Tenho recebido diversos emails a respeito da relação entre psicologia e religião. O ponto central desta dúvida pode ser dito da seguinte maneira: um profissional da psicologia pode acreditar em Deus? A psicologia necessariamente implica em um ateísmo?

Para responder totalmente tais perguntas seria preciso um longo tempo ou um longo espaço, pois é possível escrever um livro para dar uma resposta total e completa.

Este texto, procura responder de forma breve à este questionamento e, mesmo sendo um pequeno texto e não um livro, procura ser o mais amplo possível.

A psicologia é uma disciplina acadêmica moderna. Nasce no século XIX, bem depois do surgimento das primeiras disciplinas científicas: a física, a química, a biologia e pouco antes, a sociologia. Sendo um desdobramento das pesquisas realizadas com a perspectiva da ciência, já possui em si uma grande separação de questões teológicas, ou seja, a respeito de Deus e da relação do homem com Deus.

O ponto que é importante notar aqui é que com relação às questões essenciais para a teologia, a psicologia se cala. A psicologia procura responder à perguntas específicas sobre os processos mentais, emocionais e afetivos, comportamentais.

Em outras palavras, se você deseja saber sobre a origem do homem, do universo, se existe Deus ou deuses, qual é o caminho para a espiritualidade, você encontrará respostas não na psicologia, mas sim na teologia – seja de qual corrente for.

Pois desde o século XV, com o surgimento da física, ocorre no mundo ocidental uma separação de saberes. De um lado encontramos a teologia (com questões relativas à Deus, sua revelação, a Bíblia) e no outro extremo a física, que buscava compreender o nosso mundo físico, as leis do movimento dos corpos, ou seja, sempre questões particulares, específicas.

Por exemplo, saber que água evapora a 100 graus Celsius não afeta o conhecimento da existência ou não de Deus, certo? É um outro tipo de resposta, pois se faz um outro tipo de pergunta.

A psicologia utilizou e ainda utiliza modelos de explicação, testes laboratoriais, paradigmas que surgiram antes em outras ciências. E, do mesmo modo, podemos dizer que saber a probabilidade da emissão de um comportamento, ou analisar um sonho, ou entender as ações de uma pessoa em grupo não afeta o conhecimento da existência ou inexistência de uma realidade transcendente.

Portanto, a psicologia não responde à pergunta sobre Deus (ou deuses) pois a pergunta não é feita em suas pesquisas.

Uma outra questão que me é feita é sobre se o profissional da psicologia, em seu consultório ou trabalho, pode ser religioso e ter uma religião.

Para responder, gosto do seguinte exemplo: imagine que você vai até um dentista tratar uma dor de dente. O dentista avalia e precisa fazer um procedimento de obturação. O paciente pode rezar, fazer uma meditação ou Yoga, mas provavelmente não vai dispensar a anestesia.

A anestesia é um procedimento técnico utilizado tanto na medicina quanto na odontologia. Ela faz com que o paciente não sinta dor.

Do mesmo modo, se um paciente chega no consultório de um profissional da psicologia com um determinado problema específico, ele está buscando ajuda profissional. Pode até ajudar rezar, fazer meditação ou Yoga, mas os procedimentos utilizados pelo psicólogo ou psicóloga serão específicos da área de conhecimento e não terão nada a ver com conhecimentos teológicos ou religiosos.

De forma que é indiferente se o profissional da psicologia acredita ou não acredita em Deus. A psicologia não é teologia e, dizendo novamente, não faz as mesmas perguntas sobre o ser, sobre Deus e sobre o homem que o teólogo, sacerdote, padre ou pastor faz.

E ainda, uma outra questão, refere-se ao seguinte. E se o profissional da psicologia encontrar um paciente que tenha uma crença diferente. Por exemplo, um profissional que é ateu e deve atender um paciente religioso (seja judeu, muçulmano, católico, protestante, budista…)? Ou pode ocorrer o contrário: e se um profissional que é profissional mas em sua vida privada acredita em uma determinada crença e deve atender um paciente ateu ou que acredite em algo totalmente diferente?

A psicologia possui um Código de Ética, um código de conduta muito bem estruturado. Além do sigilo profissional, um valor fundamental para os atendimentos é o respeito pela singularidade, individualidade e liberdade do ser humano – visando sempre o bem estar de cada um e da sociedade em que estamos inseridos.

Então, respondendo às perguntas: um profissional da psicologia pode acreditar em Deus? A psicologia necessariamente implica em um ateísmo?

Sim, um profissional da psicologia pode acreditar em Deus, ter uma crença religiosa específica. Mas tal crença é particular, faz parte de sua vida privada. Não vai ou deve afetar sua prática profissional.

E com relação à outra pergunta: não. A psicologia não implica em uma ateísmo. Os conhecimentos reunidos pela psicologia até os dias atuais não são perguntas que buscam responder sobre a existência de Deus. Por isto, elas não implicam em um ateísmo, do mesmo modo que também não implicam em uma determinada crença religiosa.

Leia também a continuação do texto aqui:
Psicologia: Interpretação dos fenômenos religiosos