir mediante esforço concentrado. O trickster é tanto uma figura mítica quanto uma experiência psíquica interna [4]. Quando se faz presente traz a possibilidade de mudança para uma possível adaptação e seu aspecto mais assustador não está ligado simplesmente à inocência, mas também à sua incapacidade de relacionar-se.

Psicologicamente, a figura do trickster pode ser vista como análoga à sombra [4]. A imagem do trickster quando crivada, significa que o caos aconteceu ou criou-se uma situação perigosa. Nesta perspectiva, o trickster é paradoxal, contraditório, quebrador de padrões, instalador do caos, em um surto de esquizofrenia há o rompimento com o contínuo de tempo e espaço. É a partir de então que o trickster se revela estabelecendo o caos e cindindo a consciência de quem entra em surto.

Referências

 

  1. DSM-IV-TR – Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (Trad. Cláudia Dornelles; 4 e.d. ver.- Porto Alegre:Artmed,2002.
  2. BLEULER, E. Demencia Precoz, el grupo de las esquizofrenias. Tradução de Daniel Wagner. Buenos Aires: Hormé, 1960.

  3. NOTO, Cristiano S. e BRESSAN, Rodrigo A.. Esquizofrenia – Avanços no Tratamento Multidisciplinar, São Paulo – SP, Ed. Artmed, 2012.

  4. JUNG, Carl Gustav. 1875-1961. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. Tradução: Maria Luiza Appy, Dona Mariana R. Ferreira da Silva. 7 ed. – Petrópilis, RJ: Vozes, 2011.
  5. QUEIROZ, Renato da Silva. O herói-trapaceiro. Reflexões sobre a figura do trickster. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 3(1-2): 93-107, 1991, p. 94. )