Existe uma ideia bastante comum de que na infância a pessoa tem a experiência de um trauma – que causa uma marca para a vida toda. A psicologia, então, ajudaria na superação deste trauma.

Na verdade, não é bem assim! Neste texto você vai saber mais sobre o surgimento da infância – pois a ideia de infância não existia até bem pouco tempo atrás – e também como surgiu o conceito de trauma na infância e como a psicanalise e a psicologia trabalha esta questão atualmente.

Existe um livro muito utilizado nas Ciências Humanas (na psicologia, na pedagogia, na história) chamado História Social da Criança e da Família, do historiador de final de semana Phillipe Ariès.

O livro mostra historicamente a constituição da família desde o século XV até o século XVIII e o papel da escola e do “conceito” de infância neste processo.

Na Inglaterra da Idade Média as crianças eram mandadas para a casa de outras pessoas para trabalharem com a idade de sete anos e eram chamadas aprendizes. Este tratamento acontecia em todas as famílias não importando a fortuna, ao mesmo tempo em que mandavam suas crianças para outras casas, recebiam meninos ou meninas nas suas.

Provavelmente, este gênero de vida foi comum ao Ocidente medieval, onde a aprendizagem se confundia com o serviço doméstico. A criança aprendia pela prática, não somente os conhecimentos do mestre que a recebia mas também os valores morais.

Como a transmissão do “conhecimento” era de maneira prática e de uma geração para outra não havia lugar para a escola. Deste modo, a criança participava integralmente na vida dos adultos. Não havia a segregação das crianças, como posteriormente aconteceria.

Em outras palavras, não havia a noção que temos hoje de infância. Uma criança era um pequeno adulto, um adulto pequeno e tratado como tal.

A família não podia nesta época alimentar um sentimento existencial profundo entre pais e filhos, era uma realidade moral e social mais do que sentimental.

A partir do século XV, essa realidade começou a se transformar, lentamente, com a extensão da frequencia escolar. Dessa época em diante, a educação passou a ser fornecida mais pela escola.

As famílias ao mesmo tempo, não queriam mais se separar de seus bebes e começaram a trazer amas-de-leite até as suas casas. Assim, as crianças cresciam e aprendiam a civilidade através do contato com suas famílias.

A palavra “civil” era quase sinônimo de nosso “social” moderno. Existiam, no século XVI até o século XVIII umaliteratura sobre civilidade, os tratados ou manuais de cortesia, nos quais as pessoas aprendiam como se comportar em sociedade.

A escola durante este período foi se desenvolvendo e a infância se particularizando.

Na segunda metade do século XVII a família já está organizada em torno das crianças. A primeira família moderna foi a de homens ricos e importantes. Contudo, havia ainda uma grande socialização, não se tendo espaço para a criação de uma maior intimidade.

Até o século XVII a densidade social proibia o isolamento. Somento no século XVIII a família começou a manter à sociedade à distância. A organização das casas passou a corresponder a essa nova preocupação contra o mundo. A independencia dos cômodos e o conforto surgiu junto da intimidade, do isolamento, da discrição.

A especialização dos cômodos, nas familias da nobreza e da burguesia foi uma das maiores mudanças na vida cotidiana das pessoas. Ou seja, até bem pouco tempo atrás não existiam quartos individuais – todos conviviam no mesmo espaço. Além disso, a casa era uma extensão da rua e estava sempre aberta para os vizinhos.

A partir do século XVIII, começou-se a se seperar a vida mundana, a vida profissional e a vida privada, e surgiu um novo código de boas maneiras que recebeu o nome de polidez, que obrigava à descrição e ao respeito pela intimidade alheia.

A criança tornou-se um elemento indispensável da vida quotidiana e os adultos passaram a se preocupar com sua educação, carreira e futuro.

À medida em que as transformações na sociedade modificaram a escola, a aprendizagem, os costumes, as relações da criança com a família e da famílica com esta constituiram um importante fator no surgimento da família moderna.

Traumas de Infância

Nos últimos séculos, portanto, o modo como as pessoas tratavam as crianças começou a ser modificado. A infância como a entendemos hoje foi surgindo também com a criação das escolas fundamentais e obrigatórias – inicialmente uma exigência dos protestantes que desejavam que as pessoas pudessem ler a Bíblia sem o intermédio dos padres.

Sigmund Freud elaborou logo no começo de sua carreira como psicanalista o conceito de trauma na infância. De acordo com suas pesquisas iniciais, o adulto neurótico – com problemas e sintomas psíquicos – teria passado por um ou mais eventos traumáticos na primeira infância.

Estes eventos estavam já relacionados à ideia do Complexo de Édipo.

Porém, depois de pesquisar mais, Freud percebeu que na verdade, não haviam estas traumas. Ou ainda melhor, experiências ruins podiam até acontecer – mas o que mais importava para o surgimento da neurose era a fantasia inconsciente do paciente.

Em outras palavras, o trauma perdeu importância como o causador do problema. O problema, então, não seria mais o trauma (o evento que aconteceu no passado) mas a fantasia inconsciente do passado.

Com isso, a psicanalise não trabalha mais hoje com a ideia de trauma e solução do trauma. Os psicanalistas trabalham com a ideia de sintoma e fantasia (ou fantasma) inconsciente.

Chegar à fantasia inconsciente que é a origem dos sintomas – é o que permite ao paciente libertar-se de seu sofrimento.